Josette Goulart

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Reportagem

LePub manipula campanha da camisa do São Paulo em Cannes

O ano do Brasil em Cannes ficará conhecido como o ano do festival das fakes brasileiras de Cannes. Depois da DM9, temos agora o caso da LePub, que levou ao festival uma campanha não autorizada pela New Balance. E o que é pior: com dados fakes.

Na coluna de hoje, temos ainda o pedido de desculpas da Ambev por não pagar direitos autorais em uma campanha feita pela Africa e que foi vencedora aonde? Em Cannes. Temos a demissão do Ícaro Doria da DM9 e o curioso fato da agência que admitiu a manipulação, mas não devolveu o prêmio (depois da publicação desta coluna, a DM9 devolveu o prêmio). Só sei que, depois de tudo isso, está na hora do Wake up Call, porque a IA vem aí para mudar o status quo. E ainda trago a movimentação da Almap com uma nova COO.

45 mil camisas?

O que leva uma agência de publicidade a dizer que fez uma campanha tão maravilhosa com a torcida de futebol do São Paulo que vendeu 45 mil camisas ao preço de R$ 429,99 em apenas um dia de jogo no estádio do Morumbis? Sim, mais uma fake do grande prêmio de Cannes, desta vez na conta da LePub, uma agência do poderoso grupo Publicis.

A agência inscreveu um caso em nome da New Balance, intitulado "Loja de Torcedores". A ação de fato existiu (ufa, pelo menos isso). A marca lançou uma camisa especial do São Paulo inspirada na tradicional "recepção do fogo", quando torcedores escoltam o ônibus do time. Para evitar que a peça caísse nas mãos dos cambistas, como a LePub conta no case apresentado em Cannes, criou uma loja virtual geolocalizada e acessível apenas a quem estivesse próximo ao trajeto do ônibus. Ou seja, em português castiço, só quem estivesse no local poderia comprar a camisa exclusiva. (Foi daí que veio a pista: 45 mil camisas vendidas num só jogo? A R$ 430?)

O caso foi revelado pelo jornalista esportivo Demétrio Vecchioli do Prado, em seu perfil no LinkedIn.

Fui questionar a New Balance, que rapidamente respondeu que nunca aprovou a inscrição em Cannes e que nem é mais cliente da LePub. Aqui já tem um problemão. O regulamento de Cannes (sim, fui ler o regulamento) diz que as marcas precisam aprovar a campanha. A certa altura do regulamento, eis o que diz o Cannes Lions:

"Exemplos de uma Inscrição Fraudulenta incluem, mas não estão limitados a, trabalhos que não foram ao ar, não foram veiculados e/ou não foram aprovados pela Marca."

A LePub se restringiu a dizer que a inscrição no festival é de fato de sua inteira responsabilidade, mas, de resto, simplesmente manteve o silêncio, dizendo que está apurando o que aconteceu.

Manipulação jornalística

Além da fake sobre a venda das 45 mil camisas, a LePub também inseriu no videocase uma citação que teria sido feita em reportagem da Fox Sports. Detalhe sórdido: a Fox Sports no Brasil fechou em fevereiro de 2024, e a campanha aconteceu em agosto.

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O pior de tudo: mesmo com os dados fakes, a campanha ganhou um mero Leão de Bronze. (A DM9 foi mais profissa).

Teve pedido de desculpas da Ambev

Cantei a bola na última coluna, hein? Com a história da campanha da Budweiser, feita pela Africa Creative e rodada no TikTok, se gabar de que não pagou direitos autorais porque só tocou um segundo da música.

O detalhe é que a Ambev não pagou mesmo os direitos autorais porque alguém entendeu que a lei é dúbia sobre isso. A propósito, alguns advogados me dizem que tem que pagar, sim.

Mas agora a empresa fez uma nota pública para dizer que pede desculpas e que está trabalhando para resolver este tema. (Fica a dica para quem quiser cobrar os direitos autorais).

DDB demite Ícaro, mas fica com o prêmio

Não foi a DM9 que demitiu o Ícaro Doria. Foi a rede de agências DDB (que pertence ao grupo Omnicom). Ícaro era alto executivo da rede e dividia a presidência da DM9 aqui no Brasil com Pipo Calazans. Na nota oficial da DM9, eles dizem que chegaram a um comum acordo. Nas fofocas de zap, todo mundo diz que o Ícaro já estava de saída mesmo, então foi fácil arrumar o bode expiatório.

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Para quem chegou agora no assunto (instigado pela camisa do São Paulo), eu conto o que aconteceu: a DM9 inscreveu uma campanha da Consul em Cannes dizendo que a empresa vendeu eletrodomésticos para mais de 1.200 pessoas que puderam pagar com a economia que tiveram na conta de luz. Para convencer os jurados de que a campanha era muito boa, manipularam com IA a voz de uma jornalista da CNN Brasil para falsificar uma reportagem e a voz de uma senadora americana para falsificar dados.

A pergunta que não quer calar é: quando a DM9 e a DDB vão cair na real e devolver o prêmio??????? Aliás, a CNN já pediu oficialmente que o videocase saia do ar, mas ele segue bonitão lá no site da DDB.

Curiosidade: a Africa Creative também pertence à rede DDB, e o case da música que toca em um segundo agora exige uma senha para ser acessado no site da rede.

ATUALIZAÇÃO. Cerca de duas horas após a publicação desta coluna, a DM9 anunciou que terminou a investigação conduzida pelo board da agência e vai devolver três prêmios. O Grand Prix da Consul, os prêmios do case "sangue de plástico" feito para o cliente OKA Biotech e "Ouro = Morte" para Urihi Yanomami.

E o Cannes Lions?

Impressionante o silêncio dos organizadores do evento. Não me responderam nada sobre a DM9, tampouco sobre a LePub. Devem estar pensando: "Para que governança, compliance, ESG em um prêmio de criatividade, né?"

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Mas conversei com pessoas próximas aos organizadores, que me explicaram que a questão é complexa. Qualquer atitude da organização terá consequências na pontuação e pode, eventualmente, mudar alguns títulos, como o de "Rede do Ano" ou "Agência do Ano". Será que é por isso que a DDB não devolve o prêmio espontaneamente?

Júri com cara de otário

Fiquei penalizada assistindo à roda de conversa dos jurados da categoria Creative Data, que deram o Grand Prix para a DM9. Os jurados disseram que a decisão foi unânime e ficaram emocionados em como uma campanha podia ser tão boa, com tanto impacto para a sociedade, usando tão bem os dados. A campanha tinha tudo. Era aí que o sinal de alerta deveria ter acendido. Imagino que a DM9 terá um longo caminho para reconstruir sua reputação com os jurados.

POV do caso da DM9

Eu sou adepta da tese de que tudo acontece antes no mundo da publicidade. E a DM9 deu uma provinha de que talvez a tese esteja corretíssima. Foi lá, num festival mundial dos mais relevantes, e usou a IA para manipular os jurados. Me diz se não é a DM9 dando a real da tendência da IA? Alô, eleições 2026, te vejo ano que vem!

Wake up Call

Enquanto grandes grupos mundiais estão envolvidos em escândalos de manipulação de campanhas no festival de Cannes, a Accenture Song foi lá e passou todos eles no ranking dos maiores do mundo. (Longe de mim botar a mão no fogo pela Accenture Song, vai que tem alguma fake deles em Cannes também).

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Mas o fato é que a Accenture Song passou a ser a primeira do ranking mundial das empresas de comunicação (em faturamento). O ranking, pela ordem, ficou assim: Accenture Song, WPP e Publicis. Mas logo Omnicom e IPG vão se fundir (os órgãos reguladores dos EUA finalmente aprovaram a fusão nesta semana) e aí eles passam a ser os maiores. Só para você se situar, a Omnicom é a dona da DDB, que é a rede que engloba a DM9.

Moliterno explica

Estava eu perdida lá no CMO Summit, que aconteceu esta semana em São Paulo, quando caí num bate-papo do Pyr Marcondes com o Eco Moliterno (publicitário conhecidíssimo no mercado e que é um dos principais executivos da Accenture Song no Brasil). E ele falou sobre o motivo de a Accenture Song estar no topo.

Basicamente, dá para resumir assim: quando Moliterno entrou na Accenture Song, em 2017, era uma empresa que fazia sites (e claro, todo o resto. É uma licença poética). Logo depois, virou uma empresa que fazia apps. Agora é uma empresa que faz agentes de IA. Enquanto tem um povo ainda no modo B2B, B2C, a Accenture Song está no modo A2A (agente de IA para agente de IA).

E a Almap tem nova COO

Rafaela Alves é a nova chefona do rolê na Almap (depois do Filipe Bartolomeu, claro). Ela vai assumir o cargo deixado por Fernanda Tedde, mas ainda assim vai seguir mandando nas áreas de Mídia, Dados, Martech e Retail.

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E Rafa fala sobre a IA: "Vai ser o chassi da operação."

A propósito, quero corrigir uma injustiça que fiz aqui na última coluna. Os criadores da campanha da Elis para a Volkswagen foram Gustavo Tasseli e Francis Alan, que não só continuam na Almap como foram promovidos também nesta semana a diretores criativos.

E ficamos assim por hoje. Qualquer hora volto aqui.

Ah, e se você ainda não leu, vai lá na coluna sobre a fake da DM9, clicando aqui.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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