MEC e ensino a distância: educação superior nas zonas rurais é desafio
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Diante da decisão do Ministério da Educação (Portaria 378/2025) em estabelecer novas regras para o ensino a distância, é preciso refletir como estão as condições de estudo do Ensino Superior para a população que habita as zonas rurais e, muitas vezes, não tem acesso ao campus universitário, seja público ou privado.
Em cidades remotas do Brasil, a Educação a Distância (EAD), muitas vezes, é a porta de entrada para pessoas conseguirem cursar uma universidade. Ainda que seja discutida a qualidade dos cursos, a verdade é que muitos habitantes de zonas rurais encontram na EAD a possibilidade de fazer uma graduação.
"Não pode haver exclusão como efeito colateral da ausência de instituições de ensino para os cursos presenciais. Isso tem que vir acompanhado com política pública. É importante complementar o decreto pensando justamente nesse público - que, muitas vezes, está na zona rural", avalia Rodrigo Bouyer, avaliador do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), vinculado ao MEC. O Ministério da Educação não respondeu ao questionamento do UOL sobre se a pasta avaliou este risco de exclusão da população de zona rural.
Desafios
O avaliador do Inep e sócio da empresa Somos Young afirma a importância de fiscalizar as faculdades "porta de loja", que inauguram polos de fachada em cidades do interior, sem fornecer a estrutura básica, como salas de aula, conectividade, laboratório de informática e avaliações presenciais agendadas.
A conexão com internet de qualidade, a necessidade de um computador e a infraestrutura básica exigida para cursar o Ensino Superior são dificuldades constantes para quem mora distante das universidades. Na ponta do lápis, isso também se torna uma questão financeira, que afasta ainda mais a possibilidade de obter um diploma.
"Quando a gente fala do Brasil de verdade, não dá para a instituição de ensino ofertar um boleto de matrícula e falar para o aluno se virar. É preciso dar condições de estudo", reforça.
Com a maior fiscalização do ensino EAD, Boyer pondera com preocupação o encarecimento dos cursos de graduação, à medida que mais investimentos serão necessários. O boleto mais caro inviabiliza o estudo de muitos.
"É preciso que o governo pense nisso não como exclusão, mas como subsidiar o acesso às diferentes modalidades com qualidade, incluindo mais universidades federais", diz.
Cursos voltados ao agronegócio
De acordo com a Scot Consultoria, especializada em agronegócio, a inovação educacional é essencial, mas também é preciso estabelecer "critérios técnicos rigorosos quando se trata de profissões que exigem habilidades práticas e responsabilidades sanitárias". É o caso dos médicos veterinários - que, inclusive, atuam na linha de frente no controle da gripe aviária.
Cursos como Engenharias e Agronomia - incluindo silvicultura, pesca e veterinária - deixam de ser 100% EAD e passam a ser presencial ou semipresencial com no mínimo 40% presencial e 40% a distância - o restante, são atividades como o estágio. A decisão impacta principalmente universidades agrícolas do Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Permitir o curso de Medicina Veterinária no formato semipresencial desagrada uma parcela da categoria. Enrico Ortolani, professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP e colunista da Scot Consultoria, acredita que é um contrassenso o MEC proibir a modalidade EAD em Medicina, mas permitir parcialidade em Medicina Veterinária, "principalmente nas disciplinas aplicadas, em que o estudante, ao lado dos animais e dos processos, é capaz de vivenciar e aprender técnicas, executá-las e interpretar os resultados por meio da leitura adequada do ambiente", explica.
Assim, acende-se um alerta sobre as condições de ensino nas zonas rurais. Um quebra-cabeça para o MEC, que precisa assegurar a qualidade dos cursos, a formação dos novos profissionais, mas sem excluir uma parcela considerável da população que se encontra em regiões remotas e encara dificuldades como falta de transporte público e acesso à internet.
O futuro do agronegócio e dos polos produtores do Brasil também passa por esta discussão.
O que aconteceu
A partir da portaria, os cursos de Direito, Medicina, Enfermagem, Odontologia e Psicologia estão proibidos de ser integralmente online. Se, por um lado, um forte argumento é a qualidade do aprendizado, por outro, abre-se margem para excluir uma parcela da sociedade que não consegue chegar a uma sala de aula para se formar presencialmente.
A pasta diz que, mesmo nas regras antigas, "todos os estudantes matriculados nos cursos EAD já eram, obrigatoriamente, vinculados a um polo de educação a distância". "Os alunos residentes no interior ou em localidades mais afastadas poderão continuar a contar com os polos para acessar internet de alta velocidade, participar de atividades formativas presenciais e práticas, realizar avaliações de aprendizagem", afirma o MEC, em nota.
Neste sentido, Boyer explica que o marco regulatório sobre EAD deve servir para padronizar as instituições de ensino, de modo que a concorrência seja feita a partir de um padrão. Assim, o MEC pode fazer a regulação, a fiscalização e garantir que o serviço ofertado pelas universidades realmente seja condizente com a necessidade do aprendizado.
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