Mariana Barbosa

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Reportagem

Auditores das Americanas são poupados pelo MPF, mas ainda serão alvo da CVM

A denúncia do Ministério Público Federal apresentada contra ex-executivos das Americanas por participação na fraude de R$ 25 bilhões aliviou para as firmas de auditoria.

KPMG e PwC, auditores responsáveis pelo período em que houve maquiagem contábil na varejista, foram poupados de qualquer responsabilização criminal. No entanto, as auditorias ainda estão sob investigação no âmbito regulatório pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Na esfera administrativa, a CVM vai avaliar se houve descumprimento de normas de conduta da profissão por parte dos auditores. O fato de não haver crime não significa que não possa haver descumprimento de regra na esfera administrativa.

No início da semana, treze ex-executivos e ex-funcionários das Americanas, incluindo Miguel Gutierrez (ex-CEO) e Anna Saicali (ex-CEO da B2W), foram denunciados por organização criminosa, falsidade ideológica e manipulação de mercado. No caso dos ex-executivos, as condutas sob investigação da CVM também diferem do escopo criminal: a CVM vai avaliar se houve cumprimento do dever de diligência e de lealdade e de dever fiduciário.

Na denúncia, o MPF afirma que as auditorias foram enganadas pelos ex-diretores, que maquiaram e forjaram documentos para ludibriá-las e, com isso, ocultar a real situação financeira para o mercado e para o próprio Conselho de Administração.

O laudo da perícia criminal do setor técnico-científico da Polícia Federal que subsidiou a investigação aponta, contudo, que as auditorias contribuíram para a "prática das fraudes" com a "apresentação de reiterados pareceres 'limpos' e sem ressalvas das demonstrações financeiras".

As auditorias KPMG e PwC sempre alegaram seguir as normas nacionais e internacionais e de não terem detectado a fraude por conta de informações manipuladas pela direção das Americanas. A KPMG chegou a identificar problemas nos controles internos da Americanas relacionados aos contratos de Verba de Propaganda Cooperada (VPC), um incentivo de vendas entre fornecedores e varejistas. O VPC foi um dos principais instrumentos usados pela cúpula da empresa para maquiar os resultados, juntamente com os contratos de antecipação de recebíveis, o chamado risco sacado.

Em 2019, a KPMG chegou a emitir cartas comunicando os problemas para a Americanas e enfatizando a necessidade de melhorias. Mas após as cartas, a firma teve o contrato rescindido. A PwC, que sucedeu a KPMG na função, também emitiu relatório de recomendações apontando falta de controle nos registros de VPCs.

No entanto, a perícia sugere ter havido uma "possível falha na detecção de distorções relevantes, levando à emissão de pareceres sem ressalvas em demonstrações financeiras que continham fraudes significativas".

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O laudo da perícia fala ainda em "possível ausência de aplicação de procedimentos elementares de auditoria". Levando em conta o grande volume de transações e valores envolvidos nos contratos de VPC e de operações de risco sacado, a perícia diz ainda ser "plausível considerar que os auditores independentes assumiram o risco da ocorrência de distorção relevante das demonstrações contábeis que lhes foram confiadas".

Apesar da atuação das auditorias ter sido objeto da investigação criminal, não há, no código penal brasileiro, uma tipificação de crime específico para a atividade. Quando há provas materiais, auditores podem, em tese, ser enquadrados como coautores, em especial em crimes de falsidade ideológica.

Escândalos contábeis

O envolvimento de firmas de auditoria — de forma intencional ou não — tem sido uma constante em grandes escândalos corporativos. O caso mais estrondoso foi da Enron, revelado em 2021 e que causou prejuízos de R$ 74 bilhões aos acionistas minoritários. O envolvimento ativo da Arthur Anderson levou ao colapso da firma de auditoria, que perdeu a licença para atuar nos EUA. A EY também foi implicada no escândalo da alemã Wirecard por não identificar a fraude: a fintech inflou os balanços em 1,9 bilhão de euros. A EY foi multada em 500 mil euros e impedida de fechar contratos com empresas públicas da Alemanha por dois anos.

Dentre os casos de fraude envolvendo empresas brasileiras, uma das maiores punições aconteceu fora do Brasil. A Deloitte foi multada em US$ 8 milhões pelo órgão americano de supervisão de auditores, o PCAOB, por falsificar relatórios de auditoria da Gol Linhas Aéreas relativos a 2010.

Em novembro passado, a PwC foi multada em R$ 2 milhões pela Susep, regulador do setor de seguros, por 'auditoria inepta' no caso IRB. A firma de auditoria também está sendo processada por reparação de danos por um grupo de investidores que alegam prejuízo de R$ 95 milhões.

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No escândalo do banco PanAmericano, a Deloitte foi punida pelo Banco Central, com multa de R$ 400 mil, por ignorar fraudes na contabilidade da ordem de R$ 3,8 bilhões. Na época, houve um inquérito específico do Ministério Público para apurar a responsabilização criminal da Deloitte, mas o caso foi arquivado por falta de provas.

Em nota, tanto a PwC quanto a KPMG afirmaram que "por questões de confidencialidade e regras de sigilo profissional", não estão autorizadas a comentar temas relacionados a clientes ou ex-clientes.

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