Porta solta, acidentes e volta ao topo: veja fatos sobre a crise da Boeing

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Na terça-feira (24), o NTSB, órgão que investiga acidentes nos transportes nos EUA, divulgou um relatório sobre o acidente com o avião Boeing 737 Max em janeiro de 2024. Nele, a fabricante norte-americana e a FAA, agência regulatória da aviação nos EUA, foram apontados como responsáveis pelo ocorrido (veja mais logo abaixo).
Esse é mais um episódio dentro das crises recentes que a Boeing tem enfrentado com seus aviões. Relembre alguns e como a empresa vem trabalhando para contorná-los e garantir a segurança dos aviões.
Novos problemas no 737 MAX
Quando parecia ter superado a crise do 737 MAX, a Boeing voltou às manchetes em janeiro de 2024 por mais um episódio considerado grave. Um avião da Alaska Airlines perdeu, em pleno voo, uma tampa de fuselagem conhecida como plug door, deixando uma abertura na lateral da cabine. Como resultado, sete passageiros e uma comissária sofreram ferimentos leves
A investigação revelou, inicialmente, que a peça havia sido instalada sem os parafusos que deveriam prendê-la definitivamente, mas, apenas, com fixadores temporários. O caso levou à inspeção urgente de centenas de aviões e travou a expansão da produção do 737 Max, além de levar o CEO Dave Calhoun a anunciar sua saída, em meio a uma nova onda de críticas e desconfiança. O problema, porém, não foi com o modelo, mas com a filosofia de produção da empresa, que permitiu que o erro acontecesse.
Conforme o NTSB (National Transportation Safety Board, ou, Conselho Nacional de Segurança nos Transportes), o acidente foi causado por falhas na supervisão e treinamento de funcionários da Boeing. A investigação revelou que quatro parafusos essenciais estavam ausentes, devido a uma falha no processo de fechamento do painel na fábrica da Boeing, sem supervisão adequada.
Além da Boeing, o NTSB também criticou a ineficácia da FAA (Administração Federal de Aviação) em fiscalizar problemas recorrentes na qualidade dos processos da empresa, dividindo a culpa entre ambas.
"As deficiências de segurança que levaram a este acidente deveriam ter sido evidentes para a Boeing e a FAA", definiu Jennifer Homendy, presidente do NTSB,
"Tenho muitas perguntas sobre o papel da FAA durante tudo isso. A agência é a última barreira de defesa quando se trata de garantir a segurança da aviação", afirmou Jennifer durante a coletiva de imprensa de divulgação dos resultados da investigação.
Volta (temporária) ao topo
No começo de 2025, a Boeing voltou ao topo das fabricantes em número de aeronaves entregues, passando a Airbus, mesmo que temporariamente. Hoje, a Airbus voltou a ser a que mais entregou aeronaves, com 243 unidades entregues até maio de 2025, frente a 220 da Boeing no mesmo período.
Hoje, a fabricante dos EUA está à frente apenas na quantidade de aeronaves de fuselagem larga entregues, como os modelos 787 e 777, com 53 exemplares no ano, frente a 25 da concorrente europeia. A queda geral no número de entregas da Boeing no meio do primeiro semestre do ano foi causada, principalmente, pelas tarifas impostas pelo governo do presidente Donald Trump (EUA), que geraram incertezas no mercado internacional e causou a suspensão de entregas do 737 Max para a China, que devem ser retomadas em breve.
Quedas do 737 MAX
Em menos de cinco meses, dois acidentes fatais com o Boeing 737 MAX chocaram o mundo e colocaram a Boeing no centro de uma das maiores crises da aviação moderna. Dois aviões caíram nesse curto espaço de tempo, sendo um na Indonésia, em 2018, e outro na Etiópia, em 2019.
As investigações revelaram que ambos foram causados por falhas em um software que corrigia as manobras chamado MCAS, que forçava o nariz da aeronave para baixo de forma automática e, muitas vezes, sem que os pilotos tivessem tempo de reagir.
Esse software passou a ser usado no 737 Max devido a mudanças no design do avião, levando à necessidade de correções automáticas no voo para compensar possíveis erros dos pilotos.
O modelo foi proibido de voar no mundo todo por quase dois anos, gerando prejuízos bilionários e manchando a reputação da fabricante. Internamente, surgiram denúncias de que executivos priorizaram a redução de custos e a pressa para competir com a Airbus, em detrimento da segurança. Além do impacto financeiro, a Boeing passou a enfrentar uma crise de confiança junto a clientes, reguladores e passageiros.
Após o período sem voar, os voos com o 737 Max foram retomados, sendo a primeira empresa a decolar com o modelo a Gol, no Brasil.
Parceria frustrada com a Embraer
Em 2018, a Boeing anunciou um acordo para comprar 80% da divisão de aviação comercial da Embraer, numa tentativa de competir diretamente com a Airbus no mercado de aviões de médio porte. O movimento foi uma resposta direta à parceria entre Airbus e Bombardier, que havia resultado no A220, um modelo que estava se tornando um sucesso de vendas à época.
O acordo previa a criação de uma nova empresa, controlada majoritariamente pela empresa norte-americana. Para a Embraer, isso significava acesso ampliado a mercados e estrutura global, e, para a Boeing, uma forma de disputar diretamente com a Airbus no segmento de aeronaves menores do que as que produz atualmente.
Porém, em 2020, em meio à crise causada pela pandemia e aos problemas com o 737 MAX, a Boeing rompeu o acordo de maneira unilateral. A decisão gerou atritos diplomáticos e foi encarada como uma traição por parte do governo brasileiro e da própria Embraer. A empresa americana alegou que a Embraer não teria cumprido certas condições, o que foi contestado judicialmente pela fabricante brasileira.
Problemas no 787 Dreamliner
O Boeing 787, um dos modelos mais avançados da empresa, também passou a enfrentar problemas de fabricação nos últimos anos. Inspeções internas encontraram falhas na montagem da fuselagem, como pequenas deformações e espaços entre componentes que poderiam comprometer a segurança no longo prazo.
As entregas do modelo ficaram suspensas por mais de um ano, entre 2021 e 2022, até que a empresa conseguisse atender às exigências da FAA, a agência de aviação dos Estados Unidos. O problema não só afetou a credibilidade do avião, mas também o fluxo de caixa da Boeing, já que muitos clientes só efetuam o pagamento na entrega da aeronave.
Naquele período, a empresa chegou a ficar com mais de US$ 25 bilhões em aviões do modelo parados. Antes, algumas peças específicas foram fabricadas com titânio considerado fraco para o modelo, mas o problema não afetaria a segurança de voo em um curto prazo e a empresa realizou um cronograma de trocas e inspeções nos componentes onde isso era necessário.
Atrasos com o 777X
Prometido como o maior e mais eficiente avião bimotor do mundo, o 777X virou sinônimo de atraso e frustração. Inicialmente previsto para estrear em 2020, o modelo sofreu diversos contratempos, incluindo falhas estruturais nos testes de carga e mudanças nas regras de certificação após a crise do 737 MAX.
O cronograma foi atrasado sucessivamente, e agora a primeira entrega é esperada apenas para 2025, no melhor dos cenários. Enquanto isso, parte dos clientes cogita rever encomendas, e a Boeing perde terreno no mercado de aviões de grande porte, um segmento em que antes reinava praticamente sozinha.
O que a empresa diz?
Consultada, a empresa enviou a nota abaixo sobre o caso da porta tampão com um link direcionando para uma página (em inglês) sobre seu plano de segurança e qualidade:
"Lamentamos esse acidente e seguimos trabalhando para reforçar a segurança e a qualidade em todas as nossas operações. Vamos analisar o relatório final e suas recomendações à medida que continuamos implementando melhorias. Você pode saber mais sobre nossos esforços para fortalecer a segurança e a qualidade, incluindo exemplos recentes de avanços e mudanças, neste link."
Atualizações de segurança
Em 2024, fui o único jornalista do hemisfério Sul convidado a visitar a Boeing para acompanhar as atualizações de segurança que a empresa adotou após as mais recentes crises. Durante os dias em que conhecemos as linhas finais de montagem dos modelos 737 Max, 777 e 787, foi possível observar a preocupação da empresa em retomar a confiança do setor.
Durante a visita, ficou visível que antigos processos de fabricação estavam sendo revistos (finalmente). As denúncias de supostas irregularidades e sugestões de melhoria envolvendo os procedimentos adotados na linha de produção passaram a ter um caminho mais seguro dentro da empresa, incentivando os trabalhadores a se manifestarem sem receio de represálias.
Ao mesmo tempo, também observa-se uma mudança no treinamento dos funcionários. Como esse é um setor altamente especializado, a empresa precisou mudar as rotinas de treinamento, aumentando a carga horária de prática antes de enviar os funcionários para a linha de montagem.
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