Todos a Bordo

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Reportagem

Pai proibiu, e ela não ouviu: Ada Rogato foi pioneira da aviação brasileira

Embora estejamos para completar 119 anos do primeiro voo do 14-bis de Santos Dumont, a presença de mulheres na aviação ainda é muito pequena em comparação com o total de homens pilotos. Das 152 mil licenças expedidas para pilotos desde a década de 1970 no Brasil, apenas 2,7% delas foram para mulheres.

Lá atrás, pela década de 1930, uma paulistana chamada Ada Rogato foi contra a maré e o machismo da época e se tornou a primeira piloto de planador da América do Sul e a terceira brasileira a pilotar um avião (a primeira foi Thereza de Marzo, em 1922, quando Ada tinha apenas 12 anos).

Sua trajetória já poderia ser considerada incrível para alguém nos dias de hoje, imagine para a época.

Pai era contra

Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil. Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião
Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil. Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião Imagem: Acervo UH/Folhapress

Ada Rogato nasceu em 22 de dezembro de 1910 no bairro do Cambuci, em São Paulo (SP). Filha de imigrantes italianos, seu pai, Guglielmo, havia sido contratado pelo governo de Alagoas para trabalhar como fotógrafo das atrações do estado em 1920.

Naquela época, já havia despertado a vontade de voar em Ada. Seu pai, entretanto, rechaçava essa ideia, alegando que ela já tinha de tudo para conseguir um bom casamento: Estudou piano e pintura com professores particulares, além de ter concluído o colégio.

Em 1930, entretanto, ela pôde se livrar desse ambiente que reprimia sua vontade de ganhar asas. Guglielmo, enquanto viajava pelo interior de Alagoas, apaixonou-se por outra mulher.

Nesse momento, sua mãe, Maria Rosa, sabendo do ocorrido, levou a futura aviadora para São Paulo, se instalando no bairro de Santana, próximo ao aeroporto Campo de Marte. Nesse local, sua história iria mudar definitivamente.

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Aprendendo a voar

A aviadora brasileira Ada Rogato ao lado de seu avião Cessna, apelidado de "Brasil", no aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP), em 1956
A aviadora brasileira Ada Rogato ao lado de seu avião Cessna, apelidado de "Brasil", no aeroporto de Congonhas, em São Paulo (SP), em 1956 Imagem: Manuel de Souza/Folhapress

Em 1934, Ada já tinha 24 anos e ainda não tinha realizado o sonho de voar. Naquele ano, uma comitiva de pilotos alemães de voo a vela, que é aquele realizado em planadores, se apresentou no Campo de Marte.

Ali ela conheceu Hanna Reitsch, única mulher do grupo e que já detinha diversos recordes aos 22 anos. Inspirada por sua história, Ada foi a primeira mulher da América do Sul a obter um brevê (nome popular da licença para pilotar aeronaves) de planador, ainda em 1935.

Em 1936, foi a terceira mulher a obter licença para voar aviões no Brasil, com apenas 2 horas e 20 minutos de treinamento. A partir dali, ela foi conquistando cada vez mais espaço e demonstrando sua capacidade em realizar grandes feitos na aviação.

No ano de 1940, ela foi admitida no Instituto Biológico, órgão do governo do Estado de São Paulo, como datilógrafa. Isso foi fundamental para ela conseguir financiar suas próprias aventuras enquanto mantinha uma rotina de trabalho.

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Reides pelas Américas

Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil, em seu avião "Brasil". Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião.
Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil, em seu avião "Brasil". Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião. Imagem: Manuel de Sousa/Folhapress

Um reide, termo comum na aviação, é uma viagem longa. E Ada Rogato fez vários desses durante toda sua vida de aviadora.

Em janeiro de 1950, ela havia conseguido uma licença do ofício no Instituto Biológico de São Paulo e iniciou uma série de reides pelas Américas. Antes de partir, ela havia declarado:

Vou animada e certa da vitória
Ada Rogato, antes de partir para um reide pelas Américas

As viagens de Ada incluíam os seguintes roteiros:

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  • Em 1950, passou por Paraguai, Argentina, Chile e Uruguai, se tornando a primeira brasileira a cruzar os Andes em um trajeto de 11.200 km em 116 horas de voo. Nessa empreitada, ela também foi a primeira mulher a saltar de paraquedas nos países vizinhos.
  • Em 1951, fez o circuito pelas três Américas, onde passou por todos os países do continente, exceto a Bolívia, chegando ao círculo polar Ártico, no Alasca (EUA). Foram 51 mil km voando sozinha em um avião de pequeno porte.
  • Em 1956, durante o Ano Santos Dumont, em homenagem aos 50 anos do primeiro voo com o 14-bis, ela voou por todo o território brasileiro. Foram 25 mil km em 163 horas de voo.

Ela começou essa aventura quando já tinha 40 anos. À época, a expectativa de vida média da população brasileira era de 46,8 anos, mostrando que, além de ser um exemplo das conquistas das mulheres, também superou o etarismo.

Ela sofreu um único acidente com avião durante toda sua vida. Em 1948, ela passou a prestar o serviço de polvilhamento aéreo para combate à broca do café na região de Cafelândia (SP), se tornando a primeira piloto agrícola do país. Uma falha na operação fez com que seu avião caísse em uma baixa altitude, mas, menos de um mês depois, ela teve alta e voltou a voar.

Paraquedas com o 'Diabo do Ar'

Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil. Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião.
Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil. Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião. Imagem: Acervo UH/Folhapress

Saltar de paraquedas também havia se tornado outro ramo do pioneirismo de Ada Rogato. Enquanto estudava para se aprimorar na administração pública, ela mantinha seus treinamentos em acrobacias.

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Após cinco anos de insistência, seu instrutor de salto finalmente havia aceitado ensiná-la. Ele era Charles Astor, um profissional muito exigente e apelidado de "Diabo do Ar".

Quando foi questionada sobre por qual motivo iria saltar de paraquedas, a piloto respondeu: para "mostrar que a mulher é capaz dos mais arrojados feitos". Assim, em 1941, ela se tornou a primeira paraquedista licenciada do Brasil.

Morte

Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil. Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião.
Ada Rogato, pioneira da aviação no Brasil. Foi a primeira mulher a obter licença como paraquedista, a primeira volovelista (piloto de planador) e a terceira a se brevetar em avião. Imagem: Wilson Melo/Folhapress

Ada se manteve no serviço público até o fim da vida, passando a trabalhar na Secretaria de Turismo, segundo a biógrafa da aviadora, a jornalista e escritora Lucita Briza.

Em seu livro "Ada. Mulher Pioneira Aviadora" (C&R Editorial), ela relata que, tempos antes da morte de Ada, ela conheceu Francis Richard Scobee, que comandou a última missão do ônibus espacial Challenger.

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Ele havia prometido que, assim que retornasse à Terra, passaria um tempo com amigos no Guarujá, no litoral de São Paulo, entre eles, Ada Rogato. Entretanto, com a explosão da nave, a promessa não se cumpriu.

Foi da cama do hospital onde ela estava que recebeu a notícia da morte do amigo. A aviadora tinha um câncer e não se tratou com a medicina tradicional, optando por chás em vez de buscar conselhos médicos.

Em 15 de novembro de 1986, Ada morreu. Ao seu lado, estava uma prima, que cantava para ela em seus momentos finais.

Avião restaurado

Avião Cessna que pertenceu a Ada Rogato em exposição no Museu Asas de um Sonho, em Itu (SP)
Avião Cessna que pertenceu a Ada Rogato em exposição no Museu Asas de um Sonho, em Itu (SP) Imagem: Divulgação

Este ano, um dos aviões que foram usados por Ada Rogato foi entregue restaurado pela Fundação Santos Dumont para ser exposto no Museu Asas de um Sonho, que fica junto à Fama (Fábrica de Arte Marcos Amaro), localizado no Centro Cultural Fábrica São Pedro em Itu (SP).

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A iniciativa é de Marcos Amaro, presidente-executivo da Amaro Aviation e filho de Rolim Amaro, fundador da companhia aérea TAM. A aeronave é um Cessna 140 de matrícula PT-ADV, que ficará exposta em uma sala exclusiva em homenagem à aviadora.

"Eu, infelizmente, não tive a oportunidade de conhecer a dona Ada, mas, como entusiasta da aviação, como aviador e agora como presidente do museu, eu me sinto muito honrado em poder falar sobre a história dela. [...] Também estamos recebendo da família, agora, alguns objetos, pertences, troféus e premiações pessoais da Ada, que a gente vai expor nessa sala, junto com o caderno de bordo do avião, documentação da Ada", diz Amaro.

O local ainda reúne diversas outras aeronaves, como réplicas do 14-bis e do Demoiselle, ambos de Santos Dumont, além de um Mirage que pertenceu à Aeronáutica e que está com uma pintura alusiva ao voo realizado pelo piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna na aeronave.

O museu fica aberto de quarta a domingo das 11h às 17h. O ingresso custa R$ 25 e permite visitar o Asas de um Sonho e a Fama; R$ 15 (entrada promocional para estudantes, professores, educadores e moradores de Itu). Às quartas-feiras (exceto feriados) a entrada é gratuita. Menores de 10 anos, maiores de 60 anos, Pessoas com Deficiência com um acompanhante, museólogos com registro no Corem (Conselho Regional de Museologia) e Membros Icom Brasil (Conselho Internacional de Museus) também têm entrada gratuita.

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