Josette Goulart

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Reportagem

Como Trump vai afetar a publicidade mundial

Só se fala de uma coisa em Marte e aqui na Terra: a guerra tarifária de Donald J. Trump. (Marte foi uma deferência ao Elon Musk, que esteve em Cannes no ano passado). E, claro, só se falou de Trump (sem exagero) durante as teleconferências de divulgação de resultados de dois dos maiores grupos mundiais de publicidade: Publicis e Omnicom. (O curioso? O nome de Trump nem precisou ser mencionado).

Os efeitos das tarifas ainda são meio sutis, mas já apareceram nos balanços trimestrais dessas companhias divulgados nesta semana.

Abre parênteses. Como sempre tem alguém que chega aqui nesta coluna de marketing meio perdido, vou explicar rapidinho o que é Omnicom e Publicis. A Omnicom é um grupo publicitário americano que fatura, por ano, uns US$ 15 bilhões no mundo todo. No Brasil, é dona de agências bem conhecidas como Africa, Almap, DM9, Lew'Lara, iD/TBWA. No fim do ano passado, eles anunciaram uma fusão com a IPG (e vou falar disso logo mais, porque vi uma coisinha ali na conferência da Omnicom que me deixou curiosa sobre como Trump vai lidar com esse negócio). Já a Publicis tem origem francesa e fatura uns 15 bilhões de euros. É dona de nomes brasileiros também bem conhecidos e tradicionais, como DPZ, Leo Burnett e Talent. Os maiores mercados das duas companhias? Estados Unidos. Fecha parênteses.

Como não podemos nos deixar dominar pelo tema Trump, falo ainda na coluna de hoje da campanha do Dia das Mães de O Boticário (Renata sempre em cima do lance), do que o brasileiro pensa sobre os temas do SXSW, do que acontece quando o Banco do Brasil despluga a performance e de como a Meta está me perseguindo. Vem que está quente:

Não deu pra dobrar a meta

Comecemos pelo efeito Trump nos balanços. A Omnicom alterou seu guidance de crescimento orgânico para este ano. (Guidance é o nome chique que o povo das empresas de capital aberto usa pra projetar metas aos investidores).

Quando fez a divulgação do balanço anual, a empresa previa uma faixa de crescimento entre 3,5% e 4,5% para 2025. Agora, já botaram um 2,5% na parte inferior da meta. E com a seguinte frase introdutória: "Dada a incerteza do ambiente atual".

Questionado se a mudança já era porque os anunciantes começaram a sinalizar cortes de gastos ou se era mais pela incerteza do cenário, John Wren, o CEO do grupo, disse que era mais por conta da incerteza.

Ninguém sabe o que vai acontecer no fim dos 90 dias, quando Trump vai decidir se vale aquela tabelinha das tarifas que ele anunciou no Dia da Libertação ou se valem os 10% pra todo mundo. Não se sabe sequer se as tarifas vão continuar. Ou se, no fim das contas, os EUA vão pular de uma guerra tarifária pras vias de fato com a China. Numa dessas, vamos nos surpreender — e só os pinguins continuarão sendo taxados. (Sim, Trump taxou os pinguins).

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'Crise Trump' é igual à 'crise Covid'?

A Publicis manteve a meta de crescimento e demonstrou otimismo (sei não...) em como as marcas vão usar a experiência de crises recentes pra enfrentar essa novíssima, criada por Donald Trump. O CEO, Arthur Sadoun, disse o seguinte:

"Passamos pela Covid, passamos pela guerra, passamos pela inflação. Então eu acho que todo mundo sabe que, no momento, se você parar de investir, perde participação de mercado -- e ela é muito difícil de recuperar."

Mas (porque sempre tem um "mas"), a Publicis já sentiu o baque na sua empresa de consultoria de tecnologia, a Sapient. Para essa parte do negócio, o grupo projeta uma queda de 4% no ano porque, efetivamente, os clientes pararam os novos negócios. E não é uma partezinha qualquer do balanço: a Sapient representa 15% da receita líquida global da Publicis.

Vou mudar de assunto agora e volto na fusão da Omnicom com a IPG logo mais.

A Meta está me stalkeando

Desde que escrevi sobre a série Adolescência e a campanha da Meta (sim, eles anunciam também) em torno da Conta Adolescente (que é um perfil onde os pais podem ter maior controle), estou sendo perseguida pelo anúncio. Mas perseguida em nível hard. Não tem um site ou rede social que eu abra que o anúncio não esteja lá. Isso está acontecendo há três semanas consecutivas, TODOS OS DIAS. (Espero que estejam perseguindo também os pais de adolescentes (para explicar o rolê dessa conta), porque no meio de tantas notícias trágicas envolvendo redes sociais, os pais precisam de alguma ferramenta).

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Fui falar com os universitários, porque entendo 0,5% desse rolê de performance (no bom português: marketing digital pra vender), e o comentário geral foi: dei azar de estar sendo perseguida justo por quem tem mais dinheiro pra me perseguir. (Pra que um anúncio chegue até você, as empresas fazem um leilão pra comprar o espaço. Leva quem paga mais.)

Mas a análise dos experts é mais direta: alguém errou a mão lá na Meta. Eles recomendam que uma pessoa veja no máximo uns 15 anúncios da mesma empresa por mês — e, mesmo assim, peças diferentes. Se for pra vender mesmo, só 5 vezes por mês. Resumindo: as marcas precisam cuidar pra não passarem de queridinhas a odiadas pelos consumidores.

Lembrei do BB

Mas performance é essencial pras empresas (por isso a Meta e o Google faturam tanto). Estive dia desses com a Paula Sayão, CMO do Banco do Brasil, e ela me contou que conseguiram medir que, a cada R$ 1 que o BB gasta com marketing de performance para vender crédito, R$ 1.200 retornam como receita. "Se desplugar, você realmente está perdendo dinheiro pro banco."

As tentantes

Renata Gomide, VP de O Boticário, não para. (Até tento não falar dela, mas aí ela aparece com algo novo tantas vezes que chega uma hora em que tenho que falar de novo). No ano passado, a marca fez a campanha do Dia das Mães falando da tormenta que é a vida com filhos adolescentes. Junto com a Almap, anteciparam um assunto que explodiu como nunca nos últimos meses.

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Dessa vez, a empresa está falando das mães tentantes. Um comercial delicado e sensível com um insight que, mais uma vez, veio dos dados. Uma em cada 6 mulheres no mundo já sofreu um aborto espontâneo. Uma em cada 6 sofre com infertilidade. E talvez o feeling mais importante — como lembrou o Pernil, chefe de criação da Almap — foi de que as mulheres não dividem isso com ninguém.

E esse não é o primeiro comercial impactante do ano de O Boticário, não. Em março, a empresa lançou o Centro de Pesquisa da Mulher, com parcerias para estudar o corpo feminino — começando pelo Hospital Albert Einstein. No comercial de lançamento (arrasador, diga-se de passagem, feito pela GUT), Deborah Secco começa dizendo que, ao longo da vida, muita gente pesquisa o corpo da mulher: o tamanho, se mudou, se está velho... Mas não pesquisam o corpo das mulheres na ciência. Vale ver aqui.

SXSW traduzido

Vai rolar mais uma edição dos principais insights do SXSW traduzidos aqui pro nosso Brasil, numa parceria da B&Partners, HSM+ e Hibou. Eles pegam os insights do evento e passam um mês pesquisando como eles batem na vida real do brasileiro. A pesquisa deste ano descobriu que, no caso de memórias com marcas, a audição é o sentido mais aguçado. Ao todo, 42% dos entrevistados têm uma trilha sonora, jargão ou jingle que traz lembranças afetivas e reforça a conexão com sua própria história.

Ok, vou finalmente falar da fusão

A Omnicom e a IPG (WMcCann, Mediabrands, FCB) vão criar o maior grupo publicitário do mundo. Coisa de faturamento de US$ 30 bilhões. Como de praxe, o negócio precisa ser aprovado pelas autoridades. Mas isso todo mundo já sabe. O que me chamou a atenção foi que, lá pelas tantas, na teleconferência de resultado da Omnicom, o CEO contou que dos 18 pedidos de aprovação de governos e órgãos reguladores, cinco já foram aprovados. E soltou essa, como quem diz: "Relaxa que vai dar tudo certo":

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"A mais recente (aprovação), que recebemos há apenas alguns dias, foi a da China. Ninguém na ligação vai se lembrar disso, mas 10 ou 11 anos atrás, quando estávamos tentando a fusão com a Publicis, o lugar onde tivemos problemas para obter aprovação foi a China -- e já recebemos isso neste processo."

(Pelo que li em reportagens da época, publicadas na Reuters e no Financial Times, a China de fato atrasou o processo, mas no fim das contas a fusão não deu certo porque eles tretaram pelo poder.)

Voltando à declaração da teleconferência: fiquei pensando com meus botões — "Humm, recebeu autorização da China. Há poucos dias. E fala isso assim, de boa? Nesse momento? Ah, certeza que já recebeu também dos EUA."

A minha certeza foi desfeita minutos depois, quando ele foi perguntado sobre os países que já aprovaram a fusão até agora. São eles: China, Colômbia, Brasil, Arábia Saudita e Egito.

Digo nada. Vou só fazer a egípcia. Voltem aqui na semana que vem, hein?

Beijo e me liguem.

Reportagem

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