Katherine Rivas

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Reportagem

Pausa de 90 dias do Trump: hora de baixar a guarda ou reforçar a carteira?

Donald Trump já garantiu o título de mandatário mais bipolar do mundo. No fim de semana, entraram em vigor tarifas impostas por ele a 185 países. Mas bastaram alguns dias — durante os quais ele chegou a se gabar da medida, dizendo que os países estão "beijando a bunda dele" — para o presidente dos EUA recuar. Nesta quarta-feira, ele anunciou uma pausa de 90 dias nas tarifas e reduziu as alíquotas de mais de 75 países para 10%.

Mas não se anime achando que foi para todo mundo. O benefício vale só para quem não retaliou os EUA. A China ficou de fora. A guerra comercial entre as duas potências já parece mais uma briga pessoal, parafraseando o presidente Lula. Resultado: produtos chineses agora enfrentam tarifa acumulada de 145% para entrar nos EUA. Em resposta, a China já taxou bens americanos em 84% e colocou algumas empresas dos EUA na lista de exportações suspensas.

Mesmo tentando disfarçar, Trump adotou um tom mais conciliador: disse ter certeza de que os EUA vão fechar um bom acordo com a China e elogiou o presidente Xi Jinping, a quem chamou de uma das pessoas mais inteligentes do mundo, incapaz de escalar a guerra comercial. Vai achando, Trump!

Do outro lado, a China diz estar disposta a conversar — mas só se houver igualdade, respeito e reciprocidade. Sem esses critérios, promete lutar até o fim e garante não ter medo de provocações.

A trégua de 90 dias trouxe alívio aos mercados, que vinham derretendo. No dia 9 de abril, as bolsas globais dispararam. No Brasil, o Ibovespa subiu 3,12%, e nos EUA, os índices avançaram mais de 10%. Outras classes de ativos também reagiram.

É hora de baixar a guarda ou reforçar a carteira de investimentos nesses 90 dias?

É o fim da volatilidade?

Os economistas alertam: não dá pra esquecer com quem estamos lidando. "Do mesmo jeito que essa tarifação surgiu do nada e foi repentinamente adiada, Trump pode decidir que não vai mais esperar os 90 dias e impor novas restrições — até proibir completamente a importação de certos produtos", diz Bruno Corano, economista da Corano Capital. Para ele, o problema central persiste: a China continua hipertaxada, o que pode gerar inflação global.

André Valério, economista sênior do Inter, reforça que o cenário é de extrema incerteza e sensível ao vaivém político. "Apesar do alívio de curto prazo, os mercados seguem cautelosos", afirma.

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No caso do Brasil, o impacto vem mais da redução da incerteza global do que das tarifas em si. O país já era taxado em 10%. "A Bolsa brasileira e o real reagiram bem, acompanhando o fluxo internacional. Mas como temos forte exposição à China, a perspectiva continua delicada", diz Valério. Ele lembra que as commodities subiram com a trégua, mas seguem depreciadas diante da possibilidade de desaceleração global.

O Brasil até poderia exportar mais para a China, aproveitando a taxação elevada do país nos EUA — mas o freio na economia chinesa também pode reduzir a demanda por commodities brasileiras. Um verdadeiro efeito cascata.

Por ora, o mundo segue atento aos próximos capítulos da treta sino-americana.

Efeito tarifaço nos investimentos

Até o dia 8 de abril, véspera do anúncio da pausa, só seis investimentos acumulavam desempenho positivo no mês: euro, dólar, IMA-Geral (índice de títulos públicos), CDI (principal indexador da renda fixa), poupança e bitcoin. Com a alta do dia 9, o susto foi parcialmente revertido — mas só cinco ativos seguem em alta, segundo levantamento da Economática Brasil.

E agora: colchão ou porto seguro?

Com juros a caminho dos 15% ao ano, especialistas concordam: a renda fixa continua sendo o abrigo ideal para a carteira nessa trégua.

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George Sales, da Fipecafi, recomenda foco nos títulos pós-fixados atrelados à Selic, com boa liquidez. É o caso do Tesouro Selic, título público com risco baixo e resgate fácil — ideal para reserva de emergência ou de oportunidades. Outra opção são os CDBs (Certificado de Depósito Bancário), emitidos por bancos, que acompanham o CDI e ainda contam com proteção do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) de até R$ 250 mil por CPF e por instituição. "O CDB é ideal para prazos de 6 meses a 2 anos", afirma Sales.

Ele também sugere Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e do Agronegócio (LCAs), isentas de Imposto de Renda e com cobertura do FGC. A alocação sugerida: 20% em Tesouro Selic, 20% em CDBs e 15% em LCIs/LCAs — sempre ajustando ao perfil do investidor.

Jeff Patzlaff, planejador financeiro, defende foco no médio e longo prazo. "Disciplina muda vidas. Essa é a chave para ter paz nas suas aplicações", diz.

Para diversificação, Patzlaff sugere fundos de renda fixa, que mesclam títulos públicos e privados de baixo risco e oferecem liquidez alta, especialmente os fundos DI. Também aponta os multimercados como alternativa — eles misturam renda fixa e variável, com gestão profissional.

Perfis conservadores podem alocar 70% em pós-fixados, 7% em prefixados (com taxa travada) e 5% em multimercados, aconselha Patzlaff. Já para os mais arrojados, ele sugere: 15% em pós-fixada, 10% em prefixada e 10% em multimercados.

Usufruir da inflação

Com a guerra comercial pressionando preços, especialistas sugerem ativos ligados à inflação — tanto na renda fixa quanto variável.

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Kevin Oliveira, da Blue3 Investimentos, indica o Tesouro IPCA+, com vencimentos de 2029 a 2060. Esses títulos, no entanto, sofrem com marcação a mercado — por isso, o ideal é levar até o vencimento. O mesmo vale para o Tesouro Prefixado.

No crédito privado, opções como LCI, LCA, CRI (Certificado de Recebíveis Imobiliários), CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio) e debêntures incentivadas também são alternativas isentas de IR. No caso das debêntures, Oliveira sugere focar em empresas que conseguem repassar inflação ao consumidor — como do setor elétrico e de saneamento. Fundos de inflação (IMA-B) também são uma boa pedida.

Na renda variável, Bruna Centeno, economista da Blue3 Investimentos, recomenda fundos imobiliários com contratos atrelados ao IPCA ou IGP-M (Índice Geral de Preços - Mercado). Ações perenes, como transmissoras de energia e saneamento, também blindam o investidor contra a alta de preços.

Uma pimentinha

Para os mais experientes, o momento também pode ser propício para ativos de maior risco. Centeno destaca empresas de commodities, como as ligadas a petróleo e minério, que ainda estão depreciadas e têm potencial de valorização e dividendos.

Ela também sugere exposição ao dólar, ouro e criptos via ETFs (fundos de índice). Oliveira recomenda ações perenes e pouco endividadas — de setores como bancos, elétricas, seguros, saneamento e telecom — que pagam bons dividendos. E alerta para o risco de empresas focadas em crescimento acelerado, como as de tecnologia e aéreas.

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Sales aponta ainda as "ações Aristocratas" dos EUA — que aumentam dividendos anualmente — como Chevron, Merck e Verizon. "Setores como financeiro, energia, bens de consumo e saúde têm mostrado desempenho sólido", afirma.

E, claro, o bom e velho ouro também tem seu espaço: "É um refúgio tradicional em tempos de crise e incerteza", reforça Sales.

Vale dolarizar?

Além das ações americanas, Patzlaff lembra que é possível dolarizar via fundos cambiais e bonds dos EUA — títulos de renda fixa públicos ou privados. "Esses instrumentos diversificam o risco e ampliam a exposição internacional", diz.

Ele também vê com bons olhos gigantes globais como Apple (AAPL34) e Microsoft (MSFT34), mas com cautela, já que ambas sofreram oscilações recentes.

Johannes Gmelin, da SMU Prime, recomenda os REITs — fundos imobiliários americanos focados em crédito para construção e aquisição de imóveis. "Com contratos longos, taxas prefixadas, vencimentos entre 24 e 36 meses, oferecem previsibilidade mesmo em dias turbulentos", diz. O investimento é feito via corretora, mas também é possível em plataformas brasileiras, como a SMU.

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E a reserva de emergência?

Não tem segredo: ela precisa estar sempre em dia. Laércio Hypolito, da OnField Investimentos, recomenda ativos pós-fixados com liquidez diária — como Tesouro Selic, CDBs de grandes bancos (protegidos pelo FGC) e fundos DI com baixa taxa de administração.

Para quantias menores, contas remuneradas que pagam 100% do CDI ou mais também servem. "É ideal para acesso rápido em emergências reais", diz Sales.

A dica é guardar entre 6 e 12 meses do custo de vida. Para quem é CLT, 6 a 8 meses já bastam.

Reportagem

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