Mariana Barbosa

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Reportagem

Descontos no INSS se equiparam à arrecadação do extinto imposto sindical

O volume de R$ 2,8 bilhões descontados pelas associações e sindicatos junto aos segurados do INSS no ano passado equivale à arrecadação anual que tinha o imposto sindical até a sua extinção com a Reforma Trabalhista de 2017.

Talvez não seja mero acaso que uma parte expressiva dos parlamentares que apoiaram e propuseram medidas para flexibilizar as regras de controle nos descontos associativos no INSS tenham origem no meio sindical. Nem tampouco que os descontos tenham aumentado progressivamente a partir do fim do imposto.

Dos 25 parlamentares que constam de um levantamento da Folha de S.Paulo como autores de propostas para flexibilizar o controle sobre a liberação dos descontos, a coluna identificou que 12 têm origem no meio sindical. Entre eles, os deputados Paulo Pereira da Silva (Solidariedade-SP), que liderou por anos a Força Sindical, e Paulo Paim (PT-RS), que foi vice-presidente da CUT. Metade dos 12 é do PT, mas há também dois parlamentares no PL, como Luiz Carlos Motta (PL-SP), que liderou a Fecomerciários-SP, e também representantes do PSB e PCdoB.

Em 2017, último ano antes do fim da arrecadação do imposto sindical, o desconto de um dia de salário de cada trabalhador com carteira assinada gerou R$ 2,24 bilhões para sindicatos, confederações e federações de trabalhadores. Corrigido pelo IPCA até dezembro de 2024, isso equivaleria a R$ 2,82 bilhões. A Força Sindical perdeu uma receita de R$ 51 milhões com o fim do imposto. A CUT, de R$ 62 milhões.

Enquanto os R$ 2,8 bilhões descontados dos aposentados abasteciam uma rede de cerca de 50 entidades, o imposto sindical alimentava as 11.698 entidades existentes no país, conforme o Cadastro Nacional de Entidades Sindicais (CNES) do Dieese.

Mas os aposentados pagaram essa conta de forma mais cruel do que os trabalhadores da ativa no tempo do imposto sindical, uma vez que os descontos eram mensais.

Os primeiros convênios com o instituto de seguridade social começaram em 2017 e 2018. Ainda no governo Michel Temer, que promoveu a Reforma Trabalhista, surgiram os primeiros sinais de irregularidades. No governo Bolsonaro, apesar da autoria de uma medida provisória determinando que as associações tivessem que comprovar anualmente o interesse do segurado na manutenção da filiação, o lobby sindical parece ter prevalecido. Como amplamente noticiado, a medida que previa controles anuais foi enfraquecida para três anos. Posteriormente uma outra lei acabou abolindo o controle por completo.

Ainda no governo Bolsonaro, os convênios se multiplicaram, abrindo a porteira para mais associações. Mas foram nos últimos dois anos que as fraudes se amplificaram, com cadastramento em massa de segurados levando a cifras bilionárias.

O discurso do governo de que o assalto com desconto na folha dos segurados do INSS foi obra de gestões passadas e que este governo teve o grande mérito de investigar vai ficando difícil de sustentar. O argumento de que Bolsonaro tentou barrar tampouco cola: apesar da iniciativa de propor a MP, o Executivo sancionou o projeto com as alterações e seguiu firmando novos convênios com mais entidades. As digitais do escândalo do INSS estão amplamente distribuídas pelo espectro partidário.

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Sindicato da Amazon

Em um mundo em que as relações trabalhistas estão cada vez mais frágeis, os trabalhadores ou aposentados poderiam e muito se beneficiar de lideranças que lutem pelos seus direitos. Nos EUA, a luta sindical está renascendo em reação às políticas de trabalho de grandes empresas. Em 2022, surgiu o sindicato da Amazon, o Amazon Labor Union.

Mas a contribuição sindical compulsória, ao invés de fortalecer a luta por aqui, acabou por levar a uma proliferação desmedida de entidades cuja razão de existir era financiar os próprios dirigentes — e a fraude nos descontos associativos foi a forma encontrada para perpetuar esse financiamento.

Reportagem

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