Mariana Grilli

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Reportagem

Agro pode ser estratégico para Mercosul se fortalecer na guerra tarifária

A União Europeia é o terceiro maior mercado do Brasil, tornando o acordo Mercosul-UE estratégico, sobretudo no contexto da guerra tarifária.

Na avaliação de Carlos Cogo, consultor de mercado especialista em agronegócio, "a recente movimentação comercial global pode ser o "empurrão final" para a conclusão do acordo Mercosul-UE". Em dezembro, a presidente do governo da UE, Ursula von der Leyen, anunciou a conclusão das negociações do acordo comercial entre os blocos.

A 'pergunta de milhões' é se os países do Mercosul estão prontos para atender ao acordo com a União Europeia, caso ele saia do papel. É no agronegócio que pode estar uma saída para a dúvida.

Na leitura de alguns especialistas, mais especificamente, são as entidades setoriais que podem assumir o papel de protagonismo nas negociações.

Roberto Uebel, coordenador do Núcleo de Estudos e Negócios Americanos da ESPM, chama esta movimentação de "diplomacia corporativa".

Para ele, a alternativa de reunir pontos em comum entre os países do Mercosul, na finalidade de se fortalecer perante as exigências da União Europeia, está em "não depender apenas da diplomacia pública". "Associações representativas têm papel de influência e talvez seja a única alternativa que nós tenhamos", ele avalia.

Uebel entende que, diante de uma "fragmentação do multilateralismo", os blocos econômicos passam a ter novas preocupações e a buscar novas parcerias. Neste sentido, ele acredita que o acordo Mercosul-União Europeia deva se concretizar.

"Evidentemente, isso afeta o agronegócio e é preciso estar às claras quais escolhas serão tomadas e ter as prioridades bem definidas, pois o mercado está precificando as relações", diz.

Isso significa que é preciso esclarecer quais setores do agro serão, de fato, priorizados nessa parceria estratégica entre Mercosul-UE. Também é necessário, aponta Uebel, um alinhamento de agendas — incluindo a ambiental —, e pensar em conjunto quais serão as consequências e respostas para uma possível retaliação do governo de Donald Trump, incluindo taxações maiores.

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Para levar estas definições ao acordo, os países do Mercosul precisariam estar alinhados, enquanto bloco, sobre uma política de reciprocidade em relação à taxação dos EUA.

"Infelizmente não é o que acontece e estamos perdendo um timming muito importante", comenta Uebel ao citar as discordâncias entre Brasil, Argentina, Paraguai e o ano eleitoral na Bolívia.

É na busca da convergência entre os países que o agronegócio pode ser protagonista. Em vez de discutir pela concorrência, existe uma oportunidade de se unir como coletivo nesta nova ordem da economia mundial que se forma. É olhar o copo meio cheio.

"Agronegócio é um setor super estratégico e me parece ser muito bem engajado e estruturado para essas pautas, incluindo as associações representativas, entidades setoriais", aponta o coordenador da ESPM.

As entidades podem fazer a "diplomacia corporativa" que empresas não fariam individualmente, já que muitas delas preferem ser representada de forma setorial.

Edsmar Rezende, membro do board do Comitê Estratégico Soja Brasil, concorda que as associações representativas têm um papel importante. A exemplo da ABIEC (Associação Brasileira da Indústria de Exportadores de Carne) e a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), cujos presidentes são Roberto Perosa, ex-secretário do Ministério da Agricultura e Pecuária, e Ricardo Santin, presidente do Conselho Internacional de Avicultura.

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Terras e logística

Uma perspectiva que Edsmar considera necessária para se discutir entre os países do Mercosul é a questão das terras.

A China tem trabalhado para garantir segurança alimentar e, para isso, se associa ou mesmo adquire terras em outros países. Isto também deveria estar na mesa de diálogo dos países sul-americanos, devido à potência da agricultura tropical.

Relatório do banco BTG Pactual publicado este mês aponta a valorização das terras brasileiras e, consequentemente, o interesse do mercado.

"Os preços das terras agrícolas no Brasil subiram 13% ao ano nos últimos 14 anos, com valorização particularmente intensa durante o super-ciclo de commodities de 2020-22. Apesar dessa valorização, os preços das terras no Brasil permanecem competitivos em comparação com outros pares com rendimentos semelhantes", cita o relatório do BTG.

Outro alvo de investimento dos chineses é a logística. O grupo chinês Pengdu é controlador da Belagrícola, empresa que atua no recebimento e armazenagem de grãos. Apesar de a companhia chinesa ter anunciado, no ano passado, que sairia do Brasil, devido à complexidade para exportar os grãos à Ásia, a reconfiguração do mercado pode levar a uma reavaliação de cenário.

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É neste quesito logístico que Roberto Uebel, da ESPM, também vê alternativas para a diplomacia no Mercosul e uma organização favorável perante China e União Europeia.

Ele cita como exemplo de sinergia comercial do Brasil com os portos do Uruguai, "em que empresas brasileiras tendem a usar para desviarem dos congestionados fluxos de portos como os de Santos e Paranaguá, com o governo uruguaio inclusive oferecendo a empresas do Rio Grande do Sul".

O porto de Nueva Palmira, no Rio Uruguai, também está no fluxo dos navios brasileiros que transportam minério de ferro e grãos vindos de rios da região Centro-Oeste, principalmente a partir da Hidrovia Paraguai-Paraná.

Em um momento 'areia movediça' do comércio global, simultaneamente às mudanças climáticas, saber a arte de negociar grãos e biocombustível pode colocar o Sul Global em uma nova perspectiva na geopolítica.

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