Mariana Barbosa

Mariana Barbosa

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Corte de 10% nas isenções fiscais já está em lei, mas nunca foi cumprido

A proposta de revisão de 10% dos gastos tributários por ano, apresentada após a reunião de domingo entre o ministro Fernando Haddad e os presidentes da Câmara e do Senado como medida estruturante para ajustar as contas públicas, já foi aprovada pelo próprio Congresso Nacional.

Desde 2021, está em vigor uma Emenda Constitucional, de iniciativa do Executivo e aprovada pelo Congresso, que reduz esses benefícios em 10% ao ano até 2029 — limitando o impacto do gasto tributário para 2% do PIB. O gasto tributário vem crescendo anualmente e saiu de 2,8% do PIB em 2006 para 4,48% este ano.

"O Congresso descumpre uma regra que ele próprio aprovou", diz o economista Bruno Carazza, professor associado da Fundação Dom Cabral e autor do livro "O Brasil dos Privilégios".

O chamado gasto tributário representa tudo o que o governo abre mão de receita para incentivar setores ou regiões. A proposta não deve mexer nas isenções da cesta básica, na Zona Franca de Manaus ou no abatimento do IR de gastos com saúde e educação privadas. O foco deve ser em setores empresariais específicos — e que ainda deve dar margem para interesses no varejo no Congresso. Logo é difícil estimar o quanto vai gerar de receita extra.

Para Carazza, discutir os gastos tributários é fundamental para se fazer um ajuste estrutural no país. "Abrir mão de receita com gastos tributários é política pública e tinha que estar no Orçamento. Mas o governo dá o benefício, não acompanha e não exige nada em troca", diz.

O modelo de subvenção no Orçamento daria mais transparência, exigindo que a cada ano a sociedade, por meio do Congresso, avalie se quer incentivar este ou aquele setor.

Hoje até a Receita Federal tem dificuldade de saber quanto de renúncia fiscal existe no país e foi preciso perguntar para as empresas. O ministro Fernando Haddad criou uma plataforma de dados abertos relativos a benefícios e renúncias fiscais, que obriga as empresas a declarar o quanto elas obtêm de renúncia, permitindo que a própria sociedade tome conhecimento dos incentivos. "Desde que se passou a exigir a declaração das empresas, saímos de uma estimativa de R$ 500 bilhões em isenções para R$ 788 bilhões", diz.

Carazza conduziu recentemente um estudo para a iniciativa Imagine Brasil da Fundação Dom Cabral sobre política industrial e identificou 73 setores beneficiados com isenções fiscais. "Desses benefícios, 61% não tem prazo para acabar. Os demais são constantemente renovados. E 80% dos benefícios representam uma renúncia sem qualquer contrapartida", diz Carazza.

"O problema não está em fazer política industrial. Mas em fazer a renúncia sem um objetivo claro e uma avaliação da medida", diz Carazza. Ele compara com a Coreia do Sul, que se desenvolveu fazendo uma política industrial bastante ativa, com metas e avaliações periódicas fiscalizadas de perto. E quem não cumpre tem benefício cortado.

Continua após a publicidade

"No Brasil, o Executivo criou em 2020 o Conselho de Monitoramento de Avaliação de Políticas Públicas (Cmap), hoje no Ministério do Planejamento, e manda periodicamente avaliações sobre as isenções para o Congresso, mas elas são ignoradas", diz Carazza.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.