Mariana Grilli

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Reportagem

Guerra entre Israel e Irã afeta preço dos fertilizantes e safra 2025/26

A escalada da guerra entre Israel e Irã já se reflete em instabilidade no mercado de fertilizantes, sobretudo na ureia, importante adubo para a agricultura brasileira. Alta do petróleo e impacto na logística marítima também estão entre as preocupações.

O Irã é o terceiro maior exportador de ureia do mundo, cuja produção anual é de cerca de 4,8 milhões de toneladas, o que significa 10% da oferta global. Logo, a guerra no Oriente Médio tem consequências praticamente imediatas ao Brasil - sobretudo no momento atual de planejamento da safra 2025/26.

O Brasil importa 100% da ureia que utiliza, sendo que 17% vêm do Irã. De acordo com a consultoria Agrinvest, o impacto chegou em poucos dias: o fertilizante subiu de US$ 399 por tonelada para US$ 500 por tonelada em menos de uma semana.

Tensões no Oriente Médio também já levaram à interrupção da produção de ureia no Egito. Israel reduziu a produção de gás em polos estratégicos, impactando diretamente o Egito, que utiliza esse insumo na fabricação de fertilizantes. Isto mexe na oferta do mercado global.

Diversos fornecedores decidiram retirar as ofertas do mercado até que haja mais clareza sobre os efeitos do conflito na oferta e na demanda, segundo a empresa de serviços financeiros StoneX.

Também há preocupação com a alta do petróleo e os desdobramentos para o diesel, o biodiesel e, consequentemente, os custos de fretes marítimos e rodoviários. "O transporte rodoviário responde por mais de 60% da logística agrícola brasileira. A alta do diesel encarece o transporte interno de grãos, insumos e alimentos, pressionando margens", explica Carlos Cogo, consultor de mercado especialista em agronegócio.

Ao mesmo tempo, ele pondera, a procura pelo biodiesel pode aumentar e elevar os preços da soja, matéria-prima que representa 70% da produção brasileira de biodiesel. Isto pode beneficiar as cotações para os exportadores brasileiros.

"O etanol torna-se mais atrativo para as usinas, principalmente no Brasil, que lidera a produção global. Como resultado, há desvio de cana para etanol, reduzindo a oferta de açúcar e elevando seu preço", explica o fundador da COGO Inteligência de Mercado.

Outro benefício pode recair sobre o algodão, à medida que o poliéster derivado de petróleo tende a encarecer e abrir margem para o mercado da pluma brasileira.

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Logística

A dependência das rotas marítimas pelo Estreito de Ormuz cria um cenário de "risco sistêmico", já que a rota é utilizada por cerca de 20% de todo o petróleo comercializado globalmente, diz Cogo. "Um eventual bloqueio iraniano ou qualquer tipo de interrupção no tráfego marítimo elevaria o preço do petróleo e do gás natural, gerando efeitos colaterais importantes nos custos logísticos e de insumos para a produção agropecuária mundial, especialmente no Brasil", afirma.

O Irã é o maior importador de milho brasileiro e o quinto maior comprador de soja. Embora a escalada do conflito possa comprometer o acesso a este mercado, pessoas envolvidas com o comércio internacional dentro do Ministério da Agricultura já avaliam outros mercados abertos que podem compensar o volume de exportações ao Irã.

Nesta nova movimentação geopolítica, Renata Cardarelli, especialista em agricultura e fertilizantes da Argus, diz que produtores chineses de sulfato de amônio já apontam para um aumento nas consultas por esse fertilizante.

"As tensões no Oriente Médio elevaram os preços de ureia no mercado de papel, enquanto incertezas com relação à disponibilidade global do nitrogenado e a potencial restrição na oferta contribuem para que muitos participantes se retirem do mercado físico", explica Renata.

Plano Safra 2025/26

A guerra entre as duas nações do Oriente Médio estoura em um momento decisivo para produtores. Aqueles que já efetuaram as compras dos fertilizantes para a safra 2025/26, contam com uma logística afinada para que os insumos cheguem a tempo da aplicação. Outros ainda estão decidindo volumes para importação e agora passam a ficar suscetíveis à alta dos preços - e o risco dos prazos de entrega também.

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"Ainda que os impactos sobre os preços da ureia no Brasil ainda não estejam completamente definidos, o momento não é favorável para os compradores, especialmente os que ainda não realizaram suas aquisições", avalia Renata Cardarelli.

Carlos Cogo já projeta que a alta nos preços deve ser sentida também na precificação de safra de verão, ou seja, a primeira safra 2025/2026, e no milho de segunda safra, em 2026. Isso porque, os custos elevados para plantio vão refletir diretamente na formação dos preços das commodities no mercado internacional.

Plano Nacional de Fertilizantes

Não é a primeira vez - nem deve ser a última - que a agricultura brasileira se vê impactada por conflitos geopolíticos que acontecem do outro lado do globo. Em 2022, a guerra após invasão da Ucrânia pela Rússia fez eclodir a preocupação sobre a dependência de importação dos fertilizantes.

Como resposta, o governo federal lançou o Plano Nacional de Fertilizantes, em 2023. Ele foi construído e aprovado pelo Conselho Nacional de Fertilizantes (Confert), colegiado presidido pelo MDIC (Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio, do qual fazem parte outros seis ministérios (Mapa, MCTI, MDA, Fazenda, MMA e MME), além de Embrapa, Petrobras, CNA e CNI.

Com metas e diretrizes para reduzir gradativamente a dependência do Brasil por importação, até 2050, o plano visa atrair R$ 10 bilhões em investimentos para fábricas de fertilizantes nitrogenados e fábricas de fertilizantes fosfatados e potássicos.

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Algumas das metas do plano visam 2025, a exemplo de atingir, em termos de capacidade instalada, 2,9 milhões de toneladas/ano em nutrientes de P2O5 (pentóxico de fósforo) contido e 1,1 milhão de toneladas/ano em nutrientes de K2O (óxido de potássio) contido. Além disso, o planejamento prevê aumentar a produção e oferta de fertilizantes orgânicos e organominerais em, pelo menos, 25% até 2025 e atingir, em termos de capacidade instalada, 5 milhões de toneladas/ano de remineralizadores a partir de produtos e coprodutos até 2025.

Questionado sobre o alcance destas metas e o andamento do PNF, o MDIC afirma que os resultados só serão conhecidos em 2026. "Porém, os investimentos em curso e alguns resultados já apresentados pelo setor mostram que o país caminha no sentido de alcançar os objetivos previstos no PNF", afirma a pasta em nota.

Reportagem

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