Ex-funcionários da Voepass não recebem após demissões: 'R$ 0 na conta'
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Um mês após ter suas operações suspensas em caráter cautelar pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), a Voepass iniciou uma onda de demissões em abril. Embora a empresa não informe os cargos e nem a quantidade de pessoas demitidas, o UOL apurou que foram demitidos desde pessoas do setor administrativo, passando por equipes operacionais e até tripulantes (pilotos e comissários de bordo).
Agora, os demitidos relatam que não receberam sequer os salários de março ainda, e nem as verbas rescisórias. No dia 22 de abril, a Voepass deu início a um pedido de recuperação judicial, que ainda será analisado pela Justiça.
Caso prossiga, o processo dá à empresa um prazo para apresentar um plano de pagamento das dívidas, estimado em 60 dias, período em que não estaria obrigada a quitar as dívidas com credores, incluindo as dívidas trabalhistas.
Veja ao final da reportagem os posicionamentos da empresa na íntegra.
'Quem tem fome tem pressa'
O UOL ouviu funcionários e ex-funcionários da empresa - alguns pediram para serem mantidos em anonimato.
A ex-agente de aeroporto Priscila Oliveira da Silva, 38 anos, foi demitida em 15 de janeiro deste ano e tinha para receber pouco mais de R$ 10 mil em verbas rescisórias. Porém, ainda não recebeu o valor, segundo ela. Priscila trabalhava no aeroporto de Guarulhos e chegou a receber o documento da rescisão, porém, não assinou, já que não havia sido feito o depósito. "Não caiu nenhum real na conta. Disseram que iam pagar até dia 21 de janeiro, mas nada", disse.
Na rescisão dela não constam 50 horas que ela havia feito a mais a pedido da empresa, afirma a ex-funcionária. Priscila ganhava entre R$ 2.000 a R$ 2.100 mensalmente e agora, com a recuperação judicial, tem receio de não receber os valores. "Meu sentimento é de angústia, revolta. Antes da recuperação judicial, eu já tinha receio de não receber esse valor. Agora não sei. Está cada vez mais difícil e provavelmente eu nunca vou ver esse dinheiro", conta a ex-funcionária.
Outros ex-funcionários relatam que as horas voadas em fevereiro deveriam ser pagas até o dia 21 de março, o que não aconteceu. Às vésperas do pagamento do salário de abril, ocorreram as demissões (a partir do dia 15 de abril).
A Voepass diz que, após a protocolo do pedido de recuperação judicial ser registrado em 22 de abril, os salários, benefícios e rescisões trabalhistas serão abrangidos nesse processo, o que não há prazo para ser efetivado.
Os funcionários também dizem que a empresa não está regular com o pagamento do FGTS. Em nota, a empresa disse que esse pagamento vinha sendo realizado "a partir de um fluxo de parcelamento e que, a partir de agora, também estará incluso na medida". De acordo com os funcionários, a empresa pagava apenas quando tinha dinheiro em caixa.
O medo desses funcionários é que a rescisão não seja paga e que a empresa "empurre a dívida com a barriga". "Quem tem fome tem pressa", diz um dos trabalhadores que não recebeu nenhum pagamento recentemente, e que pediu para não ser identificado.
"Não recebemos nada. Nem salário do mês de março, e nem o parcial de abril. Não recebemos rescisão e nunca foi depositado o FGTS. Recebi o vale alimentação e vale refeição agora dia 1º de abril. O salário de março, eu receberia dia 21 de abril, mas não recebi", disse outro ex-funcionário da Voepass, de 34 anos. Ele explica que tem três filhas e esposa para sustentar e, por conta disso, já conseguiu outro emprego. O ex-funcionário, que trabalhou por dois anos na empresa, estima que tenha cerca de R$ 8 mil para receber, sem contar o FGTS, que nunca foi depositado. "Na sexta-feira (25), eles deveriam ter mandado documentação rescisória, e não mandaram", explica.
Há relatos de que 98% dos funcionários foram demitidos, restando apenas aqueles com estabilidade e um quórum mínimo para a empresa manter as operações. Funcionários mais antigos, como aqueles que estão há mais de 15 anos na empresa, já aceitaram outros acordos para não saírem no prejuízo, relatam.
Documentação com problemas
Entre a sexta-feira (25) e segunda-feira (28), funcionários que foram demitidos relataram que a documentação não estaria em ordem, dificultando o acesso ao seguro-desemprego. Em alguns casos, os nomes enviados para a homologação estavam abreviados, ou os dados estavam desatualizados, por exemplo.
De todos os ex-funcionários ouvidos pelo UOL, nenhum relatou ter recebido os valores devidos ainda.
Posicionamentos
Veja a íntegra da nota da Voepass sobre os salários atrasados:
"A VOEPASS Linhas Aéreas informa que o pedido de recuperação judicial, protocolado ontem (22/04), engloba todo passivo, incluindo o pagamento dos salários e benefícios do último mês e das rescisões de ex-colaboradores.
A empresa reforça que o passivo trabalhista é sua prioridade e que o próximo passo será a apresentação de um plano detalhado para aprovação dos credores e acompanhamento judicial, em até 60 dias, conforme determina a Lei nº 11.101/2005.
Já referente ao FGTS, a companhia informa que o pagamento sempre foi realizado a partir de um fluxo de parcelamento e que, a partir de agora, também estará incluso na medida."
Veja a íntegra da nota da Voepass sobre o pedido de recuperação judicial:
"A VOEPASS Linhas Aéreas anuncia hoje a adoção de um plano de reestruturação financeira, com apoio do instrumento legal de recuperação judicial, como parte de um movimento estratégico para reorganizar seus compromissos financeiros e fortalecer sua estrutura de capital. A medida é uma continuidade do processo de reestruturação financeira iniciado pela VOEPASS com o pedido de tutela cautelar preparatória, deferido pela Justiça em fevereiro deste ano.
A iniciativa ocorre em um contexto desafiador para o setor aéreo regional, que passa por uma diminuição da oferta de acesso ao transporte aéreo no interior do Brasil, e reflete o compromisso da companhia em preservar sua operação, manter o atendimento aos clientes e honrar seus compromissos com colaboradores e fornecedores.
Caso o pedido de recuperação judicial seja deferido pela Justiça, todos os passivos da Voepass serão congelados e negociados com base em um plano detalhado que será elaborado para atender todos os credores. É importante ressaltar que a medida não engloba os processos indenizatórios ligados ao acidente ocorrido em agosto de 2024, realizados diretamente pela seguradora.
Desde a notificação recebida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) em março, a VOEPASS vem atuando de maneira colaborativa e transparente com o órgão regulador, apresentando todas as comprovações técnicas e operacionais exigidas, com foco na segurança e na retomada das atividades o mais breve possível.
A VOEPASS já havia passado por um processo de recuperação judicial entre 2012 e 2017. Durante esse período, a companhia conseguiu reestruturar suas operações e finanças, o que resultou na estabilidade que permitiu novas fases de expansão.
"Com todo o cenário enfrentado pela companhia nos últimos meses, esta foi a única saída para realizar uma reestruturação completa e garantir que a VOEPASS volte a oferecer um serviço essencial para o desenvolvimento do Brasil. Atualmente, a VOEPASS é uma das únicas empresas totalmente dedicadas à aviação regional, além de ser responsável pela geração de centenas de empregos em todo o País", afirma José Luiz Felício Filho, CEO da VOEPASS Linhas Aéreas. "Nosso foco permanece inabalável em retomar nossa missão de conectar o interior do Brasil aos grandes centros o mais rápido possível. Nossa história de 30 anos é testemunha de nossa resiliência e capacidade de navegar por tempos difíceis."
Nos últimos três anos, a VOEPASS transportou mais de 2,7 milhões de passageiros em mais de 66 mil voos, cumprindo seu propósito estratégico e sustentável para a aviação regional.
A VOEPASS conta com a participação das assessorias jurídicas especializadas e experientes, Daniel Carnio Advogados, Mubarak Advogados Associados, assim como a assessoria financeira da EXM Partners, para formatação da medida."
Veja a íntegra da nota do SNA (Sindicato Nacional dos Aeronautas):
"O SNA lamenta a decisão da Voepass, de promover uma drástica redução de força de trabalho, e prestará todo o apoio jurídico necessário aos aeronautas, além de acompanhar de perto as questões que envolvem os direitos dos tripulantes.
Desta forma, o sindicato participará integralmente da homologação dos tripulantes e irá ingressar com medidas judiciais cabíveis para garantir que a empresa cumpra com suas obrigações trabalhistas.
Além disso, o SNA dará atendimento individual a todos os aeronautas associados, sendo importante ressaltar que o atendimento jurídico é gratuito, sem cobrança de honorários advocatícios.
Em outra frente, o SNA solicitou ao Snea (Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias) a manutenção do Passe Livre aos aeronautas da Voepass por, no mínimo 90) dias, a fim de possibilitar que os tripulantes possam buscar sua recolocação no mercado."
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