Mariana Grilli

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Opinião

Quando falaremos da agricultura familiar para baixar o preço dos alimentos?

O preço dos alimentos tem ganhado uma repercussão enorme no governo, no noticiário e na boca do povo. Carnes e azeite com lacres e alarme nas prateleiras do supermercado são o simbolismo de uma realidade em que comer virou artigo de luxo. Estes dias, ouvi de uma operadora de caixa: "O patrão disse que, daqui a pouco, vai ter lacre no café".

Lembrei da frase da escritora e poetisa brasileira Carolina Maria de Jesus, que, em 1960, escreveu: "O maior espetáculo do pobre da atualidade é comer". À época, o Brasil ainda não era a potência agrícola que é nos dias de hoje. Mesmo depois de tanta expansão agrícola, comer não cabe no bolso do brasileiro e é preciso refletir sobre os fatores que levam a este antagonismo.

Recentemente, temos visto as medidas do governo federal para tentar reduzir os preços, mas a verdade é que "isso não é em 24 horas", conforme disse o vice-presidente Geraldo Alckmin, em entrevista à rádio CBN.

Segundo o Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), em janeiro, o custo da cesta básica aumentou em 13 das 17 capitais onde é aplicada a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos. Com isso, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ter sido de R$ 7.156,15, ou quase 5 vezes o mínimo de R$ 1.518,00. Em São Paulo, a cesta básica custa R$ 851,82.

Zerar a alíquota de importação de carne, café, açúcar e demais itens anunciados pelo presidente Lula não resolve este preço, tampouco dos itens na feira de rua. Além disso, justificar o preço dos alimentos à cotação do dólar me parece cortina de fumaça, quando há uma medida ao alcance do governo federal: reforma agrária e infraestrutura para produção de agricultores de pequeno porte.

Fortalecer o Plano Safra da Agricultura Familiar é somente uma parte da engrenagem. Sem reforma agrária e o reconhecimento de terras com titulação válida, muitos agricultores continuam invisíveis para o sistema bancário. Isso também abarca quilombolas, indígenas e pescadores artesanais.

Nesta segunda-feira, estive conversando com um agricultor familiar da região serrana do Rio de Janeiro. Ele relatou o quanto é difícil reunir todos os documentos exigidos pelos bancos e fazer com o que o plano de manejo de agroecologia seja aprovado no financiamento. São estes mecanismos que precisam funcionar que haja mais produção e o alimento fique mais acessível.

Também é preciso fomentar um mercado garantidor, seja por meio de cooperativas, associações ou compras públicas. Este mesmo agricultor ressaltou o quanto é importante que as prefeituras estejam engajadas em iniciativas que facilitem a comercialização dos produtores e o acesso de consumidores. Nem tudo é resolvido somente na esfera federal, haja vista que Lula e Alckmin têm pedido para os Estados zerarem o ICMS da cesta básica.

Além de terra, financiamento e comercialização, precisamos falar de assistência técnica e extensão rural. A Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária é lei (12.188) e é com este apoio que agricultores conseguirão incrementar a produtividade, produzir melhor e entregar mais alimento. Transferência de conhecimento e tecnologia são pilares do agronegócio e precisam ser viabilizados também à agricultura de menor porte.

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O Brasil consegue, ao mesmo tempo, ser agroexportador e abastecer a população interna, mas é insustentável permitir que a dolarização afete a comida básica do dia a dia. Temos terra, água, clima favorável, biodiversidade e mais de 5 milhões de estabelecimentos rurais no país. Está na hora de profissionalizar a agricultura familiar para que ela seja um sucesso tanto quanto as commodities exportadas se tornaram.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.