José Paulo Kupfer

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Reportagem

IOF encarece crédito, atinge tanto ricos quanto pobres e trava crescimento

Como era possível imaginar, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes suspendeu, hoje, tanto o decreto do Executivo que determinou aumento das alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) quanto o decreto legislativo que derrubou a medida do governo.

Moraes empatou o jogo que opunha Executivo e Legislativo e botou a bola no centro do campo, para o reinicio da partida. O ministro disse ter tomado a decisão em nome da conciliação entre os Poderes em choque.

Ao sinalizar para as limitações das competências e prerrogativas dos Poderes, o ministro abriu caminho para a negociação política. A negociação, ambiente típico dos políticos, apesar das farpas que serão lançadas de lado a lado, deveria e, numa visão relativamente otimista, deverá prevalecer.

Está mais do que evidente que não foi boa a ideia de aumentar a arrecadação, para cobrir buracos nas contas públicas, com a ampliação de escopo e de alíquotas do IOF. Essa poderia ser a fórmula mais fácil, mas nunca a melhor.

O IOF é um tributo peculiar, cujas características regulatórias — ajustar, temporariamente, fluxos de recursos financeiros — permitem que suas alíquotas sejam alteradas por simples decreto do Executivo, com aplicação imediata.

Tributos "normais" devem passar pelo rito legislativo até aprovação ou rejeição e sanção ou veto presidencial, só passando a valer, em geral, depois de atendidos os princípios da anterioridade, que vão de 90 dias até o início do exercício seguinte.

Foi essa aparente facilidade que levou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a escolher o IOF como caminho para obter receitas adicionais de R$ 10 bilhões, em 2025, e R$ 20 bilhões, em 2026.

Também não parece ter sido boa ideia derrubar no Congresso o decreto do governo. Essa foi uma ação agressiva, de confronto entre Poderes, e, por isso mesmo, raramente utilizada. A última vez que o Congresso derrubou um decreto do Executivo ocorreu há mais de 30 anos, no governo Collor.

Ao confrontar o Executivo, desprezando a negociação ao qual o governo dava mostras de aceitar, o Legislativo desequilibrou o processo democrático e armou uma crise institucional. Na disputa entre as possíveis prerrogativas de cada Poder — o Executivo de fazer o decreto, o Legislativo de derrubá-lo — a democracia saiu ferida.

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No meio da crise, o IOF ganhou holofotes. Mas o que é o tributo, para que serve e quem é afetado por ele continuam sendo questões desconhecidas para muitos e sujeita a interpretações variadas entre entendidos.

O IOF, no Brasil, é um sessentão, nascido em 1966, ainda nos tempos da reestruturação da economia e do mercado financeiro, empreendida pelo economista e diplomata Roberto Campos, e pelo economista Octavio Gouvêa de Bulhões, ministros da área econômica do golpe de 1964.

Na origem, sua função era substituir um tributo de transferência de recursos para o exterior, mas seu escopo foi sendo ampliado ao longo do tempo até abarcar todas as movimentações financeiras. Ainda assim, o IOF aparece mais como protagonista da política monetária em momentos de crises cambiais. Mas são também automáticos seus efeitos sobre a política fiscal.

Ao longo da história do IOF, a alteração de alíquotas tem operado principalmente com o objetivo de estimular ou desestimular a entrada ou a saída de capitais. Só mais recentemente, as mudanças de alíquota e de incidência do tributo foram utilizadas com objetivos de aumentar a arrecadação, compensando gastos públicos adicionais.

Nos primeiros tempos do Plano Real, por exemplo, alíquotas de IOF foram majoradas para desestimular o ingresso de capital externo, em maior medida especulativo, que procurava aproveitar a combinação de âncora cambial e real valorizado com juros elevados.

Já na crise cambial do início de 1999, alíquotas do IOF foram rebaixadas para atrair capitais externos ou evitar fuga dos aplicados no país. O mesmo expediente, com idêntico objetivo, foi usado no grande crash global de 2008.

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Mais recentemente, em 2021, alíquotas de IOF foram ampliadas para bancar o Auxílio Brasil. Também para elevar receitas e compensar perdas fiscais, alíquotas foram alteradas em 2025, transformando-se no estopim da atual crise entre Executivo e Legislativo.

Alterações em alíquotas do IOF produzem, automaticamente, elevações ou reduções de arrecadação. Daí ser difícil determinar se a mudança objetivou mexer com a receita ou teve apenas caráter regulatório, de ajuste nas condições econômicas. Este é o centro do embate do momento entre Executivo e Legislativo.

Alterações em alíquotas do IOF afetam todas as operações financeiras, das mais sofisticadas estruturações de derivativos até as mais corriqueiras, como os empréstimos pessoais e as compras com cartão de crédito. Embora a maior parte das operações afetadas por mudanças no IOF atinjam pessoas (e empresas) de maior poder aquisitivo, se pobres contraem empréstimos ou usam cartões de crédito também são prejudicados.

Vigente, sob diversos formatos, em número grande de países, sejam os mais ricos ou, sobretudo, emergentes, o IOF é um tributo crescentemente criticado em fóruns econômicos internacionais. A recomendação para que seja eliminado decorre de duas constatações em relação às elevações do imposto.

A primeira é que as mexidas no tributo mantêm em vigor sombras do indesejado controle de capitais externos. Como ferramenta de controle de capitais, o IOF é mal visto pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). No processo de ingresso no chamado "clube dos países ricos" —que tem aceito cada vez mais emergentes em suas fileiras —, o Brasil se comprometeu a zerar alíquotas de IOF até 2028.

A outra rejeição do IOF, mais concreta, se prende ao fato de que elevações do tributo, mesmo quando usadas para robustecer políticas monetárias restritivas de combate à inflação, encarecem o crédito, colaborando, em consequência, para inibir a atividade econômica e o emprego.

Reportagem

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