Dona da marca Piraquê vai pagar dividendo mensal, mas mercado faz ressalva
Ler resumo da notícia

Provavelmente, você já consumiu algum salgadinho da Piraquê ou um biscoito da Adria. Agora, esses produtos também podem te gerar uma renda mensal.
A fabricante de massas e biscoitos M. Dias Branco (MDIA3), dona de 22 marcas como Piraquê, Adria e Vitarella, anunciou uma nova política de dividendos, com pagamentos mensais a partir de abril de 2025. Serão R$ 0,03 por ação por mês, além de uma distribuição complementar no ano seguinte. A intenção é remunerar acionistas com 80% do lucro líquido distribuível.
Com isso, a empresa se torna a única do setor de alimentos na bolsa brasileira a pagar dividendos mensais, algo que até o momento é feito por alguns bancos, empresas do segmento imobiliário, shoppings e até varejo.
"Nos anos 70 e 80, algumas companhias faziam propostas criativas para atrair investidores", lembra Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista. "Algumas ofereciam uma porcentagem de proventos baseados na cotação da ação, o que era insustentável. Outras companhias davam descontos exclusivos para quem comprovasse que tinha ações da empresa", recorda. Estaríamos diante de um retorno ao passado?
No caso da M. Dias Branco, a estratégia também visa recuperar a confiança do mercado. A compra da Piraquê em 2018 pressionou a lucratividade e os resultados de 2024 foram fracos. O lucro líquido do 4º trimestre caiu 48,4%, para R$ 176,5 milhões, e no ano recuou 27,3%, fechando em R$ 646 milhões.
Para reverter o cenário, a empresa tem cortado custos, fechado fábricas e apostado na nova política de dividendos. Também trouxe Pedro Parente, ex-Petrobras e BRF, para o conselho de administração, visando fortalecer os negócios e ajudar nos planos internacionais.
Embora muitos analistas sigam céticos, alguns começam a mudar de opinião graças aos dividendos mensais. O BB Investimentos, por exemplo, elevou a recomendação de MDIA3 de neutra para compra e fixou um preço-alvo de R$ 30 para o final de 2025.
Como vai funcionar a nova política de dividendos mensais?
A nova política de dividendos mensais foi formalizada no estatuto da companhia, garantindo assim sua continuidade em 2026, 2027 e nos próximos anos, explicou Fabio Cefaly, diretor de Relações com Investidores da M. Dias Branco, ao UOL.
A empresa pretende pagar R$ 0,03 por ação todo mês (R$ 0,09 por trimestre), em dividendos ou juros sobre capital próprio (JCP) - estes últimos têm desconto de imposto de 15% na fonte. Em 2025, porém, serão apenas dividendos. Além dos pagamentos mensais, haverá uma distribuição complementar no ano seguinte.
O objetivo é manter um payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) de 80% do lucro líquido distribuível - que nada mais é do que o lucro líquido total menos as reservas legais e incentivos fiscais.
Como a companhia tem baixo endividamento (0,18 dívida líquida/Ebitda), pode sustentar essa política. Porém, se a alavancagem chegar a 1,5 vez, o payout pode ser reduzido para 60%. "Isso só ocorreria em um cenário de muitas fusões e aquisições", ressalta Cefaly.
Os dividendos são financiados pelo lucro anual, sem necessidade de usar as reservas. Segundo cálculos da empresa, R$ 0,03 por mês (R$ 0,36 ao ano) é sustentável, com variação apenas na parcela complementar, que pode ser maior a depender do lucro do exercício. Em um cenário extremo de prejuízo, a companhia poderia recorrer às reservas para honrar o compromisso mensal.
A M. Dias Branco quer replicar o modelo do Banco do Brasil (BBAS3), divulgando um calendário anual no começo do ano com as datas de corte (para garantir o provento), data ex (sem direito ao provento) e datas de pagamento. "Isso permite ao investidor se planejar e ter uma previsibilidade de quando receberá os dividendos", explica Cefaly.
A ideia é que os pagamentos ocorram sempre no último dia do mês, com a "data com" para garanti-los no decorrer daquele mesmo mês.
Com 49.581 investidores pessoa física, a companhia busca atrair novos investidores pessoa física, institucionais e estrangeiros e aumentar a liquidez das ações. Sobre o ceticismo do mercado com a recuperação da empresa, Cefaly afirma que a companhia tem caixa robusto (R$ 500 milhões no último trimestre) e opera em mercados resilientes, como biscoitos e massas. "Mais de 90% das famílias consomem. A empresa gera muito caixa, apesar das oscilações do trigo e câmbio e preço do óleo de palma. A demanda pelos produtos é resiliente", defende.
Analistas opinam
Apesar de verem como positiva a implementação de pagamentos recorrentes, a maioria dos analistas segue cético com a empresa e não a considera uma opção para carteiras de dividendos. O consenso é que R$ 0,03 por mês ou R$ 0,36 por ano é um dividend yield (retorno em dividendos) muito baixo para uma ação que custa cerca de R$ 23.
"Mesmo com maior frequência, a empresa tende a manter um dividend yield baixo. E não está descontada", avalia Guilherme La Vega, da Arkad Invest. Ele vê a companhia como consolidada, com poucas oportunidades de crescimento, o que gera um acúmulo de caixa e sustenta os dividendos no longo prazo.
Para Oliveira, do Vida de Acionista, a nova política torna a empresa válida para estudo do investidor, mas há desafios, como a implementação efetiva do sistema de remuneração. Ele destaca que pagamentos mensais podem atrair fundos de pensão, que buscam essa recorrência.
Oliveira também aponta riscos, como o fim dos incentivos fiscais, aquisições que prejudiquem o operacional e a volatilidade no preço de commodities como trigo e açúcar, que podem impactar o lucro.
Cristiane Fensterseifer, do Investe10, concorda e vê alternativas mais atrativas com dividend yield maior. "A reforma tributária preocupa porque pode retirar incentivos. A alta do dólar também é um ponto de atenção", diz.
Marco Saravalle, da MSX Invest, acredita que a novidade dos dividendos mensais pode atrair investidores inicialmente, mas que o baixo dividend yield tende a afastá-los no futuro. "O investidor pode perceber que é melhor aguardar um pagamento maior trimestralmente ou semestralmente do que receber pouco todo mês", observa.
O único otimista é Fábio Sobreira, da Rocha Opções de Investimentos, que vê espaço para um pagamento complementar robusto, elevando o dividend yield para 6% ou 7% em 2025. "É uma empresa bem gerida, mas ainda sofre para voltar ao patamar pré-Piraquê", diz.
A XP também aprovou a nova política. "Vemos isso como positivo, pois o forte balanço da MDIA3 e a baixa alavancagem permitem uma estrutura de capital mais eficiente", afirmaram analistas. Mas aconselha manter o papel.
No consenso de mercado do TradeMap, entre 8 instituições, apenas duas recomendam compra, enquanto seis indicam manter a ação. Ou seja, a M. Dias Branco ainda precisa convencer os analistas.
Pagar dividendos baixos mensalmente não é exclusividade da empresa. Bancos como Itaú, Bradesco e Itaúsa também operam nesse modelo, mas distribuem proventos complementares e dividendos extraordinários ao longo do ano, para engordar o dividend yield.
A ideia de pagar dividendos mensais foi boa, mas faltou a M. Dias Branco tirar o escorpião do bolso e ser mais generosa nos pagamentos.
Quem paga dividendos mensais na bolsa?
Várias empresas já praticam o modelo de pagamentos mensais. Entre as mais tradicionais estão os bancos Itaú (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Banestes (BEES4).
Para atrair investidores e aumentar a liquidez, outras companhias aderiram à prática nos últimos anos. Em 2025, Vulcabras (VULC3), Allos (ALOS3) e Mitre (MTRE3) confirmaram que seguem com essa política.
A JHSF (JHSF3) ainda não confirmou se manterá os pagamentos mensais, mas já tem proventos agendados até março.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.