Uso do Bolsa Família em apostas levanta dúvidas sobre programas sociais
O dado divulgado na semana passada pelo Banco Central sobre o volume de recursos usados por beneficiários do Bolsa Família para apostas alarmou o governo, que estuda uma série de medidas para evitar que um grande volume do dinheiro distribuído para necessidades básicas acabe nas bets.
Mas esse não foi o único efeito da pesquisa feita pelo BC. Os números, quando analisados com outros dados, também levantam questionamentos sobre a eficácia dos programas e sobre o tamanho da rede de proteção social brasileira, turbinada no pós-pandemia.
Estudo feito pelo Poder360, em uma compilação inédita de dados, mostra que o custo da política brasileira de bem-estar social gira em torno de R$ 397 bilhões ao ano, e teve um crescimento de 24% apenas em 2024. Com o desvio de finalidade do Bolsa Família para as apostas fica a pergunta: o volume de recursos é o necessário, ou está excessivo, a ponto de deslizar para as apostas?
O trabalho feito pelo Poder360 mostra alguns efeitos importantes do volume atual de benefícios, especialmente sobre o mercado de trabalho e sobre as contas do governo:
- Em 12 dos 27 estados (todos os Estados do Norte e Nordeste, menos Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima) há mais beneficiários do Bolsa Família do que trabalhadores com carteira assinada.
- Com a soma de benefícios, incluindo estaduais, uma família de até cinco pessoas pode ganhar até R$ 1.763,50 por mês, e pessoas com idade ativa podem estar deixando de procurar emprego. A soma pode chegar a R$ 3.578,50 caso a família esconda vínculos, o que o governo está tentando combater com o pente-fino.
Não há apenas efeitos negativos, o aumento dos recursos de transferência de renda levou à redução da pobreza extrema, que caiu pela metade, e tem impacto positivo no próprio crescimento da economia brasileira e do mercado de trabalho.
Tudo indica que esse crescimento não é sustentável. Os dados dos dois estudos mostram que o governo está diante de uma encruzilhada. Programas sociais são a marca de Lula desde o primeiro mandato e cortar benefícios é algo politicamente inviável.
Por outro lado, sem ajustes, o caminho que se desenha é, além de crescimento que não se sustenta, por não ser acompanhado pelo ganho de produtividade da economia, o de dívida crescente. O governo admite que a dívida bruta brasileira deve atingir 81% do PIB já em 2026, o que também dificulta a volta do grau de investimentos pelas agências de classificação de risco.
O governo parece não ter escolha que não seja promover ajustes. Já há um pente-fino em curso, mas os dados recentes deixam claro que os ajustes não podem ser tímidos.
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