Por que temos a sensação de que mais acidentes aéreos estão acontecendo?

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A cada notícia envolvendo um problema relacionado à aviação, surge em algumas pessoas a impressão de que estão acontecendo cada vez mais acidentes envolvendo aeronaves. Embora, historicamente, tenha havido uma redução nesse número (2024 foi exceção, mas explicamos mais abaixo), o que justifica esse sentimento?
Efeito psicológico
O grande acesso às informações pode influenciar a percepção das pessoas sobre o assunto. Para a psicóloga e psicanalista Paula Regina Peron, professora do Curso de Psicologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), a presença das redes sociais nas vidas das pessoas aumentou globalmente, o que influencia essa questão.
"A troca de notícias, imagens e outros conteúdos é imensa e coloca as pessoas em maior contato com informações (falsas ou não). Provavelmente, isto participa da impressão de mais acidentes aéreos acontecendo. Há muita circulação de imagens de catástrofes, violências e outras imagens anteriormente mais protegidas, dada a banalidade desta circulação", diz Paula.
De acordo com o psicólogo Wagner de Lara Machado, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), a aviação em si tem particularidades que impactam de maneira diferente nas pessoas.
"Essa impressão é causada por processos cognitivos, conhecidos como vieses ou heurísticas. Esses processos são fundamentais para o desenvolvimento humano e adaptação da espécie, contudo, também podem levar a julgamentos e interpretações equivocadas sobre eventos cotidianos", afirma.
O professor continua: "Acidentes aéreos possuem geralmente ampla cobertura, reportagens detalhadas, imagens, depoimentos, e esse conjunto de informações faz com que a percepção das pessoas sobre este tipo de evento seja, em alguma medida, distorcida. Por exemplo, o viés de recência faz com que a gente dê mais importância para eventos recentes, assim, a grande quantidade de detalhes da cobertura desses acidentes cria uma forte memória (viés de enquadramento), que por sua vez será facilmente recuperada ao fazer julgamentos sobre acidentes de avião como mais frequentes (em comparação a outros períodos) ou com maior probabilidade de acontecerem (heurística de disponibilidade)", afirma Machado.
Dessa forma, uma vez que a pessoa esteja mais convencida do maior risco ou maior frequência desse tipo de acidente, ela vai procurar ou dar maior ênfase para as informações que reforcem essas crenças, o viés de confirmação, diz o psicólogo.
Ao mesmo tempo, a exposição à cobertura desses acidentes causam um impacto emocional negativo, "causando sentimentos de ansiedade e medo, levando a outro processo que é a superestimação das informações negativas (viés de negatividade, isto é, as informações sobre o acidente serão mais enfatizadas do que reflexões sobre estatísticas de acidentes, estimativas de probabilidades, entre outros)", diz Machado.
Por que chama atenção?
Em linhas gerais, há uma maior atenção das pessoas por acidentes de grandes dimensões, segundo Paula Peron. "No geral, posso dizer que há fascínio por catástrofes e violências, em especial do lugar de observador. A dor do outro nos livra do peso de nossas próprias dores, ameniza-as. A observação da dor dos outros é processo antigo na humanidade, vide espetáculos de batalhas e mortes, ainda em tempos da Antiguidade", afirma a psicóloga.
"Por outro lado, na aviação há um símbolo de liberdade, viagens e outros mundos, o que faz dela alvo dos desejos de muitos. Talvez, por isso, também fique tão observada e vigiada", conclui Peron.
Machado também afirma que a aviação é vista com fascínio. "Assim como o fascínio, a aviação também desperta o medo e a ansiedade envolvida com a antecipação de um acidente. Para algumas pessoas, esse medo e ansiedade extrapolam seus recursos internos e sociais para lidar com esses sentimentos, fazendo com que elas se afastem dessas experiências. Outras experimentam sentimentos negativos muito intensos ao serem expostas a notícias sobre acidentes. É sempre importante equilibrar a cobertura dos fatos com informações que possam dar a real dimensão do risco desses acidentes", conclui o psicólogo.
Piora em 2024
O ano de 2024 registrou um aumento no número de acidentes aeronáuticos em 2024, com 175 ocorrências. Nesse total, 44 delas registraram fatalidades, com 152 mortes ao todo.
Em tempo, o número de mortes foi o maior desde 2015. Mas isso se deve à queda do avião da Voepass em agosto de 2024, quando 62 pessoas morreram no acidente.
Em 2024, a média global também apresentou um leve aumento, segundo dados da Iata (Associação Internacional do Transporte Aéreo). No ano passado, foram registrados 1,13 acidente a cada um milhão de voos, ou seja, um acidente a cada 880 mil voos - não necessariamente fatais.
Esse número foi menor do que a média dos últimos cinco anos, com 1,25 acidente por milhão de voos. Entretanto, foi um pouco maior do que o índice de 2023, quando foi registrado 1,09 acidentes a cada um milhão de voos.
Particulares vs. Empresas
Grande parte dos acidentes aeronáuticos envolve aeronaves particulares e de pequeno porte que não estão sendo operadas por empresas aéreas. Nesse caso, a operação é feita por companhias aéreas e de táxi-aéreo.
Todas as operações aéreas possuem altos níveis de segurança exigidos, mas aquelas feitas por empresas têm camadas adicionais para garantir que não ocorram acidentes. Segundo Raul Marinho, piloto e diretor técnico da Abag (Associação Brasileira de Aviação Geral), essas etapas extras garantem que haja o menor risco possível de problemas.
Um exemplo é que, para se atuar em uma empresa, é necessário possuir uma carga de horas voadas maior do que a de um piloto particular. Outra questão é a presença de programas de prevenção de uso de substâncias psicoativas nessas companhias, o que não é mandatório fora desse segmento.
Para Marinho, a infraestrutura também conta. "Operações de empresas aéreas com grandes aviões podem operar em cerca de 150 aeroportos no Brasil, todos com uma infraestrutura maior. Já aviões menores podem pousar em mais lugares, mas não necessariamente tão estruturados. Aviões particulares, por exemplo, chegam a pousar em pistas de terra em fazendas, o que não ocorre com a aviação regular justamente pelas camadas extras de segurança impostas", afirma o piloto.
Ele ainda destaca que as operações comerciais são mais fiscalizadas. "Existem dois tipos de fiscalização, a inspeção de rampa e a vigilância continuada", diz Marinho, que explica, em síntese, as principais diferenças entre ambas:
Inspeção de rampa: É como uma blitz da polícia rodoviária em carros e todos estão sujeitos a ela, que é aleatória. É feita nos aeroportos, diretamente nos aviões, por fiscais da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Por uma questão de quantidade de servidores disponíveis no órgão, acaba ocorrendo quase que somente nos principais aeroportos, sendo observada com menor frequência em aeroportos menores.
Vigilância continuada: Empresas de táxi-aéreo e companhias aéreas precisam enviar constantemente para a Anac diversas informações sobre a segurança de suas operações. Entre elas, informações se os pilotos possuem experiência recente para realizar determinado tipo de voo, como está sendo feita a manutenção, treinamento das equipes, entre outras. Esse tipo de inspeção pode ser feita presencialmente por fiscais, que vão até as empresas acompanhar se os processos estão em dia com as normas vigentes.
Mesmo uma sendo diferente da outra, a segurança em ambas é elevada, afirma Marinho.
Como comparação, ele cita um levantamento sobre a quantidade de horas voadas frente ao número de acidentes observados:
Aviação particular: Um acidente a cada 11.781 horas voadas nesse segmento. Com uma velocidade média de 350 km/h, seria possível realizar 11 viagens à Lua ou dar 103 voltas na Terra pelo Equador antes de haver algum acidente nesse tipo de aviação. Ainda, no segmento particular, dois terços dos acidentes não envolvem mortes.
Aeronaves de até 19 assentos (operação por empresa aérea): Um acidente a cada 50.125 horas de voo. Com uma velocidade média de 450 km/h, seria possível ir 390 vezes à Lua antes de um avião sofrer um acidente.
Aeronaves com mais de 19 assentos (operação por empresa aérea): Um acidente a cada 787.401 horas voadas. Com uma velocidade média de 650 km/h, seria possível realizar oito viagens a Marte antes de ocorrer algum acidente nesse segmento da aviação.
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