Mariana Barbosa

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Reportagem

ANTT descumpre Justiça e admite em ofício favorecer empresas de ônibus

Em um ato de "sincericídio" regulatório, a superintendência de transportes da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) admitiu que age não em defesa dos interesses dos passageiros, mas para "garantir a rentabilidade" das empresas de ônibus.

Um ofício para a diretoria da agência, a Supas, superintendência responsável pelo setor de transporte interestadual de passageiros, sugere que é preciso fazer "estudos para tentar (e verificar se é possível) encontrar parâmetros que não apresentem à Amobitec e ao MPF (Ministério Público Federal) a sensação de que a ANTT está tentando garantir a rentabilidade das autorizatárias". O ofício, ao qual a coluna teve acesso, está público no sistema interno da agência reguladora.

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia) representa startups de mobilidade como Flixbus e Buser, que tentam competir em um mercado dominado por grandes grupos como Gontijo, Guanabara, Reunidas, Cometa e Águia Branca. A associação entrou com uma ação civil pública em outubro do ano passado para suspender um mecanismo central da resolução nº 6.033/2023, que estabeleceu o marco regulatório do Trip (Transporte Rodoviário Interestadual de Passageiros).

A associação questiona a constitucionalidade dos critérios adotados pela ANTT para liberar novas autorizações de linhas, de análise de viabilidade econômica de mercados. A avaliação é de que os critérios criam uma reserva de mercado para as empresas que já atuam no mercado. Para a Amobitec, cabe ao regulador estabelecer critérios de operação que garantam a qualidade da prestação do serviço e não limitar a concorrência para proteger os lucros das empresas.

O setor está sob o regime de autorização e, por lei, não deveria haver limites para a concessão de novas autorizações que não sejam de capacidade de infraestrutura. O novo marco prevê janelas de abertura apenas para mercados hoje desassistidos ou com apenas um operador.

Não há nenhuma previsão de abertura para rotas mais rentáveis como ligações entre grandes capitais, como Rio-São Paulo. E é no filé mignon que se concentra a disputa entre os incumbentes e novos entrantes. Essas linhas são exploradas há décadas pelos mesmos grupos empresariais, que defendem haver um "precedente histórico". Eles já atuavam no setor antes da virada do regime de permissão para autorização e não tiveram de passar por nenhum processo licitatório para receber as linhas.

A Justiça do Distrito Federal concedeu liminar em favor da Amobitec. Em janeiro, foi determinada a suspensão dos leilões por 60 dias, prazo que vence nesta sexta-feira (21). Antes do fim do prazo, a ANTT deveria ter apresentado uma proposta de ajuste da resolução em conformidade ao que prega a Constituição — o que não foi feito.

Entre outras medidas, o ofício da Supas apresenta as sugestões da área para a diretoria sobre como lidar com a decisão judicial que paralisou a implementação do TRIP. Uma delas é recorrer à Procuradoria Federal para novamente tentar "derrubar a liminar", "suspender ou, até mesmo, anular a decisão".

O órgão admite que não deu andamento ao processo administrativo para revisar e adequar à resolução, em descumprimento da decisão. Admite ainda que mesmo sem a decisão judicial, não teria condições de dar prosseguimento aos prazos de abertura estabelecidos na norma por falhas no sistema e nos critérios de qualidade de prestação de serviço.

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O ofício da Supas foi anexado ao processo da Ação Civil Pública, em um ofício enviado pelos advogados da Amobitec esta semana.

Procurada, a ANTT não se manifestou até a publicação deste post.

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