PicPay é denunciado por cobrar tarifa para antecipar benefício do INSS
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O banco digital PicPay está cobrando até R$ 20,99 para antecipar vencimentos de aposentados e pensionistas do INSS, desrespeitando uma portaria que estabeleceu as regras do programa Meu INSS Vale+ e que veda a cobrança de juros.
Uma denúncia sobre a deturpação do programa pelo PicPay foi entregue durante reunião hoje em Brasília pela CNC (Confederação Nacional do Comércio), pela CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária) e pela CNF (Confederação Nacional das Instituições Financeiras) aos demais integrantes do CNPS (Conselho Nacional da Previdência Social). O representante da CNF era Ivo Mósca, diretor de produtos da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), a qual esclareceu, em nota enviada à coluna, que o executivo não citou nominalmente nenhuma instituição financeira na reunião (veja abaixo).
O programa Meu INSS Vale+ prevê a antecipação de até R$ 450 dos benefícios do INSS por mês, por meio de um cartão físico específico a ser emitido sem custo nem cobrança de juros ou mensalidade pelas instituições. O programa foi lançado no final de novembro passado pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, e pelo então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, demitido após a revelação do escândalo com descontos indevidos na folha de aposentados e que somam R$ 6,3 bilhões.
Na época do lançamento, o limite da antecipação era de R$ 150, e Stefanutto disse se tratar de "um valor para pequenas despesas, para tentar de alguma forma melhorar a qualidade de vida do segurado". O valor foi aumentado para R$ 450 dois meses depois.
O PicPay cobra R$ 20,99 para antecipar R$ 450 na conta. Quanto menor o valor, maior o percentual da mordida. Para antecipar R$ 200, o custo é R$ 11,99. E para R$ 50, o custo é R$ 4,99 - quase 10%. Ao tratar como taxa, a operação fica livre de IOF (imposto sobre operações financeiras). Pelo convênio, o banco recupera o valor integral no mês seguinte.
O banco nega ilegalidade e diz que a tarifa é opcional para quem quiser o dinheiro na conta. E que não cobra tarifa se o cliente quiser os recursos no cartão próprio do programa. No entanto, o cliente que está precisando antecipar o dinheiro vai precisar esperar 60 dias se optar por receber o cartão.
No lançamento do programa, o Ministério da Previdência explicou que a ideia de vincular o recurso a um cartão — e de não permitir o depósito em conta — era uma forma de evitar o uso dos recursos para apostas digitais, por exemplo. No cartão, é possível restringir o uso para estabelecimentos comerciais como farmácias e supermercados.
No entanto, poucas semanas após o lançamento do programa, a regra sobre os meios para antecipação do benefício foi flexibilizada. A Instrução Normativa 179, de 17 de janeiro deste ano, permitiu o uso de "outros meios disponíveis, desde que contratada mediante biometria", além do Cartão Meu INSS Vale+. Uma semana depois, em 24 de janeiro, o PicPay firmou um acordo de Cooperação Técnica com o INSS, se habilitando a realizar descontos nos benefícios para antecipação salarial.
Diferentemente da oferta do empréstimo consignado, que é aberta a qualquer banco, para participar do programa Meu INSS Vale+ as instituições precisam firmar um termo de cooperação técnica com o INSS — nos mesmos moldes dos acordos de cooperação que levaram à fraude bilionária de descontos a favor de associações.
O banco digital do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, foi um dos poucos a conseguir se habilitar no programa. A coluna apurou que pelo menos dois outros bancos tentaram se habilitar e tiveram o pedido negado. São bancos relevantes e que já possuem relação com o INSS: venceram lotes nos leilões da folha de pagamentos de benefícios do INSS.
A Instrução Normativa n. 179 conflita com a portaria que criou o programa, INSS/DIRBEN Nº 1.242, de 6 de dezembro de 2024. A portaria "define o prazo e as obrigações a serem cumpridas pelas instituições financeiras consignatárias acordantes que operarão a consignação de antecipação parcial do salário de benefício, com amortização sem cobrança de juros, aos beneficiários da Previdência Social".
Essa portaria teve a redação alterada no mesmo dia 17 de janeiro, mas apenas para esclarecer que a antecipação não afeta o cálculo das margens de comprometimento de renda para o consignado. Não há menção a outras formas de liberação do crédito que não sejam o cartão ou permissão para cobrança de juros em outras modalidades. Na denúncia ao CNPS, as confederações dizem que, "a Portaria 1.257/2025 não modificou as determinações referentes à forma de liberação ou à gratuidade do Vale+, de modo que permanece em vigor a obrigação de uso do cartão e a proibição de cobrança de taxas."
Segue a nota do PicPay:
"O PicPay não cobra juros ou tarifas dos beneficiários do INSS para realização da antecipação salarial por meio do Cartão PicPay Antecipa (Meu INSS Vale+). A Portaria DIRBEN/INSS nº 1242/2024, em seu art. 3º, parágrafo 2º, é taxativa ao vedar essa cobrança dos beneficiários quando se tratar do cartão físico mencionado pela Instrução Normativa PRES/INSS nº 175/2024.
Outrossim, vale esclarecer, que a Instrução Normativa PRES/INSS nº 179/2025, facultou aos beneficiários a contratação da operação de antecipação salarial por outros meios disponíveis. Neste caso, a exclusivo critério dos beneficiários, ao optarem pela contratação por meio da Conta PicPay é cobrada uma taxa de antecipação, em valor fixo, por operação."
O Ministério da Previdência foi procurado e não respondeu até a publicação desta reportagem.
Leia a seguir a íntegra da nota enviada pela Febraban:
"Na reunião do Conselho Nacional de Previdência Social, o representante da CNF, Ivo Mósca, que é diretor de produtos bancários da Febraban, aproveitou o ensejo da sua fala para registrar que a Febraban iria enviar um ofício ao Ministério da Previdência e ao INSS pedindo a suspensão imediata de uma instrução normativa que criou um produto de antecipação salarial dos beneficiários do INSS.
O diretor Ivo Mósca não fez denúncia nominal sobre qualquer instituição financeira, tendo apenas registrado que tinha notícias de que algumas instituições ofertantes do produto de antecipação salarial poderiam estar cobrando tarifa, quando a instrução normativa parece vedar qualquer cobrança de taxa.
Por se tratar de tema afeto ao setor bancário, e como a vaga de conselheiro é da CNF, o diretor da Febraban não formalizou o registro na reunião do Conselho de Previdência, tendo dito que a Febraban iria oficiar diretamente ao INSS e ao Ministério da Previdência, pedindo a suspensão da norma, uma vez que havia vários questionamentos e riscos que precisavam ser esclarecidos."
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