Mariana Grilli

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Opinião

Mundo caminha para guerra por alimentos. E o Brasil com isso?

Ser um dos maiores países exportadores de commodities e ao mesmo enfrentar a inflação dos alimentos é uma dualidade brasileira observada pela comunidade internacional. A análise mais macro, inclusive, é de que este cenário é um recorte que compõe uma conjuntura mais pessimista: os passos do mundo rumo à guerra por alimentos.

O assunto foi debatido ontem, em evento promovido pelo IPES-Food (Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis), associação internacional sem fins lucrativos, cujo objetivo é promover a transição para sistemas alimentares sustentáveis em todo o mundo.

Mudanças climáticas intensificadas, conflitos militares nos continentes e a guerra tarifária imposta por Donald Trump contra a China acendem o sinal de alerta. A movimentação geopolítica levanta o questionamento sobre o futuro da comida, e o quanto ela pode servir como poder de barganha ou argumento de controle.

Discutir a segurança alimentar, portanto, significa pensar nas condições de produção da comida, a distribuição, o preço, o acesso aos mercados. Só que esta discussão está enfraquecida dentro da própria FAO/ONU (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

Jennifer Clapp, professora em Segurança Alimentar Global e Sustentabilidade na Universidade de Waterloo, no Canadá, e membro do Comitê Consultivo Científico do Centro de Coordenação de Sistemas Alimentares da ONU, relata os baixos orçamentos das iniciativas voltadas à alimentação.

"A redução de orçamento para ajuda humanitária, inclusive voltadas para alimentação, a batalha da ONU para responder às crises e o corte de orçamento do Programa Alimentar Mundial e da FAO também compõe o cenário de crise global", diz.

Sem as agências de fomento às políticas de alimentação, os países precisam sobreviver ao impasse de superar as mudanças do clima para conseguir produzir, enquanto observam o poder de compra do consumidor interno e externo. Neste sentido, o Brasil é um país que chama a atenção. Afinal, a volatilidade do mercado internacional reflete nas commodities e isto influencia na inflação dos alimentos dentro do país.

Elisabetta Recine é membro do painel IPES-Food e professora do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília. Ela explica que a inflação dos alimentos é composta por diferentes fatores, como clima, demanda internacional, custos de produção, entre outros. No entanto, em paralelo, o financiamento público para produção de commodities cresce e não contribui para a produção de consumo doméstico.

A conjuntura global não é justificativa suficiente para que políticas públicas de alimentação fiquem estagnadas. Simultaneamente, segundo Elisabetta, a aprovação da Lei Geral de Licenciamento Ambiental no Senado corrobora com um sistema alimentar que privilegia a expansão do agronegócio industrial em detrimento da produção de alimento local.

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"Estamos enfrentando os próximos passos de uma guerra por alimentos. Precisamos nos basear em outros modelos de sistemas alimentares bem-sucedidos para expandir o acesso à comida. Temos que reduzir o gap entre meio ambiente, direitos e impostos mais justos para o alimento", avalia a especialista em saúde pública.

Uma das soluções propostas pelo IPES-Food é fomentar a produção doméstica de alimentos, no sentido de promover não somente o cultivo, mas também desenvolver um modelo cooperativista que chegue a atender mercados locais ou territoriais.

"As contas para importação de comida estão ficando mais altas e há nisso também um custo ecológico. Uma parte do mundo não está fazendo sua parte e empurra a conta para o Sul Global", Jennifer Clapp observa.

Aliás, dentro do contexto global, também vale observar a atualização climática anual e decenal da OMM (Organização Meteorológica Mundial), para o intervalo entre 2025 e 2029. Nele, o órgão estima que exista 80% de possibilidade de, até 2029, haver pelo menos um ano que supere as altas temperaturas de 2024 - o ano mais quente registrado.

A partir do relatório, pode-se compreender que a mudança nos padrões de precipitação tende a afetar significativamente várias culturas. Algumas das mais afetadas incluem arroz, milho, soja, trigo, café, cacau, cana-de-açúcar e algodão.

O Brasil, enquanto grande fornecedor mundial de grande parte destes produtos, tem realmente um papel relevante na segurança alimentar do mundo. Entretanto, em um horizonte de guerra por comida, pensar na própria segurança alimentar e o abastecimento da população se faz estratégico.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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