O amargo gosto para uma doce Páscoa
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Os preços do cacau, em 2024, alcançaram elevações de 300% no mercado internacional. Já o repasse da indústria aos consumidores de chocolates em barra e bombons acumulou inflação de 11,99% nos 12 meses do ano passado, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Isso acontece porque as companhias fazem estoque da matéria-prima e conseguem dosar as receitas. Não por acaso, para a Páscoa de 2025, a estimativa da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas) é oferecer 803 produtos nas prateleiras, muitos com biscoitos, recheios e outras maneiras de ter menos cacau.
"A indústria tem buscado alternativas para não penalizar o consumidor, por isso estamos falando que será uma Páscoa democrática, com um leque maior de opções", diz Jaime Recena, presidente da associação.
Para ser considerado chocolate, o produto final precisa ter, pelo menos, 25% de cacau na receita. Logo, para as marcas que fabricam barras, ovos, bombons e derivados em larga escala, diluir a alta do cacau em um amplo portfólio já estava previsto antes mesmo da fase mais crítica do preço da matéria-prima.
Se por um lado o consumidor vai se deparar com centenas de produtos de marcas como Nestlé, Ferrero, Mondelèz, Arcor, Cacau Show, entre outros; por outro, quem procurar barras de chocolates artesanais poderá ter dificuldades de encontrar.
Conhecidos como 'bean to bar', ou seja, do grão à barra, estes produtos artesanais feitos por chocolatarias de nicho ou até mesmo produzidos por pequenas cooperativas e agricultores familiares estão lidando com a falta do cacau.
Isso porque quem produz cacau está preferindo vender o fruto para as tradings internacionais e receber o pagamento a curto prazo, na cotação valorizada, em vez de destinar o cacau para produções artesanais.
Até há pouco tempo a produção de chocolates finos era a aposta do cacauicultor para agregar valor à produção e conseguir uma remuneração mais alta. Com a escalada das cotações do cacau commodity, qualquer tipo de amêndoa está sendo colocada no mesmo balaio para suprir a indústria.
Tuta Aquino, produtor de cacau na Bahia, CEO da Baianí Chocolates e presidente da Associação Bean to Bar Brasil, diz que o segmento de chocolates especiais e marcas independentes está fazendo um grande esforço para se manter no mercado.
Ele ainda consegue dividir parte da produção para a própria marca e outra parcela é vendida à grande indústria. Quem não tem cultivo próprio, no entanto, está precisando elevar o preço pago, contar com fornecedores parceiros ou ainda recorrer a crédito para arcar com a matéria-prima. Tudo isso para não fechar as portas.
Para o bolso do agricultor, o cenário está satisfatório, mas Tuta fala do cuidado para não dar um passo maior que a perna. Esperar que as cotações se mantenham em alta pode ser arriscado, por isso o melhor é fazer caixa e, se possível, investir em melhorar e ampliar a área produtiva.
Até porque, a alta do cacau partiu de um problema: as mudanças climáticas. De nada adianta ser bem remunerado, se antes não houver cacau para colher. "O clima tem afetado a produção de uma forma muito rápida, são mudanças imprevisíveis e impactam diretamente o agricultor familiar e a pequena indústria", relata Tuta.
Para essa Páscoa, ele conta, as pequenas marcas também estão investindo em ampliação de portfólio, como brigadeiros e chocolates com biscoito. Mesmo assim, a Páscoa pode ter um gosto amargo se as vendas não equilibrarem as contas de quem investiu pesado para ter cacau neste ano.