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Temer vai congelar as poupanças da Caixa? Governo nega boato do WhatsApp

Sophia Camargo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/07/2017 04h00

Entra ano, sai ano, o boato sobre confisco de dinheiro dos brasileiros se espalha pelas redes sociais e causa temor. O boato da vez, que circula pelo WhatsApp e pelo Facebook, por exemplo, afirma que o governo do presidente Michel Temer irá bloquear as contas-poupanças da Caixa Econômica Federal.

Consultados, o Ministério da Fazenda e a Caixa disseram que a informação "não procede".

Boato espalha o medo

Confisco - Reprodução - Reprodução
Boato que circula no WhatsApp diz que governo vai confiscar poupança da Caixa
Imagem: Reprodução

O boato divulgado nas redes sociais diz, em mau português, que o "Governo Temer vai bloqueia (sic) dinheiro de contas bancaria (sic)". E faz o seguinte alerta: "Aviso Importante Galera quem tiver dinheiro na conta poupança da Caixa Tira!!! Mês que vem o governo Temer vai congelar todas as contas poupança da caixa. Acabei de ficar sabendo, por uma pessoa q trabalha na área Só pra avisar E quem puder repassa o aviso. Isso não é brincadeira!! Pelomenos vamos procurar saber!!!"

O texto ainda remete a um link de "phishing", usado por criminosos virtuais para obter informações pessoais, como senhas e dados bancários.

A empregada doméstica Eliana Pereira recebeu a mensagem, ficou com medo e decidiu tirar o dinheiro que tinha guardado na poupança da Caixa, transferindo-o para outro banco.

Tenho medo, quem é que não tem medo? A gente já não tem dinheiro, e quando vai na conta não tem nada? Fica doido, desesperado e vai reclamar com quem?

Para especialistas, confisco não é possível

Mas o medo dela não tem razão de ser, afirmam dois professores de Direito consultados pelo UOL: Marcelo Figueiredo, vice-presidente da AIDC (Associação Internacional de Direito Constitucional) e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, e André Ramos Tavares, professor titular de Direito Econômico Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da USP e PUC-SP.

Os dois especialistas afirmam que um confisco não é possível na democracia porque:

  • A Constituição proíbe confiscos
  • Se a lei fosse mudada, demoraria e ninguém seria pego de surpresa
  • A Justiça julgaria qualquer confisco inconstitucional
  • Um confisco poderia acontecer só numa ditadura

Constituição proíbe medida provisória sobre confisco

Não é possível haver confisco da poupança ou qualquer outro ativo financeiro na vigência do Estado Democrático de Direito, porque a Constituição proíbe expressamente qualquer medida provisória para confiscar dinheiro de poupança popular ou qualquer outro investimento.

O professor Tavares esclarece que a proibição está na Emenda Constitucional 32/2001, artigo 62, parágrafo 1º, inciso II: "É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria que vise detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro".

Medida provisória é um ato do governo federal que pode ser tomado sem consultar o Congresso e tem validade imediata.

"A Constituição é bem explícita e abrangente sobre a medida provisória, pois o problema maior está nessa medida de urgência, que pode ser editada e publicada com absoluta surpresa para toda sociedade", explica o professor.

Figueiredo diz que o confisco do Plano Collor foi tão traumático para a população que motivou a aprovação dessa emenda. "Entendo que essa proibição também alcança o Congresso Nacional, que está vinculado aos princípios e normas constitucionais", diz.

A lei pode mudar e confiscar dinheiro do cidadão?

Mas se a Constituição proíbe apenas a medida provisória, então, poderia haver uma mudança na lei para confiscar o dinheiro depositado em instituições financeiras pelo cidadão?

O professor André Tavares explica que não. "A Constituição proíbe qualquer tributo com efeito confiscatório (art. 150, inc. IV). Logo, se nem mesmo o tributo, que é uma forma válida de o Estado obter rendas, pode ter caráter de confisco, uma ação isolada do Estado, com o intuito exclusivo de promover o confisco, seria inconstitucional."

O professor Figueiredo afirma também que o governo não pode realizar um confisco dessa natureza sem a aprovação do Congresso Nacional.

"Isso não poderia ser feito de surpresa, teria de ser aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça. Qualquer deputado poderia entrar com uma ação barrando o projeto pelo fato de ser inconstitucional", diz. Nesse caso, o confisco, que precisa de surpresa, não funcionaria.

Além disso, as pessoas teriam todo amparo no Poder Judiciário para afastar esse tipo de conduta e proteger seus recursos.

Mesmo que o Congresso tentasse fazer uma nova Emenda Constitucional, a medida não seria válida. Segundo Figueiredo, existe a chamada "proibição de retrocesso social", que veta que leis retroajam para prejudicar ou retirar direitos já conquistados.

Nunca mais haverá confiscos de poupança?

Só é possível se for instaurada uma ditadura, ou Estado de Exceção.

Quando os poderes Executivo e Legislativo trabalham dentro dos limites jurídicos do Estado de Direito, ainda que governantes ou parlamentarem adotem leis e decretos inconstitucionais, sempre é possível ao cidadão recorrer à Justiça para ver seus direitos respeitados.

Mas o mesmo não acontece numa ditadura.

"Em uma ditadura não existe ordem jurídica, garantia constitucional, habeas corpus, nada. Não há que se falar em direito ou garantia jurídica, pois a ditadura mata e atropela os direitos dos cidadãos", diz Figueiredo.