Mariana Barbosa

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Reportagem

Consignado privado soma R$ 8,2 bi e abre espaço para avanço de fintechs

O programa de crédito consignado para trabalhadores com carteira assinada alcançou um estoque de R$ 8,2 bilhões desde o lançamento, em 21 de março, estimulado por um ambiente de forte competição entre as instituições financeiras, com avanço expressivo das fintechs.

"O programa criou o maior marketplace de empréstimos para pessoa física do mundo, gerando um volume extraordinário e uma competição acirrada entre as instituições para oferecer crédito", disse Marcos Pinto, secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, em conversa com a coluna. Para ele, o programa poderá mudar "a estrutura do mercado de crédito pessoal no Brasil", com maior participação das fintechs. "As fintechs estão fazendo um volume significativo de empréstimos e isso vai levar a uma desconcentração".

Em um mês, o programa alcançou o que sua versão pelas regras antigas levou seis anos para atingir. Lançado em 2003 junto com o consignado para o setor público e pensionistas do INSS, o consignado privado era restrito aos funcionários de grandes empresas e estava estagnado há mais de dois anos no patamar de R$ 40 bilhões. O volume mensal de novos contratos era de R$ 1,6 bilhão.

Nesta sexta-feira (25), a nova versão do programa — aberto para todo e qualquer trabalhador com carteira assinada independentemente do porte da empresa — entra em uma nova etapa: os bancos vão poder oferecer propostas em seus próprios canais. Desde o lançamento, as ofertas tinham que ser feitas exclusivamente via aplicativo da Carteira Digital de Trabalho.

Mesmo com a abertura do canal dos bancos, o marketplace de crédito na carteira digital será mantido justamente para estimular a competição entre as instituições.

Atualmente, 66 instituições estão habilitadas no sistema da Dataprev para oferecer consignado privado. Bancos como Inter e Agibank estão entre os mais agressivos na oferta de propostas e veem no programa uma porta de entrada para conquistar novos clientes — e também ativar aqueles que têm conta mas usam pouco o banco. "A gente captura 100% da base de quem solicitou propostas pela Carteira Digital", diz Flávio Queijo, diretor do Inter. "E quando a gente avalia e faz uma proposta, a conversão tem sido boa."

Antes do lançamento do programa, a Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), estimou que ele poderia alcançar R$ 120 bilhões em quatro ou cinco anos. A Associação Brasileira dos Bancos (ABBC), que representa os bancos de médio porte, é ainda mais otimista. "Acreditamos que o consignado privado vai superar o volume de R$ 10 bilhões ao mês e que ele pode se aproximar do volume do consignado de pensionistas do INSS, de cerca de R$ 200 bilhões", diz Alex Gonçalves, diretor de crédito consignado da ABBC.

Atualmente, segundo a Febraban, 26% do tomador de empréstimo pessoal está na CLT e, portanto, habilitado para trocar a dívida por um consignado com taxas mais baratas. Esses trabalhadores têm hoje um volume de crédito de R$ 83,8 bilhões, ante o total de R$ 322,6 bilhões da carteira de empréstimo pessoal.

TAXA MENOR

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Segundo o secretário Marcos Pinto, as taxas de juros em oferta no consignado privado estão, em média, 50% abaixo das praticadas no crédito pessoal, que foram de 6,5% na média em março, segundo estimativas. Isso significa algo como 3% a 3,5% em média para o consignado privado.

Em fevereiro, a taxa média do consignado privado antigo ficou em 2,9%.

"Já estamos no mesmo patamar que o consignado privado antigo, mesmo atendendo um público de maior risco. E a tendência é que a taxa siga reduzindo na medida em que o produto for sendo aprimorado", diz Gonçalves, da ABBC.

O programa ainda depende de algumas definições, como as regras para disponibilizar as garantias, de 10% do saldo do FGTS e 100% da multa rescisória em caso de demissão por justa causa. As regras para o caso de mudança de emprego também estão na fase de definições.

Agora que as primeiras parcelas vão começar a ter que ser pagas, o governo e as instituições devem iniciar campanhas voltadas para os empregadores, para que os descontos na folha de pagamento e os repasses para os bancos sejam feitos de forma correta. O programa alcança trabalhadores da micro à grande empresa e também funcionários domésticos empregados por pessoas físicas.

PORTABILIDADE

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Nesta primeira fase do programa, alguns bancos relataram ao governo que de 60% a 70% dos empréstimos consignados representam uma substituição de dívidas antigas e mais caras. A portabilidade propriamente está prevista para maio, tendo sido antecipada em um mês pelo governo, como mostrou a coluna. Atualmente, os bancos só conseguem fazer a portabilidade das dívidas contraídas pelo cliente na própria instituição. Se a dívida anterior for com outras instituições, o cliente recebe o montante do novo empréstimo e tem que quitar a dívida por conta própria — o que pode dar margem para que se amplie o endividamento, caso o cliente não quite a dívida, mesmo que orientado para tal.

Para Lauro Gonzalez, Coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira na FGV, o volume expressivo alcançado pelo consignado privado vai demandar um acompanhamento dos números de inadimplência nas outras modalidades e do endividamento das famílias — que alcançou 76,7% dos lares no final do ano passado.

"O consignado alcançou um patamar relevante e deve crescer ainda mais intensamente nos próximos meses com a possibilidade de oferta pelos canais próprios dos bancos. Vamos agora ter que verificar como esse crédito será usado e se o aumento do estoque nessa modalidade será acompanhado de uma eventual diminuição de créditos com taxas mais elevadas ou se haverá aumento de inadimplência nas outras modalidades", diz Gonzalez. "Considerando o papel que o crédito tem tido na vida das pessoas, podemos estar semeando um risco futuro se esse crédito vier a somar aos anteriores e o comprometimento de renda sofrer uma piora."

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