Mariana Barbosa

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Opinião

A captura das agências reguladoras pela política - e o alerta de Congonhas

Em dezembro passado, o presidente Lula mandou para o Congresso um pacotão com nomes de 18 diretores para ocupar cargos em praticamente todas as agências reguladoras — para que sejam sabatinados e aprovados em plenário.

A ideia de juntar tudo num pacote na época foi ter uma moeda de troca para conseguir aprovar as medidas de corte de gastos. Hoje a moeda é outra. O presidente do Senado, David Alcolumbre, está travando a pauta em meio à disputa com o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira, pelas indicações para o comando das agências Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e ANM (Agência Nacional de Mineração).

Desde o envio dos nomes em dezembro, mais vagas foram abertas — abrindo mais flancos para negociação política.

Criado no governo Fernando Henrique Cardoso para regular serviços de utilidade pública que passariam para a iniciativa privada com as privatizações, o modelo de agência reguladora tem sido totalmente desrespeitado em seu espírito, com uma politização explícita e a nomeação de prepostos sem experiência na área de atuação, em flagrante desrespeito à Lei das Agências.

A lei das agências prevê diretores independentes com pelo menos dez anos de experiência relacionada ao campo de atividade da agência reguladora. Os cinco diretores possuem mandatos não coincidentes, regra criada para promover estabilidade no processo decisório.

"A ideia de ter um quadro técnico é blindar o gestor público de pressão. Para eles poderem dizer: não posso fazer nada, é uma decisão técnica. Esse espírito acabou", diz o economista e ex-conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), Cleveland Prates.

O tempo da política também atrapalha o próprio funcionamento das agências. Pelas regras, quando não tem diretor, faz-se um rodízio de superintendentes. Estes ficam seis meses no cargo e depois saem. Mas a demora tem sido muito maior. Tem cargo vago há mais de dois anos.

Aprovação automática

Se houvesse interesse em blindar o modelo de governança das agências, o governo poderia propor uma nova regra estabelecendo um prazo para aprovação tácita caso o Congresso não convoque a sabatina. Se em seis meses, por exemplo, não houver sabatina, o nome é aprovado automaticamente. Esse tipo de aprovação tácita é comum em muitos países. No parlamento britânico, algumas pautas, como acordos internacionais que precisam ser ratificados, são apresentadas com um prazo para objeção. Se ninguém se obstar, a regra é automaticamente aprovada.

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O alerta de Congonhas

A captura partidária na Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) é uma fonte de preocupação no setor — e um documentário que acaba de estrear na Netflix sobre o acidente com o Airbus da TAM em Congonhas serve de lembrança do risco que se corre quando falta conhecimento técnico no comando do órgão que existe para fiscalizar as empresas.

O nome que o presidente Lula mandou para o comando da Anac, Tiago Faierstein, é indicação do Republicanos, partido do presidente da Câmara, Hugo Motta, que já comanda o Ministério de Portos e Aeroportos. Faierstein está há pouco mais de um ano como diretor comercial da Infraero, indicado por Motta, onde libera patrocínios da estatal para eventos em cidades da Paraíba, reduto de Motta, que sequer têm aeroportos, como mostrou uma reportagem da Folha de S Paulo.

Faierstein foi praticante de aeromodelismo na juventude e teve uma empresa de drones. Essa é a sua experiência no setor, que agora se soma à passagem pela Infraero. Lula chegou a mandar para o Senado um nome técnico: Tiago Pereira, que era diretor presidente interino, mas retirou o nome em acordo com o Republicanos. O outro indicado é da cota de Lula: o Brigadeiro do Ar, Rui Chagas Mesquita, seu ajudante de ordens no passado. Apesar da carreira na Força Aérea, o brigadeiro não tem experiência na aviação civil. O governo vai precisar agora mandar um terceiro nome, pois desde o envio do pacotão, mais uma vaga foi aberta na agência.

A tragédia do acidente do voo 3054 da TAM em Congonhas está completando 18 anos. Foram 199 mortos. O governo era Lula 1 e a Anac tinha acabado de ser criada, substituindo um departamento militar, o DAC. Na época, o Executivo tinha mais força, mas pouco apreço pelo modelo de agência reguladora, e indicou, entre outros, os nomes de Denise Abreu, próxima de José Dirceu, e Milton Zuanazzi, próximo de Dilma Rousseff, que havia sido secretário de Turismo no Rio Grande do Sul.

Como bem relembra o documentário da Netflix, o resultado de uma diretoria fraca tecnicamente foi a captura do órgão regulador pelas empresas reguladas. Foi um período terrível para o setor, com dois acidentes fatais e um caos aéreo, provocado por uma operação padrão de controladores. Sem uma supervisão firme, o que se viu foi um setor que passou por uma demanda acelerada que não foi acompanhada de investimentos em ampliação de capacidade do sistema. Após as tragédias, a agência passou por uma certa blindagem, com diretores mais experientes, muitos dos quadros da própria agência. Isso agora está em cheque.

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O Poder e Mercado é exibido terças e quintas, às 20h, com apresentação de Raquel Landim e comentários de Mariana Barbosa e Graciliano Rocha. O programa de política e economia chega para conectar os grandes temas do Congresso Nacional a seus impactos no mercado financeiro e no dia a dia das pessoas.

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