Mariana Grilli

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Reportagem

Auditores federais agropecuários se mobilizam contra lei do Mapa

No ano passado, o governo federal publicou o Decreto 12.126/2024, que regulamenta parte da Lei do Autocontrole (14.515/2022). Ela permite o autocontrole na produção agropecuária, ao modificar o modelo de fiscalização estatal vigente para um modelo em que a companhia a ser fiscalizada contrata uma empresa privada de inspeção sanitária, credenciada ao Ministério da Agricultura e Pecuária.

A insatisfação dos auditores federais agropecuários está especificamente com a fiscalização dos frigoríficos.

Ricardo Nascimento, vice-presidente do Anffa Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários) explica que a regulamentação da lei propõe a contratação de empresas para auxílio na fiscalização ante e pós-mortem dos animais. "Ela contraria o próprio artigo 5º da lei, que a gente entende também que é inconstitucional, com a transferência de atividades típicas de Estado para empresas privadas".

"A atividade de fiscalização requer autonomia e independência. Se o frigorífico contratar o próprio fiscal, qual será a liberdade de atuação deste colega auditor? Isso representa um risco para a população que consome esses alimentos", diz Nascimento.

Consta na lei, ele explica, que as auditorias prestadoras de serviço precisam ser credenciadas pelo Mapa. No entanto, o pagamento do fiscal fica a cargo da empresa, e não do governo federal.

"Conhecemos casos de servidores públicos coagidos, por exemplo, no momento de inspecionar uma carga ou a atividade de plantas frigoríficas. Qual vai ser a autonomia desse profissional em inspecionar quem paga o salário dele? Não dá para garantir", relata o vice-presidente do Anffa Sindical.

À época do decreto, a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária) se mostrou a favor da lei e afirmou que "a expectativa é a ampliação da celeridade das operações de defesa". Entidades setoriais voltadas às proteínas animais também são a favor da parceria público-privada para dar celeridade às inspeções.

O Ministério da Agricultura e Pecuária não retornou aos questionamentos do UOL. Um ponto importante para ser esclarecido pelo governo federal é como ficarão frigoríficos de menor porte, que não necessariamente têm fôlego financeiro para arcar com a contratação de auditores privados.

Segundo Ricardo Nascimento, a preocupação com conflito de interesses paira entre os auditores fiscais. Além disso, ele afirma, a minuta apresentada pelo Mapa é inconstitucional, ao propor que atividades típicas de Estado sejam delegadas a entes privados

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O Anffa Sindical quer propor uma ampla consulta pública sobre o tema, vigente por pelo menos 30 dias. Caso não haja evolução, os auditores estudam a possibilidade de paralisação, greve ou outras medidas de mobilização.

Daqui a 15 dias, Nascimento deve participar de reunião com a Secretaria de Defesa Agropecuária, comandada pelo Carlos Goulart. Entre outros temas debatidos, a consulta pública será levada em caráter de urgência pelo Anffa Sindical. "Esperamos que, antes disso, consigamos uma reunião com o secretário para tratar desse tema que se faz urgente".

Em relação ao SIF (Serviço de Inspeção Federal), a lei prevê que os auditores fiscais continuem responsáveis por emiti-lo e manter válidos aqueles em vigor, mas Nascimento pondera que o profissional não terá feito a inspeção no local. Assim, não há garantia de que o que consta no relatório do fiscal terceirizado é factível.

Antes que a privatização das auditorias federais seja realidade, Ricardo Nascimento ainda aponta que haveria mais celeridade nas auditorias se houvessem mais auditores em campo.

"O primeiro investimento que deveria ser feito é na ampliação de médicos veterinários concursados", defende o vice-presidente do Anffa Sindical.

Apesar de haver 1.400 vagas a serem preenchidas, após concurso realizado no ano passado, aposentadorias e falecimentos levam ao preenchimento de 200 postos — número muito abaixo do efetivo necessário para dar conta da pecuária brasileira. Os novos profissionais devem ser admitidos efetivamente no mês de junho.

Reportagem

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