Mariana Barbosa

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Opinião

O dia em que descobri que o filho menor de idade fazia apostas, com meu CPF

Este ano, pela primeira vez, cai na malha fina. O motivo: deixei de declarar um "prêmio" de R$ 354,06 apostando em bets. Acontece que nunca fiz apostas ou sequer me cadastrei em alguma casa de apostas.

No entanto, sou mãe de um corinthiano que, acabo de descobrir, andou dando seus pitacos no ano passado, quando ainda era menor de idade. Ele conseguiu se cadastrar usando o CPF da mãe e a casa de apostas digitais Rei do Pitaco, convenientemente, não se deu ao trabalho de conferir se o nome no cadastro batia com o do CPF.

Meu filho contou que abriu a conta no Rei do Pitaco, pois esta foi a única dentre as marcas que ele conhecia a aceitar seu cadastro sem qualquer verificação. Com amigos, também menores de idade, eles assistiam partidas com um olho na tevê e outro dando pitacos no aplicativo da bet.

O Rei do Pitaco foi fundado há seis anos e hoje está cadastrado no Ministério da Fazenda como uma empresa de apostas de quota fixa, registrada como MMD Tecnologia Entretenimento e Marketing. Desde o início do ano, quando a lei de regulamentação das Bets entrou totalmente em vigor, a empresa passou a exigir comprovação de identidade com foto do RG ou carteira de motorista. O filho não conseguiu mais jogar no Rei do Pitaco (ou em outras casas legalizadas que atuam dentro das regras).

Acontece que a internet está povoada por casas de apostas ilegais que não estão nem aí para as exigências de cadastro previstas na regulamentação. Uma pesquisa que acaba de ser realizada pelo Instituto Locomotiva para o IBJR (Instituto Brasileiro de Jogo Responsável) com pessoas que fizeram apostas online em 2025 revelou que 61% utilizaram ao menos uma plataforma que adota práticas irregulares, tais quais não exigência de reconhecimento facial, liberação de uso de cartão de crédito ou de criptomoedas como meio de pagamento. Esses apostadores também declararam ter apostado em ao menos uma marca que não está homologada pelo Ministério da Fazenda. (Os apostadores identificaram as bets a partir de uma lista com dezenas de marcas que atuam irregularmente no mercado.) A mesma pesquisa mostra que 78% têm dificuldade de distinguir quem atua de forma legalizada ou não.

A fatia dos entrevistados que acessou sites irregulares este ano é ainda maior entre os mais jovens no recorte por faixa etária: 69% entre quem tem 18 a 29 anos. Ela é maior também entre os mais pobres: 63% na faixa de renda até 2 salários mínimos. O Locomotiva ouviu apenas apostadores maiores de 18 anos. No total, foram ouvidas 2 mil pessoas entre abril e maio, em todo o país.

Proibido para menores

O Congresso levou cinco anos para aprovar uma legislação para regulamentar as bets no país desde o 'liberou geral' do governo Bolsonaro em 2018 — e ainda aliviou para as empresas de apostas ao reduzir a tributação proposta originalmente, de uma alíquota de 18% para 12%. Mas mesmo antes da lei das bets e sua regulamentação, a participação de menores em jogos de azar já era proibida pela lei do Estatuto da Criança e do Adolescente. A lei das bets, aprovada em dezembro de 2023, reforçou essa proibição com obrigações relativas a cadastro e controle de acesso e punições para casos de descumprimento. Criar mecanismos para coibir as bets ilegais é fundamental para manter as crianças longe do vício do jogo.

A CPI das bets, instaurada no final do ano passado para investigar a ligação com crime organizado e publicidade nas redes sociais virou circo, com parlamentares tirando selfies com influenciadores acusados de receber uma remuneração variável proporcional às perdas do apostador.

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Esse mesmo Congresso agora fala em regular a publicidade no setor, mas só arranha a superfície do problema. Projeto de lei aprovado no Senado no mês passado proíbe a participação de influenciadores, atletas e autoridades em anúncios de bets, entre outras restrições de horários e formatos de propaganda. Além de tardia, a legislação, quando efetivamente aprovada, será pouco efetiva dado que crianças estão expostas ao universo das bets só de assistir a qualquer partida de futebol. De todos os times da série A, apenas a equipe do Bragantino, que tem o patrocinador Red Bull no nome, não estampa propaganda de casas de apostas na camisa. Quando o projeto virar lei, o jogador não vai poder ganhar dinheiro fazendo post nas redes sociais das bets, mas ainda vai estampar a marca da casa de apostas no peito.

Sem falar que, hoje em dia, a meninada assiste jogos pela Cazé TV — canal no YouTube que também é patrocinado por casas de apostas. (Casemiro, o Cazé, é influencer ou empresário/apresentador?)

A coluna questionou o suporte do Rei do Pitaco sobre liberação de apostas para menores e a empresa respondeu que, no período em que meu filho fez as apostas (primeiro semestre de 2024), "só permitia depósitos e saques em contas bancárias vinculadas ao CPF do titular da conta no Rei do Pitaco". Diz ainda que "todos os depósitos e saques foram feitos para contas bancárias vinculadas ao CPF cadastrado". Meu filho criou a conta usando meu CPF. (Bastava verificar o titular do CPF não batia com o nome no cadastro.) Os depósitos saíram de uma conta kids com o CPF dele. Parte dos prêmios resgatados (saques) caiu na minha conta pessoal.

A empresa diz ainda que na época atuava apenas com o produto "Fantasy Turbo" e que ainda não tinha lançado o produto de apostas esportivas e iGaming. Não sei o que é Fantasy Turbo, meu filho diz que também não sabe. Diz ele que as apostas eram relacionadas a partidas de futebol.

A coluna tentou contato com executivos e a assessoria do Rei do Pitaco, mas não teve sucesso. O espaço está aberto para manifestação.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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