Mariana Grilli

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Opinião

No jogo do comércio internacional, Brasil precisa conhecer melhor a Ásia

Como em uma partida de xadrez, a geopolítica exige calcular muito bem cada movimentação no tabuleiro. O agronegócio espera que o Brasil seja a rainha do xadrez, podendo se movimentar para qualquer direção e, de preferência, sem ser negativamente atingido. Para isso, é preciso conhecer as peças que compõem o jogo comercial.

Neste sentido, o Brasil tem o dever de estudar melhor o mercado da Ásia. Consumo, costumes, geografia... Faltam especialistas que conheçam o mercado asiático e consigam aproximar economia e diplomacia para além da China. A avaliação é de Oliver Stuenkel, professor da FGV e pesquisador do Carnegie Endowment e de Harvard, que falou durante evento realizado pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), nesta terça-feira, em São Paulo.

Ele observa que a demanda de commodities tende a vir cada vez mais do continente asiático. No entanto, ele comenta, os alunos do curso de comércio internacional insistem em fazer intercâmbio na Europa. O que isso tem a ver com o agronegócio? Tudo. Afinal, conhecer o comportamento do cliente é um direcionamento importante para gerar e atender demandas de importação e exportação.

"Uma vulnerabilidade [brasileira] está na falta de expertise sobre a Ásia. Sofremos um eurocentrismo, não temos especialistas em Ásia e precisamos olhar melhor para estas regiões que terão profundo impacto no agronegócio do Brasil", afirmou.

Uma pesquisa recente da consultoria McKinsey mostra o crescimento do continente, sobretudo no Sudeste Asiático. No quarto trimestre de 2024, antes do anúncio de tarifaço do Trump, quase todas as economias desta região alcançaram um crescimento de 5% ou mais no último trimestre do ano passado.

Dados da McKinsey apontam que o Vietnã continua sendo a economia de melhor desempenho da região, com crescimento de 7,55%. Já a Tailândia passou de -5,0% para crescimento de 3,2%, sendo o terceiro maior crescimento trimestral ano a ano nos últimos cinco anos. A Indonésia experimentou um ligeiro aumento do crescimento e as Filipinas mantiveram-se estáveis, enquanto Malásia e Singapura tiveram redução trimestral moderada, mas se mantendo nos 5%.

Na nova ordem mundial, Marcos Troyjo, ex-presidente do Banco dos Brics, acredita que o comércio internacional tende a se deslocar de capitais europeias para outras geografias, como Riad, Dubai, Xangai e Singapura.

"A cada dois dólares que o Brasil exporta, um vai pra Ásia. A cada 100 dólares exportados, 33 dólares vão para a China. Se somos o maior produtor do agro no mundo e na Ásia terá concentração de geração de demanda, vai ser difícil diminuir a dependência do Brasil pela Ásia", avalia Troyjo.

Ele diz que, no mundo, há 193 países e o Brasil está entre aqueles com maior superávit comercial com a China e déficit comercial com os Estados Unidos. "Para o agro brasileiro, a Ásia é muito mais importante do que o mercado norte-americano", mas é essencial conhecer o continente, à medida que lá há uma preocupação clara sobre segurança alimentar.

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Neste sentido, Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior e sócio-fundador da BMJ, ressalta que Indonésia e Tailândia têm grande população e vão continuar a demandar commodities, onde o Brasil pode ter mais competitividade.

O BRICS, portanto, é considerado uma porta para o Brasil conhecer melhor a Ásia. Ainda assim, Oliver Stuenkel, professor da FGV, pondera que não enxerga o conglomerado de 11 países como um bloco econômico.

"Não se pode romantizar esse agrupamento dos Brics. Há uma divisão entre os países mais 'antiocidentais', como Irã e Rússia, e mais ocidental, onde o Brasil está inserido", ele avalia.

Outro monitoramento geopolítico que os painelistas mapeiam é a limitação da China em ser autossuficiente. O país caminha para depender menos de importações, mas o aumento populacional norteia a compra de commodities. Assim, a potência asiática deve investir em capacidade logística e isso pode favorecer a chegada dos produtos brasileiros em outros parceiros comerciais no continente.

Na avaliação de André Pessôa, presidente da Agroconsult, os chineses se prepararam muito bem para este momento de guerra tarifária, formando estoque de produtos estratégicos como soja, milho e carne. Para ampliar a atuação na Ásia, ele concorda que faltam especialistas sobre o continente no governo e na academia, mas aposta na atuação da iniciativa privada no continente.

"As empresas têm os especialistas, conhecem as restrições ao comércio, sabem onde estão os gargalos para ampliação do mercado asiático. Para novos mercados e a preservação daqueles já estabelecidos, eu buscaria os especialistas das empresas que já exportam e têm escritórios regionais, incluindo as cooperativas", disse.

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Enquanto isso, Pessôa resume: "No truco, aparentemente, o 'zap' está com eles [chineses]", se referindo à carta mais forte do jogo. Seja no truco ou no xadrez, conhecer o parceiro e o adversário faz diferença na condução das partidas. Independentemente do jogo, o que as fontes ouvidas repetiram é que "em guerra comercial, todos saem perdendo".

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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