Derrocada ou tropeço? Banco do Brasil sangra, mas mercado mantém a fé

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Como diria o meme da Dilma: "tempos difíceis não são fáceis". A frase resume o 1º trimestre do Banco do Brasil (BBAS3). Virou moda estatal apertar o cinto. O governo que lute: se depender de Petrobras e BB, os dividendos dos cofres públicos vão minguar.
O mercado esperava um resultado sem sal, mas o BB surpreendeu negativamente. Lucro caiu 20,7% ante 1TRI24, para R$ 7,4 bilhões, e 23% frente ao 4TRI24. O ROE (Retorno sobre Patrimônio Líquido) despencou para 16,7%, anormal para o padrão BB.
A inadimplência disparou, especialmente no agro, com taxa acima de 90 dias a 3,04%. Coube ao banco aumentar as provisões, agravado pela resolução 4966, que endureceu as regras contra calotes e obriga os bancos a guardar mais recursos- combinação nada boa com o agro sangrando.
Para piorar, o BB suspendeu projeções para 2025. Lucro ajustado, custo de crédito, margem financeira, tudo sem estimativa. O mercado ficou perdido; analistas têm dificuldade até para projetar o retorno em dividendos (dividend yield).
Investidores impacientes castigaram as ações: BBAS3 caiu mais de 12% nesta sexta (16). Alguns já pedem "apaguem as luzes". Outros ativaram o modo "jacaré do mercado" — o investidor paciente que aproveita quedas para comprar mais.
O cenário é duro e a recuperação deve levar trimestres. O desconto pode durar semanas. Mas o BB sempre entregou resultados sólidos, ainda que voláteis. É uma empresa com foco claro em dividendos e rentabilidade acima do custo de capital.
Agora, só resta reconquistar a confiança do investidor e provar que um tropeço não apaga uma trajetória de longo prazo. Nesta coluna, conto o que esperar do BB, segundo analistas e a própria gestão.
Inadimplência do agronegócio
O agronegócio foi um dos grandes vilões do BB no 1º trimestre. Com carteira de R$ 406,2 bilhões, o setor responde por 30% do crédito total e puxou o desempenho para baixo em relação aos pares.
Geovanne Tobias, CFO do BB, aponta que produtores de soja do Mato Grosso do Sul, Goiás e Mato Grosso, têm recorrido mais à recuperação judicial. "Não sei se tem viés político, mas é um movimento de litigância predatória, com escritórios que convencem produtores a entrar em recuperação para reduzir custos financeiros", explica.
O banco tenta renegociar, mas nem sempre com sucesso. Tobias alerta que a recuperação judicial "esteriliza" o produtor, que fica sem crédito, negativado e fora do Plano Safra.
A CEO Tarciana Medeiros disse que o BB não vai reduzir exposição ao agro no crédito, apesar das dificuldades. "Vamos manter nosso protagonismo, a carteira cresce dentro do previsto, em uma safra muito boa." A estratégia do BB é continuar sendo visto como o banco do agro brasileiro.
Ela afirma que as medidas para reduzir inadimplência estão funcionando, embora os resultados demorem a aparecer. Houve queda nos pedidos de recuperação judicial, mas o banco ainda sente o peso dos processos em andamento.
"No agro, a inadimplência impacta fortemente as provisões. Esperamos melhora no 2º semestre, com o novo Plano Safra e a safrinha, entre elas de milho. 80% dos inadimplentes nunca deveram antes e podem honrar dívidas no 2º trimestre", afirma Medeiros.
Para analistas, a redução da inadimplência do agro levará tempo. Pedro Ávila, analista da Varos Research, diz que bancos grandes como o BB não melhoram carteira agro em dois trimestres. "O agro deve continuar pressionando lucro e dividendos em 2025."
Por outro lado, o índice de cobertura subiu de 134,5% para 183,6%. "Isso indica que as provisões futuras podem ser menores. O BB criou uma gordura extra no 1TRI25 para aliviar os próximos trimestres", conclui Ávila.
Payout e dividendos conservadores
No 4TRI24, o BB reforçava que pagaria 45% de payout (fatia do lucro para proventos) em 2025. Embora exista uma faixa, de 40% a 45%, sempre tendia para o topo. Mas no 1TRI25, o discurso mudou: o banco avisou que vai trabalhar com o piso conservador de 40%, diante do risco no crédito rural e piora dos resultados.
Perguntei ao CFO se haveria chance de rever esse número, mas ele descartou mudanças por ora. "Estamos colocando muitas medidas para acelerar a recuperação", citou, que envolvem a resolução 4966, o Plano Safra e juros mais baixos, que podem fortalecer os resultados.
Segundo Tobias, não há razão para mexer no payout de 40% hoje. Alguns analistas já cravam esse percentual para os dividendos em 2025. Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista, diz que esperar algo maior é otimismo, devido à inadimplência no agro, impacto da 4966 e a Selic ainda elevada.
Com lucros menores, os dividendos naturalmente recuam. Milton Rabelo, analista da VG Research, concorda, mas destaca que, com a ação barata, o dividend yield segue atrativo.
Ele vê potencial para mais proventos nos próximos anos, via dividendos ou juros sobre capital próprio, aproveitando incentivos fiscais mesmo com resultados mais fracos. "As ações do BB seguem atrativas para investidores focados em renda passiva no longo prazo".
O pior já passou?
Não se iluda: os problemas do BB não acabaram com a divulgação do resultado ou a queda de 12% ou mais nas ações nesta sexta (16). Ainda tem mais desvalorização e trimestres difíceis, segundo analistas.
Para Jayme Simão, sócio-fundador do Hub do Investidor, a inadimplência alta no agro dificilmente melhora no curto prazo. Também pesam os efeitos da resolução 4966, que seguem impactando enquanto o banco ajusta sua carteira.
O ROE segue pressionado e exige mais capital. Simão cita o spread (diferença entre o dinheiro captado e emprestado), que está caindo por um descasamento estrutural entre ativos e passivos. "Isso não se resolve em um trimestre", diz.
Sem novas projeções ou sinal claro de virada, a ação tende a seguir volátil e descontada. O BB só deve falar de projeções no segundo semestre. "O mercado se assusta. O banco continua barato, mas o risco aumentou. Pode surgir uma janela de compra interessante", comenta Simão.
Outros analistas ainda questionam se é um tropeço ou mudança estrutural. Marco Saravalle, sócio-fundador e analista da MSX Invest, pondera que a dúvida entre qual impacto é maior, o da resolução 4966 ou inadimplência do agro, só será esclarecida no 2º trimestre.
Apesar das incertezas, ele ressalta que o BB mantém ROE acima do custo de capital, mesmo em momentos difíceis. "Segue gerando valor ao acionista", conclui.
Crédito consignado
Nem tudo foi ruim para o BB. O banco avançou no crédito consignado privado, que a gestão vê como um "oceano azul" de oportunidades. A CEO deixou claro que a aposta nesse segmento continuará firme.
Em 2024, o BB já capturou 40% da concessão nesse mercado. Em 2025, o consignado foi aberto sem necessidade de convênio com empresas, aproveitando clientes já conhecidos pelo banco. O BB alcançou R$ 3 bilhões e está presente em 98 municípios, com 30% de participação de mercado.
Medeiros não pretende frear essa oferta de crédito, mesmo diante do apetite agressivo do BB, que contrasta com a cautela dos concorrentes. A meta agora é dobrar a carteira para R$ 6 a R$ 7 bilhões até o 2° trimestre.
Analistas não perderam a fé
No 1TRI25, o Banco do Brasil sofreu uma derrocada, perdendo a liderança que dividia com o arquirrival Itaú (ITUB4), que agora desponta como queridinho dos dividendos. De janeiro a março, o Itaú brilhou com disciplina no crédito, eficiência e boas margens de lucro. Enquanto isso, o BB perdeu R$ 20,7 bilhões em valor de mercado, o equivalente a uma Hapvida (HAPV3), segundo a Elos Ayta Consultoria.
A frase do CFO Tobias, "Eu não sou Itaú. Eu sou muito melhor que o Itaú", envelheceu mal. Mas tropeços acontecem, e o que vale é a capacidade de reerguer.
Para os analistas, o BB ainda é um banco sólido para dividendos no longo prazo. A queda das ações virou oportunidade: recomendam compra com dividend yield projetado entre 7,3% e 8% para 2025, e indicam compra entre R$ 23,50 e R$ 33, buscando proventos altos e alguma valorização.
Segundo o consenso TradeMap, 7 de 10 instituições indicam compra, e 3, manter. O dividend yield médio esperado para 2025 é de 9,66%, com preço-alvo, que indica valorização, até R$ 35,86 neste ano.
E para tristeza do CFO, que sempre chamou de preconceito o desconto das ações, elas vão continuar baratas por um bom tempo. Como diria o meme da Dilma: "tempos difíceis não são fáceis".
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