Guerra e juros nos EUA reduzem espaço para corte mais agressivo na Selic
Até o início do ciclo de cortes de juros no Brasil, em agosto, os olhos dos analistas de mercado e economistas estavam voltados para a inflação brasileira. A resiliência da nossa inflação e a distância dos preços praticados para o centro da meta (de 3,25% para 2023) levaram o Banco Central a adiar o início dos cortes, apesar da pressão pública feita pelo presidente Lula ao longo do primeiro semestre.
De agosto para cá, com a inflação brasileira sob controle, os aumentos dos juros nos EUA e, mais recentemente, a alta do dólar e a guerra entre Israel e o Hamas passaram a ser mais determinantes, reduzindo o espaço para cortes mais agressivos, além do 0,5 ponto percentual sinalizados pelo Banco Central do Brasil, adicionando incerteza em relação à duração do ciclo de cortes. O movimento consolida a tendência de um ciclo de cortes de 0,5, sem a clareza de quando ele irá terminar, ao mesmo tempo em que a autoridade monetária reavalia os cenários externo e interno.
A possibilidade de cortes maiores em 2024, de 0,75 a partir de janeiro, foi levantada por agentes de mercado, embora sem consenso, no início de agosto. As mudanças externas de lá para cá, especialmente nos Estados Unidos e novos conflitos, que devem pressionar preços internacionais, tiraram essa possibilidade da mesa por enquanto.
Ainda antes do início da guerra em Israel, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse a interlocutores que entendia que o cenário global ganhou relevância no debate do corte de juros no Brasil, na medida em que mesmo com inflação sob controle, os juros americanos podem acabar se tornando uma espécie de "piso" para os juros brasileiros.
Nas últimas semanas, Haddad conversou com o Nobel da Economia Joseph Stiglitz, que acompanha de perto o debate americano sobre os juros. A leitura de Stiglitz é que a pressão sobre os juros americanos deve começar a arrefecer em meados de 2024, o que pode coincidir com o debate brasileiro sobre o fim do ciclo de cortes da Selic. Se esses dois movimentos coincidirem, será positivo para o Brasil, que chegaria perto de um juro neutro e voltaria a ganhar atratividade e potencial para atrair recursos estrangeiros.
Eu conversei com o economista João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital. Ele lembra que as últimas comunicações do Banco Central, tanto em relatórios como em entrevistas do presidente Roberto Campos Neto e do diretor de política monetária, Gabriel Galípolo, apontam para uma redução no espaço de corte de juros em função de vários fatores:
"O movimento no juro americano muito acentuado, a atividade muito forte, as questões fiscais e a discussão de juros neutros nos EUA, isso tudo interfere bastante a acaba sendo mais um dos elementos que o Copom observa no ciclo. Nas duas últimas comunicações oficiais, o Banco Central fala dessa barra mais alta [maior dificuldade], com aumento das condicionantes necessárias para acelerar o ritmo de cortes dos juros. Há ainda a pressão de inflação de longo prazo, que estão desancoradas em 3,5%".
Para Savignon, em função dessa redução de espaço, o diretor de política monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, tem falado em serenidade e cautela: "Não é à toa. O espaço está apertado".
Nesta segunda-feira (9), Galípolo falou que o Brasil deve seguir o ritmo de cortes de 0,5 ponto apesar do cenário internacional mais desafiador, enquanto ajusta e observa fenômenos domésticos e internacionais para ter tempo de depurar esses fenômenos.
"A gente tem um cenário mais desafiador do ponto de vista internacional nesse segundo semestre, com desafios novos que vão surgindo, inclusive conflitos no final de semana, mas que é compensado por um cenário mais benigno do ponto de vista doméstico. O Brasil consegue seguir o ritmo de corte de juros que foi anunciado em agosto porque do lado benigno tivemos surpresa de crescimento e inflação, há um processo de desinflação em curso, lento, mas em curso em direção à meta do Banco Central, apesar do mercado de trabalho aquecido sem pressionar a inflação, o que tem sido observado no mundo todo".
Qual o cenário de queda de juros nos EUA?
O mercado aposta em início de cortes nos Estados Unidos a partir do segundo semestre de 2024. O economista João Savignon explica: "Isso é o que está precificado hoje [6] na curva, no final do segundo trimestre do ano que vem eles poderiam começar a cortar. Ainda é minoritária a percepção de que o BC americano irá subir juros de novo na reunião de novembro, em torno de 30%. Mas ele tem que reavaliar e o ponto final disso tudo é a inflação efetiva, é o que vai determinar a política monetária por lá".
O que mais pode pressionar a inflação brasileira e com isso reduzir ainda mais o espaço de cortes de juros no Brasil?
Os economistas observam a inflação de serviços, as flutuações do dólar, os impactos nos preços causados pelo fenômeno El Niño e os impactos da guerra entre Israel e o Hamas nos preços internacionais do petróleo.
O presidente Lula vai voltar a pressionar por quedas maiores de juros?
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Quero receberNão há sinalização de que o presidente volte a pressionar por quedas maiores. Além da visão do ministro da Fazenda, que entende que o cenário externo é mais desafiador, o encontro entre Lula, Haddad e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, inaugurou uma nova fase de relação institucional entre eles, com menos enfrentamento público.
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