Gol sai do Chapter 11 mirando expansão internacional

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A Gol sai hoje da recuperação judicial nos EUA com um caixa de US$ 900 milhões, endividamento equacionado e grandes planos de retomada. No período de um ano em cinco meses em que ficou sob a proteção da Justiça americana, a empresa que já liderou o mercado com quase 40% de participação, foi ultrapassada pela Azul, caindo para a terceira posição, com 29,9% em abril. Celso Ferrer, CEO da Gol, diz que o momento é de retomar a fórmula que fez da companhia uma das mais eficientes operadoras de Boeing — mas agora com mais ênfase no crescimento de voos internacionais.
A Gol acaba de encerrar uma recuperação judicial nos EUA, o Chapter 11. Como a Gol sai desse processo?
Mais forte e, eu diria, recuperando a sua essência. E a nossa essência depende de um ciclo virtuoso que ficou parado: a capacidade de trazer avião novo, de voar mais horas por dia, diminuindo os custos e, com isso, transportando mais passageiros.
É a volta do foco na operação.
Estou na empresa há mais de 20 anos, acompanhei a história da Gol lá do começo. A gente teve altos e baixos. Tivemos a integração com a Varig, com a Webjet, crise econômica em 2015. E coisas boas também. Atraímos o passageiro mais premium. E hoje somos uma companhia que é a primeira para todos: do passageiro mais premium àquele que está voando da primeira vez. A gente consegue dentro do mesmo avião segmentar bem isso. Ou seja, o Gol evoluiu muito. Mas para recuperar a essência, a gente precisava retomar retomar a capacidade de investimento para promover esse círculo virtuoso. E com o Chapter 11, a gente conseguiu dar um reset nessa inércia de legados que iam se arrastando e endereçamos questões acumuladas. E acho que essa é a maneira com que o Chapter 11 está sendo encarado pela indústria brasileira, agora que todas passaram ou estão passando por isso. É uma grande oportunidade de reestruturação que vai muito além da reestruturação financeira propriamente, a qual foi bem-sucedida. A Corte americana consegue criar um ambiente efetivo para uma reestruturação. Diferentemente de um processo que você faz e depois tem que refazer a cada 2 anos.
Vocês, assim como a Azul, relutam muito em entrar no Chapter 11. Você se arrepende de não ter feito antes?
Difícil falar. As condições eram outras. A Abra (holding dona da Gol e da colombiana Avianca) foi criada entre a pandemia e o período em que a gente entrou no Chapter 11. E fazer parte do grupo Abra hoje é fundamental para que a gente consiga ter escala, para competir a nível internacional. Hoje eu vejo que a gente acabou caindo no momento certo. Talvez a gente não tenha encontrado as mesmas condições de negociação que algumas empresas encontraram durante a pandemia. Naquela época aviões estavam parados. E essa era a nossa principal dúvida: o mercado estava aquecido. Será que iriam pegar os nossos aviões?
A negociação com os arrendadores foi melhor do que o esperado?
Teve aquele temor inicial de perder aviões. Mas passados os primeiros seis meses, as coisas começaram a contar a favor de ter entrado no momento em que entramos. Pois a demanda já tinha voltado. As empresas que entraram na época do Covid passaram por incertezas. Elas apresentavam um plano, mas ninguém sabia como a demanda iria reagir. E nos três trimestres consecutivos desde que aprovamos o primeiro plano, a gente conseguiu entregar uma performance acima do previsto. Tivemos um contratempo, uma volatilidade do mercado com as tarifas do [presidente dos EUA Donald] Trump em abril. Mas quando a janela voltou a abrir, a gente já tinha entregue os resultados do primeiro trimestre que foram muito fortes, com receita unitária subindo, aumento de capacidade.
Até a pandemia vocês tinham a liderança do mercado com 38,6% de participação. Recentemente, vocês foram ultrapassados pelo Azul. Vê oportunidade para recuperar esse espaço perdido, de retomar a liderança?
A redução da capacidade tem muito a ver com o que aconteceu com a história da nossa frota. No nosso caso específico, tem uma condição muito séria que foi o que aconteceu com o 737 Max em 2019. [Dois acidentes fatais que levaram a uma ordem para que eles não voassem até a conclusão das investigações.] Os aviões tiveram que ficar no chão, depois veio a pandemia. A gente parou de receber avião. E os sete que já estavam na frota ficaram parados. A gente foi retomando isso ao longo da pandemia. Mas chegou o fim da pandemia e, por outros motivos, a gente perdeu a capacidade de investir para crescer: o alto endividamento.
Ano passado vocês transportaram 30 milhões de passageiros. Quando vocês vão recuperar os volumes de 2019, de 40 milhões?
A gente só retoma o tamanho que tinha no mercado doméstico em 2026, em volume de oferta de assento por quilômetro (ASK). A gente não vai crescer de uma maneira desorganizada. Aviação é um jogo de conectividade. É muito melhor crescer onde você já tem a sua fortaleza. Estamos recuperando o nosso espaço onde nos interessa, onde a Gol já tem uma capacidade instalada robusta.
Só em 2026 então?
Em 2026 no mercado doméstico. No internacional a gente já está muito maior. Estamos crescendo 50% ao ano no internacional. No doméstico, esse ano a gente está prevendo crescer a ofertar em torno de 8%, 9%. Não estamos prevendo ganhos de market share no doméstico. A liderança não é uma meta. Vamos crescer de maneira sustentável, sem destruir valor.
Sem guerra tarifária.
Nosso plano fala em estabilidade no nível tarifário, porém ganhando escala na questão dos custos para ser capaz de crescer. A gente cresce de acordo com a demanda. A gente está crescendo mais hoje no Rio e em Brasília, que são lugares que ainda tem menos capacidade do que antes da pandemia. É como se a gente realmente estivesse se apropriando do espaço que nós deixamos.
Vocês estão mais agressivos no mercado internacional. O plano é seguir no dogma da frota única com o Boeing 737 ou há espaço para aviões maiores para explorar novas rotas internacionais?
Nosso modelo é de frota única, de baixo custo, mas mantendo a frota sempre renovada e com uma alta utilização da aeronave. Isso pressupõe que haja mercados para serem endereçados por esse por esses aviões. A gente encara a expansão internacional como uma maneira de manter o ritmo de crescimento mais acelerado da companhia, independente do que acontece somente no Brasil. Esse modelo foi muito bem-sucedido durante os primeiros anos da Gol. E vejo exatamente esse efeito agora na expansão internacional. É como se a gente tivesse a Gol lá do começo, mas agora no mercado internacional, com uma geografia maior a explorar. O Boeing 737 Max tem mais autonomia e nos permite ampliar esse alcance. O Max traz 15% de vantagem de combustível no doméstico, mas nessas rotas internacionais, a eficiência é 16% maior.
E como é o ambiente que a Gol vai encontrar saindo do Chapter 11? Tem um player em reestruturação (Azul) e outro bem capitalizado (Latam).
É um ambiente bem competitivo. Muitos dos ajustes que fizemos no plano foi para encarar esse mercado mais competitivo. Mas eu estou com liquidez. Estamos saindo com US$ 900 milhões de caixa. É uma condição privilegiada que nos prepara para esse mercado mais competitivo, mas combinando crescimento com uma receita com qualidade.
O CEO da Abra, Adrian Neuhauser, falou que os governos do Brasil e América Latina não ajudaram as companhias aéreas. O governo brasileiro não injetou capital a fundo perdido como os EUA, mas teve trégua no reembolso a clientes, pagamento de tarifas aeroportuárias adiadas, perdão de multas e juros, PIS/Cofins zerado até 2026, imposto de leasing reduzido. Dá para dizer que não teve não teve apoio?
Você citou vários exemplos de ações que foram feitas pelo governo e que foram importantes para a gente. Sou muito grato por tudo o que o governo brasileiro fez. Mas a América Latina hoje é vista como um lugar onde os governos não apoiaram considerando a magnitude do impacto que foi a pandemia. Hoje um fornecedor ou um arrendador global de aeronaves coloca um risco para a região. O nível de suporte que as companhias europeias e americanas tiveram é de outra magnitude. Estamos falando de US$ 50 bilhões nos EUA. Cada grupo europeu recebeu 9 bilhões de Euro. Dinheiro para pagar a folha do funcionário. Esses governos passaram a mensagem de que veem o setor aéreo como estratégico, que merece políticas de Estado. Na América Latina, Aeroméxico, Avianca, Latam, Gol e agora Azul, todas tiveram que buscar uma reestruturação.
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