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O que é privatização? Ela é boa ou ruim? Quais aconteceram no Brasil?

Vinícius Pereira

Colaboração para o UOL, em São Paulo

12/08/2021 04h00

No centro do debate econômico brasileiro desde a década da década de 1980, as privatizações, que consistem na venda de empresas ou instituições públicas à iniciativa privada, continuam gerando polêmica no Brasil.

Para além da simples transferência de posse de um ativo público para as mãos de alguma empresa privada, tirando do Poder Público a função de gerir ou controlá-la, as privatizações também moldam um debate ideológico sobre o tamanho e o papel do Estado na condução da economia.

No Brasil, os anos 1990 marcaram a aceleração das privatizações, com destaque para as vendas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), da Vale do Rio Doce, hoje chamada apenas de Vale, e da Telebrás.

Após um período de concessões menores à iniciativa privada nos anos 2000, a entrega de empresas à iniciativa privada retornou à pauta após 2016 e mantém o debate aceso desde então.

Perguntas e respostas sobre privatização

O que é uma privatização?

A privatização é um processo de transferência de órgãos ou empresas estatais à iniciativa privada. Isso acontece quando o Estado precisa levantar recursos ou porque o governante acredita que manter aquela empresa já não faz mais sentido.

Empresa estatal é, por definição, toda aquela cujo controle acionário pertence em sua totalidade ou em sua maior parte ao Estado. Elas atuam, normalmente, em segmentos de interesse público, como os setores de energia, telecomunicações e infraestrutura.

Essa transferência à iniciativa privada ocorre por meio da realização de vendas, que costumam acontecer por meio de leilões públicos, venda de ações, deixando o governo como sócio minoritário, ou outros dispositivos previstos na Constituição.

Há quem defenda que o livre mercado predomine, enquanto outros acreditam que o Estado deve atuar em diversos setores econômicos.

Qual a diferença entre privatização e concessão?

O Estado pode utilizar dois mecanismos para transferir a gestão de um ativo público para a iniciativa privada: privatização ou concessão.

Na concessão, há apenas a transferência temporária da gestão a uma empresa privada. O Estado permanece como proprietário e retorna como gestor quando o período de concessão acabar.

Na privatização, essa transferência de gestão é definitiva, e o Estado, na maioria dos casos, não possui mais qualquer influência sobre a empresa.

Como as privatizações podem ocorrer?

A Lei Nº 9.491/1997, que estabelece os procedimentos vigentes hoje no Programa Nacional de Desestatização, prevê que a privatização de uma empresa pública pode ocorrer das seguintes formas:

  • Alienação de participação societária

É quando o Estado vende parte das ações da empresa para a iniciativa privada. Para ter uma privatização total, o Estado deve vender a participação majoritária da companhia por meio de leilões.

  • Abertura de capital

Quando o Estado faz a empresa lançar ações na Bolsa de Valores, permitindo que outros agentes comprem papéis da companhia.

  • Aumento de capital

Se a empresa já for listada na Bolsa, ela poderá emitir novas ações. Nesse processo, o governo não comprará as novas ações. Assim, sua participação na empresa será diluída, ao ponto em que o Estado não terá mais o controle dela.

  • Alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações

Esse modelo pode ser utilizado para que o Estado venda ativos como prédios e terrenos.

  • Dissolução de sociedades ou desativação parcial

Ocorre quando o Estado abre mão da participação em uma chamada "estatal mista" (parte pública e parte privada). Assim, a empresa torna-se apenas privada.

O que diz quem defende as privatizações?

Os defensores das privatizações argumentam, de forma geral, que empresas privadas conseguem ser mais eficientes do que as públicas e não consomem recursos do Orçamento público.

"Abrir mão de empresas públicas e passá-la para a iniciativa privada pode dar bons resultados, como no caso da Vale, das empresas de telefonia, entre outras", disse Paulo Dutra, professor de economia da FAAP.

Para o economista, a passagem do controle à iniciativa privada faz com que o país consiga gastar menos em setores não essenciais, deixando mais espaço para os gastos em saúde e educação.

"O primeiro benefício é a redução do gasto público. Então, digamos, que a empresa pública tenha um saldo negativo. Para eu cobrir esses custos, isso ocorre por meio de impostos ou por aumento de endividamento, tirando dinheiro da sociedade para colocar em uma empresa pública, que pode ou não prestar um serviço de qualidade", disse.

"Por isso, vale a pena iniciar um processo de privatização e regular o mercado, criando câmaras setoriais, para dar um poder maior para a população ter os seus benefícios atendidos", afirmou.

Mas, para Dutra, a privatização tem que ser acompanhada por uma regulação eficiente, para que se evite a formação de um monopólio privado, por exemplo, ou uma má prestação de serviços.

"A regulamentação é para definir como essas empresas serão cobradas depois de privatizadas", disse.

"Se eu sair de um monopólio público e for para um monopólio privado, eu só mudei o problema de mão. A questão de gerar mais serviços com menores custos ao consumidor se perderia", disse.

O que diz quem é contra as privatizações?

Os argumentos de quem é contrário às privatizações centram-se na capacidade do Estado de ter uma visão de investimentos de longo prazo, tolerando prejuízos em certos períodos da operação, e na atuação em setores em que a iniciativa privada não possui interesse, porque não são lucrativos.

Para André Roncaglia, professor de economia da Unifesp e pesquisador associado ao Cebrap, a entrega de empresas à iniciativa privada faz com que o Estado perca a capacidade de investimentos de longo prazo.

"As empresas estatais não têm necessariamente o objetivo de lucro no curto prazo, o que poderia fazer com que as decisões se voltassem ao retorno mais imediato, associado à rentabilidade, e não necessariamente à utilidade pública e social desse bem", disse.

Segundo o economista, uma empresa privada não é sempre mais capaz de gerir os recursos do que a empresa pública.

"Um ponto-chave na narrativa [de quem é a favor das privatizações] é que, se você privatizar uma empresa, ela ficará menos sujeita a influência política. Com isso, conseguiria ofertar um serviço melhor para a população. Mas, no geral, não é isso que acontece", disse.

"Em geral, trata-se exclusivamente de você transferir o controle de decisão do Estado para a iniciativa privada sob a alegação, muito pouco fundamentada, de que o setor privado seria mais eficiente no uso dos recursos", falou.

Para Roncaglia, há ainda a capacidade de a empresa estatal se interessar por setores que a iniciativa privada pouco observa.

"As empresas estatais não desempenham tarefas restritas apenas aos mercados em que elas atuam. Existe no mercado um elemento chamado de subsídio cruzado, que tem a ver com a capacidade de uma empresa estatal, por sua magnitude e abrangência, de alocar recursos naturais ou financeiros de partes de superávits para partes que enfrentam déficits", disse.

Por exemplo, a estatal usa o lucro obtido em uma região para compensar o prejuízo registrado em outra.

Como foram as privatizações no Brasil?

As privatizações no Brasil avançaram a partir do fim da década de 1980. Na época, o Estado passou pela chamada "reprivatização" pois vendeu companhias que haviam sido absorvidas pelo Estado, na maioria dos casos, em função de dificuldades financeiras.

Já na década de 1990, com a criação do Programa Nacional de Desestatização (PND), no governo Fernando Collor de Mello, a privatização tornou-se parte integrante das reformas econômicas.

Segundo o BNDES, nessa época, "a magnitude e o escopo da privatização foram significativamente ampliados". "A venda da Usiminas, por exemplo, em outubro de 1991, permitiu a arrecadação de mais que o dobro do obtido na década de 80", informa o banco, em nota.

No governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), intensifica-se o processo de transferência de empresas públicas ao setor privado, quando ocorrem algumas das mais famosas e polêmicas privatizações.

A então estatal Vale do Rio Doce foi vendida em leilão para um consórcio de investidores. Também foram privatizados vários bancos estaduais e começou o processo de privatização do setor de telecomunicações, com a venda de empresas como a Telesp para a espanhola Telefónica, por exemplo.

Nos anos após o governo FHC, o Estado passou a focar mais em concessões de ativos públicos, como estradas federais, do que em vender grandes empresas estatais.

O início do governo de Michel Temer (PMDB) retomou a agenda privatista, colocando de pé estudos para a venda da Eletrobras e dos Correios.

Eleito em 2018, Jair Bolsonaro escolheu como ministro da Economia o liberal Paulo Guedes, favorável à ampla privatização. Guedes prometia arrecadar R$ 1 trilhão com a venda de estatais e usar o dinheiro para abater a dívida pública.

Até o momento, nenhuma empresa grande foi vendida. Mas o governo já conseguiu autorização do Congresso para privatizar a Eletrobras. A privatização dos Correios tramita no Congresso.

Fonte: BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), FIA (Fundação Instituto de Administração), Paulo Dutra, professor de economia da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), e André Roncaglia, professor de economia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pesquisador associado ao Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)

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