Mariana Barbosa

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Opinião

Haddad sai fortalecido e setor financeiro, um tanto frustrado

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, saiu fortalecido na batalha com o Congresso, após duas semanas de intensa pressão do setor produtivo e do parlamento pela derrubada do decreto que aumentou as alíquotas do IOF.

As alternativas para compensar a diferença que vai faltar para fechar as contas este ano e em 2026 representam o resgate de pautas que já tinham sido apresentadas pela Fazenda — atual gestão, e também pelo Ministério da Economia no governo anterior — e que haviam sido desidratadas ou ignoradas pelo Legislativo. Da alíquota das bets, que vai aumentar de 12% para 18%, ao corte de 10% nas isenções fiscais para empresas.

Apesar dos discursos do presidente da Câmara, Hugo Motta, defendendo que é chegada a hora de reduzir a sanha arrecadatória e o tamanho do Estado e fazer um ajuste nas contas públicas pelo lado dos gastos, todas as medidas anunciadas, mesmo as de caráter mais estruturante, como o corte das isenções, representam aumento de arrecadação — o que deixou o setor financeiro e produtivo um tanto frustrado.

Os grandes bancos queriam a derrubada total do decreto — e as propostas apresentadas pelo setor financeiro para compensar a derrubada do decreto, foram apenas parcialmente atendidas.

Medidas mais estruturantes que possam conter a escalada da dívida pública do lado das despesas ficaram para serem discutidas "em uma nova reunião". E como se sabe, quanto mais perto de ano eleitoral, mais distante fica uma solução. Ninguém quer mexer com reajuste de aposentadoria — proposta de desvinculação do salário mínimo para reajustes na previdência — colocar mais rigor na concessão de Benefícios de Prestação Continuada, ou mexer no piso de reajustes de saúde e educação. Todas pautas defendidas pelo setor privado, mas que podem levar a um desgaste nas urnas nas próximas eleições.

O ministro Haddad conseguiu manter o que chama de parte regulatória do decreto do IOF reduzindo o tamanho das alíquotas. A tributação do risco sacado — um dos pontos do decreto mais atacados pelo setor financeiro — foi reduzida em 80%. Apesar de uma queda relevante, o setor financeiro e o varejo queriam isenção total, como era antes do decreto. Mas ao manter uma tributação, ainda que pequena, do risco sacado, que é uma operação de antecipação de receita para o fornecedor, esta fica carimbada como operação de crédito. Podendo estar sujeita a majoração de alíquota no futuro.

Pela nova proposta alinhada na reunião do último domingo entre os poderes Executivo e Legislativo, a arrecadação com o IOF foi reduzida para um terço do previsto no decreto original, algo em torno de R$ 6 bilhões este ano (ante R$ 20 bilhões originalmente). Para 2026, a previsão original era de R$ 40 bilhões — e agora reduzida também a um terço.

Outro terço virá do aumento da alíquota das apostas esportivas, dos atuais 12% sobre a receita após o pagamento dos prêmios, para 18% — voltando a alíquota para a proposta original da Fazenda quando apresentou a MP da regulamentação das apostas esportivas em 2023. O Congresso desidratou a medida e agora se compromete a voltar atrás.

Na época da MP das Bets, o governo estimava uma arrecadação anual de R$ 6 bilhões a R$ 12 bilhões.

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O lobby das apostas esportivas deve tentar reduzir essa nova alíquota no Congresso, mas desde a regulamentação vem ficando cada vez mais claro e evidente os impactos deletérios das bets sobre a saúde mental e financeira da população, em especial da baixa renda. Portanto, aumentar a taxação das bets hoje é medida que deve contar com amplo apoio do eleitorado.

A majoração das alíquotas das bets era uma das sugestões do setor financeiro para compensar o IOF, assim como a taxação das remessas para compra de criptoativos — medida que ficou de fora.

A promessa de corte em torno de 10% no chamado gasto tributário — renúncia de receita — foi aprovada em emenda constitucional pelo Congresso em 2021, como mostrou a coluna em conversa com o professor de direito econômico Bruno Carazza.

A medida deve alcançar apenas as renúncias fiscais de setores específicos — deixando de fora gastos tributários com Simples, Cesta Básica, dedução do Imposto de Renda com despesas com educação e saúde privadas. O corte de 10% vai ser negociado no varejo do Congresso — e é esperado que setores mais estruturados na relação com Brasília resistam. Logo é difícil estimar o quanto vai gerar de receita extra.

Conter o gasto tributário é medida estrutural: é um gasto que cresce exponencialmente sem qualquer contrapartida de política pública — e atendendo aos mais diferentes lobbies no Congresso.

O volume de isenções quase dobrou em 20 anos: saiu de 2,8% do PIB em 2006 para 4,48% este ano. A lei que determina o corte anual de 10% tinha por meta limitar as isenções a 2% do PIB em 2029.

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Um pleito dos grandes bancos que foi atendido foi o fim da alíquota reduzida de 9% da CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido), que era paga pelas instituições de pagamento ou fintechs. Agora vai haver apenas alíquotas de 15% e 20% para as instituições financeiras. O enquadramento em uma ou outra alíquota depende do porte e tipo da instituição.

Uma outra parte importante da compensação do IOF não constava nas sugestões de medidas alternativas que circularam nas últimas duas semanas e afeta os investimentos financeiros. Os títulos como LCIs e LCAs, que eram incentivados com zero de tarifa, passarão a ser taxados em 5% — ainda menos do que os demais títulos financeiros, da ordem de 17,5%. A medida começa a valer a partir de 2026 e pode impactar a captação de recursos pelo setor imobiliário (LCI) e o agronegócio (LCA).

Redução do gasto público

O embate em torno do decreto do IOF deixou claro que o esforço para reduzir o gasto público depende do Executivo, mas também do Legislativo e do Judiciário, que precisam dar sua contribuição. Agora, a bola está com o presidente da Câmara para entregar uma reforma administrativa, como ele vem prometendo, mas que seja capaz de atacar o problema dos supersalários, penduricalhos e privilégios de juízes, Ministério Público e Tribunal de Contas e militares, entre outros.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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