Mariana Barbosa

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Reportagem

Gol sai do Chapter 11 mirando expansão internacional

A Gol sai hoje da recuperação judicial nos EUA com um caixa de US$ 900 milhões, endividamento equacionado e grandes planos de retomada. No período de um ano em cinco meses em que ficou sob a proteção da Justiça americana, a empresa que já liderou o mercado com quase 40% de participação, foi ultrapassada pela Azul, caindo para a terceira posição, com 29,9% em abril. Celso Ferrer, CEO da Gol, diz que o momento é de retomar a fórmula que fez da companhia uma das mais eficientes operadoras de Boeing — mas agora com mais ênfase no crescimento de voos internacionais.

A Gol acaba de encerrar uma recuperação judicial nos EUA, o Chapter 11. Como a Gol sai desse processo?

Mais forte e, eu diria, recuperando a sua essência. E a nossa essência depende de um ciclo virtuoso que ficou parado: a capacidade de trazer avião novo, de voar mais horas por dia, diminuindo os custos e, com isso, transportando mais passageiros.

É a volta do foco na operação.

Estou na empresa há mais de 20 anos, acompanhei a história da Gol lá do começo. A gente teve altos e baixos. Tivemos a integração com a Varig, com a Webjet, crise econômica em 2015. E coisas boas também. Atraímos o passageiro mais premium. E hoje somos uma companhia que é a primeira para todos: do passageiro mais premium àquele que está voando da primeira vez. A gente consegue dentro do mesmo avião segmentar bem isso. Ou seja, o Gol evoluiu muito. Mas para recuperar a essência, a gente precisava retomar retomar a capacidade de investimento para promover esse círculo virtuoso. E com o Chapter 11, a gente conseguiu dar um reset nessa inércia de legados que iam se arrastando e endereçamos questões acumuladas. E acho que essa é a maneira com que o Chapter 11 está sendo encarado pela indústria brasileira, agora que todas passaram ou estão passando por isso. É uma grande oportunidade de reestruturação que vai muito além da reestruturação financeira propriamente, a qual foi bem-sucedida. A Corte americana consegue criar um ambiente efetivo para uma reestruturação. Diferentemente de um processo que você faz e depois tem que refazer a cada 2 anos.

Vocês, assim como a Azul, relutam muito em entrar no Chapter 11. Você se arrepende de não ter feito antes?

Difícil falar. As condições eram outras. A Abra (holding dona da Gol e da colombiana Avianca) foi criada entre a pandemia e o período em que a gente entrou no Chapter 11. E fazer parte do grupo Abra hoje é fundamental para que a gente consiga ter escala, para competir a nível internacional. Hoje eu vejo que a gente acabou caindo no momento certo. Talvez a gente não tenha encontrado as mesmas condições de negociação que algumas empresas encontraram durante a pandemia. Naquela época aviões estavam parados. E essa era a nossa principal dúvida: o mercado estava aquecido. Será que iriam pegar os nossos aviões?

A negociação com os arrendadores foi melhor do que o esperado?

Teve aquele temor inicial de perder aviões. Mas passados os primeiros seis meses, as coisas começaram a contar a favor de ter entrado no momento em que entramos. Pois a demanda já tinha voltado. As empresas que entraram na época do Covid passaram por incertezas. Elas apresentavam um plano, mas ninguém sabia como a demanda iria reagir. E nos três trimestres consecutivos desde que aprovamos o primeiro plano, a gente conseguiu entregar uma performance acima do previsto. Tivemos um contratempo, uma volatilidade do mercado com as tarifas do [presidente dos EUA Donald] Trump em abril. Mas quando a janela voltou a abrir, a gente já tinha entregue os resultados do primeiro trimestre que foram muito fortes, com receita unitária subindo, aumento de capacidade.

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Até a pandemia vocês tinham a liderança do mercado com 38,6% de participação. Recentemente, vocês foram ultrapassados pelo Azul. Vê oportunidade para recuperar esse espaço perdido, de retomar a liderança?

A redução da capacidade tem muito a ver com o que aconteceu com a história da nossa frota. No nosso caso específico, tem uma condição muito séria que foi o que aconteceu com o 737 Max em 2019. [Dois acidentes fatais que levaram a uma ordem para que eles não voassem até a conclusão das investigações.] Os aviões tiveram que ficar no chão, depois veio a pandemia. A gente parou de receber avião. E os sete que já estavam na frota ficaram parados. A gente foi retomando isso ao longo da pandemia. Mas chegou o fim da pandemia e, por outros motivos, a gente perdeu a capacidade de investir para crescer: o alto endividamento.

Ano passado vocês transportaram 30 milhões de passageiros. Quando vocês vão recuperar os volumes de 2019, de 40 milhões?

A gente só retoma o tamanho que tinha no mercado doméstico em 2026, em volume de oferta de assento por quilômetro (ASK). A gente não vai crescer de uma maneira desorganizada. Aviação é um jogo de conectividade. É muito melhor crescer onde você já tem a sua fortaleza. Estamos recuperando o nosso espaço onde nos interessa, onde a Gol já tem uma capacidade instalada robusta.

Só em 2026 então?

Em 2026 no mercado doméstico. No internacional a gente já está muito maior. Estamos crescendo 50% ao ano no internacional. No doméstico, esse ano a gente está prevendo crescer a ofertar em torno de 8%, 9%. Não estamos prevendo ganhos de market share no doméstico. A liderança não é uma meta. Vamos crescer de maneira sustentável, sem destruir valor.

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Sem guerra tarifária.

Nosso plano fala em estabilidade no nível tarifário, porém ganhando escala na questão dos custos para ser capaz de crescer. A gente cresce de acordo com a demanda. A gente está crescendo mais hoje no Rio e em Brasília, que são lugares que ainda tem menos capacidade do que antes da pandemia. É como se a gente realmente estivesse se apropriando do espaço que nós deixamos.

Vocês estão mais agressivos no mercado internacional. O plano é seguir no dogma da frota única com o Boeing 737 ou há espaço para aviões maiores para explorar novas rotas internacionais?

Nosso modelo é de frota única, de baixo custo, mas mantendo a frota sempre renovada e com uma alta utilização da aeronave. Isso pressupõe que haja mercados para serem endereçados por esse por esses aviões. A gente encara a expansão internacional como uma maneira de manter o ritmo de crescimento mais acelerado da companhia, independente do que acontece somente no Brasil. Esse modelo foi muito bem-sucedido durante os primeiros anos da Gol. E vejo exatamente esse efeito agora na expansão internacional. É como se a gente tivesse a Gol lá do começo, mas agora no mercado internacional, com uma geografia maior a explorar. O Boeing 737 Max tem mais autonomia e nos permite ampliar esse alcance. O Max traz 15% de vantagem de combustível no doméstico, mas nessas rotas internacionais, a eficiência é 16% maior.

E como é o ambiente que a Gol vai encontrar saindo do Chapter 11? Tem um player em reestruturação (Azul) e outro bem capitalizado (Latam).

É um ambiente bem competitivo. Muitos dos ajustes que fizemos no plano foi para encarar esse mercado mais competitivo. Mas eu estou com liquidez. Estamos saindo com US$ 900 milhões de caixa. É uma condição privilegiada que nos prepara para esse mercado mais competitivo, mas combinando crescimento com uma receita com qualidade.

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O CEO da Abra, Adrian Neuhauser, falou que os governos do Brasil e América Latina não ajudaram as companhias aéreas. O governo brasileiro não injetou capital a fundo perdido como os EUA, mas teve trégua no reembolso a clientes, pagamento de tarifas aeroportuárias adiadas, perdão de multas e juros, PIS/Cofins zerado até 2026, imposto de leasing reduzido. Dá para dizer que não teve não teve apoio?

Você citou vários exemplos de ações que foram feitas pelo governo e que foram importantes para a gente. Sou muito grato por tudo o que o governo brasileiro fez. Mas a América Latina hoje é vista como um lugar onde os governos não apoiaram considerando a magnitude do impacto que foi a pandemia. Hoje um fornecedor ou um arrendador global de aeronaves coloca um risco para a região. O nível de suporte que as companhias europeias e americanas tiveram é de outra magnitude. Estamos falando de US$ 50 bilhões nos EUA. Cada grupo europeu recebeu 9 bilhões de Euro. Dinheiro para pagar a folha do funcionário. Esses governos passaram a mensagem de que veem o setor aéreo como estratégico, que merece políticas de Estado. Na América Latina, Aeroméxico, Avianca, Latam, Gol e agora Azul, todas tiveram que buscar uma reestruturação.

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