Por que aviação regional não decola no Brasil
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A Anac cassou esta semana o certificado operacional da Voepass — empresa regional que entrou em grave crise após o acidente com o ATR que levou à morte de 62 pessoas em agosto do ano passado e que está em processo falimentar.
Duas semanas antes, sem muito alarde, o governo publicou uma portaria instituindo o programa AmpliAR de fomento à aviação regional, com previsão de construir ou requalificar 100 aeroportos pelo interior do país com previsão de investimentos de R$ 1,35 bilhão. No entanto, segundo especialistas, o problema do setor não é falta de infraestrutura, mas de uma política que permita às companhias aéreas regionais ter saúde financeira para operar nesses aeroportos.
Para o economista José Roberto Afonso, ex-BNDES e hoje professor do IDP e da Universidade de Lisboa, a situação vai piorar com a reforma tributária, que vai encarecer as passagens com a cobrança do IVA sobre o valor da tarifa em voos para os principais aeroportos do país. Os voos regionais também serão taxados, mas com um desconto de 40% na alíquota.
Hoje o setor paga tributos sobre combustível e outros insumos, mas em conformidade com regras internacionais, não se cobra imposto sobre o preço da passagem.
Se é difícil para as grandes, que dirá para as regionais. O setor aéreo opera com uma estrutura de custos sobre o qual não tem controle, como combustível e câmbio. Os aluguéis dos aviões são em dólar. Além disso, o produto que as companhias vendem é perecível. O custo do assento que voa vazio não se recupera. Na aviação regional, que opera com aviões menores, o custo por assento é maior — o que se traduz em passagens mais caras. E quanto mais caro, menor a demanda.
"O elo mais fraco do setor aéreo é o regional", diz Afonso. "Mas da mesma forma que não é construindo rodoviária que os ônibus vão aparecer, a ampliação de aeroportos é importante se você tem demanda em excesso e a infraestrutura não está dando conta."
Boa parte dos países mantém a aviação regional de pé oferecendo subsídios. Portugal, por exemplo, oferece subsídios diretamente para os habitantes da Ilha da Madeira ou dos Açores comprarem passagem aérea. "O turista paga um valor e o morador outro e o governo completa. E não tem fraude. Escócia, França e Grécia também subsidiam voos para suas ilhas."
Reforma tributária pode agravar ainda mais a crise do setor. "O mundo inteiro isenta a aviação por questões estratégicas, de integração regional", diz Afonso. "Por que tantas empresas regionais quebram no Brasil? Pela dimensão do Brasil, tem espaço para o regional. Mas a reforma tributária vai no sentido contrário e vai ser mortal para o setor."
Para o economista, a reforma tributária vai levar a uma concentração ainda maior do setor aéreo em poucos CPFs, pois os mais ricos vão jogar a despesa com viagens (juntamente com despesas de hotéis e restaurantes) na conta da pessoa jurídica — abatendo o crédito gerado com a despesa do lucro da empresa.
"A classe média que compra a passagem na pessoa física vai pagar mais caro pra voar", diz.
O mercado regional já foi celeiro de companhias aéreas. As empresas começavam pequenas e iam crescendo e se tornando nacionais. A Latam Brasil, hoje a maior companhia atuando no país, nasceu TAM (Transporte Aéreo Marília) fazendo voos pelo interior de São Paulo.
A antiga TRIP, também do interior de São Paulo, foi incorporada pela Azul, que ainda mantém uma operação regional, com jatos da Embraer e turboélices ATR.
A Ocean Air, que nasceu fazendo operações offshore no Rio, virou nacional e passou a voar com a marca Avianca — mas acabou em falência. Mesmo destino da Voepass, que nasceu Passaredo e por anos atuou em parceria com Gol ou Latam.
Nos anos 70 e 80, o governo subsidiava o preço das passagens para garantir uma malha aérea mais distribuída, por meio do programa Sitar. Foram tempos áureos de empresas como Nordeste e a Rio-Sul, subsidiárias da Varig, e da própria TAM.
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