Em São Paulo, o resgate do caipira como símbolo de construção da cidade
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A arte nos faz lembrar que, um dia, a cidade de São Paulo foi rural e construída por mãos caipiras. A obra 'Caipira picando fumo', do artista brasileiro Almeida Júnior, foi criada em 1893 para dar protagonismo ao paulista interiorano. Na Pinacoteca de São Paulo, a exposição 'Caipiras: das derrubadas à saudade' retoma a importância daqueles que plantavam e colhiam onde hoje é a selva de pedras.
O projeto político da elite da época estava empenhado na modernização de São Paulo, retirando o estilo arquitetônico existente à época e dando lugar à estética da Europa. Foi neste período que o caipira foi ligado a uma imagem pejorativa de atraso e falta de cultura.
"A burguesia paulistana queria se descolar de suas raízes do interior e o quadro de Almeida Júnior quer provocar a reflexão contrária, deste caipira como ator principal da construção da cidade." Quem explica é Larissa Resende, turismóloga e criadora da Redescubra SP, uma agência especializada em Turismo Cultural em São Paulo.
Nascida no interior de São Paulo, ela defende a importância de olhar a capital com raízes caipiras, pois muitos indícios ainda se mantém vivos. Por isso, junto ao publicitário Gabriel Darakdjian, criador do Cafecoado Estúdio, especializado em estética popular e cultura caipira, eles criaram um tour pelo centro de São Paulo para resgatar a história. "Ser da roça é um estado de espírito", diz Gabriel ao defender que não é preciso morar no interior para honrar as raízes rurais.
Durante o passeio, Larissa comenta que onde é a Estação da Luz, antigamente, eram lotes de pasto e criação de cabritos. Também a Praça da Sé, marco zero da capital paulista, era ocupada por plantações de subsistência.
Quando a Catedral da Sé começou a ser erguida, "cavalos e burros de carga não podiam subir até lá, pois a elite não queria, então o tropeiro carregava no lombo a comida para a burguesia", comentou uma das turistas que acompanhava o tour organizado pela Redescubra SP.
Há registros que indicam que a palavra "caipira" tem origem na língua tupi-guarani e o significado é "a mata que acompanha o rio". Na São Paulo até o século 19, os rios ainda eram muito mais visíveis e acessíveis, onde beiravam as produções agrícolas. Prova disto é a intersecção entre a Ladeira Porto Geral e a rua 25 de Março, onde a economia da cidade começou a ser fomentada.
A 25 de Março era um trecho do rio Tamanduateí e por lá chegavam alimentos que eram desembarcados na estação portuária, por isso, Ladeira Porto Geral. Nos arredores, caipiras vendias suas produções agrícolas e, desde então, o local é referência de comércio.
Nas proximidades, a Rua da Quitanda, onde hoje se encontra o Centro Cultural Banco do Brasil, recebeu este nome por ser a rua onde se vendiam os alimentos. Depois, à medida que a quitanda foi se expandindo, foram criados os mercados. O famoso Mercado Municipal era originalmente chamado de Mercado dos Caipiras.
É curioso pensar como a elite do século 19 subjugou o caipira, colocando-o em um lugar de menor importância, e nos tempos atuais encaramos a inflação de alimentos, porque - entre outros motivos - a produção agrícola está afastada das metrópoles.
Vale refletir a respeito na exposição da Pinacoteca, em cartaz até 13 de abril. Todos os sábados, e aos domingos de fevereiro, a entrada é gratuita.