Nem na crise o brasileiro deixa de comprar sua marca preferida de cerveja, afirmou Vanessa Brandão, diretora de marketing das marcas principais do Grupo Heineken, em entrevista ao UOL Mídia e Marketing. "O paladar não retrocede. Quando o consumidor experimenta algo que gosta, dificilmente ele volta atrás", disse. A cerveja é o item com maior queda nas vendas em volume (-15,6%) no primeiro semestre, em relação a igual período do ano passado, de acordo com um estudo da NielsenIQ, consultoria que monitora as vendas dos produtos nos supermercados. Para Brandão, no cargo desde janeiro de 2021, o consumidor prefere beber menos a comprar uma marca inferior. Veja abaixo a entrevista. Você cuida de três marcas de cerveja do Grupo Heineken: Amstel, Devassa e Tiger. Como isso funciona? Em qual faixa elas se encontram? Sim, é o segmento "mainstream puro malte", intermediário, que foi criado quando a Devassa virou uma cerveja puro malte (em 2016). Ali, começou-se a entender que o consumidor brasileiro tinha mudado. Passou a buscar um produto de maior qualidade, querendo saber mais sobre a receita. O mercado de cervejas premium (como Heineken e Stella Artois) cresceu muito nessa época e entendeu-se que havia uma oportunidade de democratizar o que antes só era encontrado nesta faixa, das cervejas puro malte. Um estudo da consultoria Nextop, divulgado neste mês, mostrou que a cerveja é um dos produtos que o consumidor tem deixado no carrinho na hora de escolher o que comprar. Como reaquecer o mercado, fazer com que o consumidor volte a comprar cerveja? | Vanessa Brandão, diretora de marketing das marcas mainstream do Grupo Heineken | Imagem: Divulgação/Gabriel FTX |
Estamos saindo da toca. Ficamos presos em casa, por causa da pandemia, e o consumo tanto no e-commerce quanto nos supermercados aumentou muito. O que vemos hoje é um movimento dos bares crescendo muito. E nossa estratégia também tem o foco de estar no bar. As pessoas querem consumir fora de casa. Já passamos por algumas crises no país, e o mercado de cervejas nunca retraiu do ponto de vista de "premiunização". O paladar não retrocede. Quando o consumidor experimenta algo que gosta, dificilmente volta atrás. E a cerveja tem o sentimento de recompensa, de ele escolher a cerveja que gosta. É um consumo que tem relação direta com o lazer das pessoas. Consumidor compra repertório. Pode ser que ele diminua a quantidade, mas não vai deixar de consumir a marca preferida. A Devassa tem 20 anos. Hoje, talvez ela nem fosse lançada com o mesmo nome e com o mesmo conceito daquela época. Como foi essa mudança da marca ao longo do tempo e que chega agora ao conceito de brasilidade, de falar da essência criativa do Brasil? A marca teve um reposicionamento quando passou a ser do Grupo Heineken. Ela foi criada por brasileiros, e essa transformação da receita em puro malte marcou muito a história da cerveja. Com Devassa, a gente fala que o "tropical transforma": que o brasileiro consegue dar seu toque a tudo que existe. A gente sempre transforma as coisas em algo melhor. Esse posicionamento de marca celebra o poder criativo do brasileiro, seja na música, na arte ou na cultura. E, quando você pensa em criatividade no Brasil, onde temos 56% de população negra, não temos como não falar de representatividade, de projetos que enalteçam a cultura negra. Temos a Iza como a grande embaixatriz da marca. É uma nova era de Devassa, que tem sido muito positiva para a marca. Nosso foco são as regiões Norte e Nordeste, e temos alcançado recorde de fatia de mercado onde atuamos. A Iza é a garota-propaganda da marca desde 2020. Ela resume tudo isso que vocês querem passar? | A cantora Iza é garota propaganda da marca desde 2020 | Imagem: Divulgação |
A Iza personifica bem os valores da marca. Ela é uma potência, brilhante, super criativa. Representa muito bem o poder criativo do brasileiro. Temos projetos muito interessantes com ela. No ano passado, por exemplo, produzimos uma série que se chama "Criatividade tropical: Abre as portas para o gueto", que está em exibição no Globoplay. A ação começou com o patrocínio da live de lançamento da música Gueto. Depois, percebemos que existia uma sinergia muito grande de história e intenções. Aí criamos esse projeto, que podemos chamar de cauda longa, que começou com a live e foi buscar talentos nos guetos para uma música junto com ela. Esses talentos fizeram uma nova música com a Iza —e tudo foi registrado nessa série, feita pela Trace Brasil, uma das maiores produtoras de conteúdo afro no mundo. No final, esses talentos foram cantar no palco do programa The Voice, da Globo, junto com ela. Você cuida do marketing de Amstel, que tem investido muito no Big Brother Brasil e no futebol, com o patrocínio da Copa Libertadores da América. Depois de trabalhar com públicos mais segmentados no lançamento, esses patrocínios são considerados "tiros de canhão" da marca, para atingir novos públicos? Pautamos sempre as ações na construção da marca. Vamos atrás de pilares e plataformas, experiências que conversem com o que a marca quer passar. Amstel é uma marca que nasceu em Amsterdã (Holanda), um lugar de respeito, tolerância, onde todo mundo é bem-vindo. E como essa marca vem para o Brasil, que é o país que mais mata pessoas trans no mundo? Como uma marca dessa atua nesse país, atua nesse contexto? Lançar a campanha I Am What I Am (sou o que sou, em tradição livre), com um casting inteiro LGBTQIA+, foi uma forma de buscarmos ser relevantes neste contexto, ainda mais dentro do BBB. Quando ouvimos o consumidor dizer que ele não aguenta mais ser visto só como uma letra e que ele é muito mais do que isso, decidimos transformar a marca numa página em branco, digamos assim, para que as pessoas se expressassem da forma que elas gostariam de ser vistas. Esse ano, na feira da diversidade, na Parada LGBTQIA+, retificamos mais de 860 nomes de pessoas trans que passaram a vida querendo mudar o nome. Foi a marca que proporcionou essa experiência marcante. Na Copa Libertadores, também atuamos assim, ainda mais com os casos de racismo recente em jogos contra times brasileiros. A marca se posicionou, se uniu ao Observatório da Discriminação Racial para dar apoio jurídico para vítimas do racismo levarem suas denúncias adiante. Há pouco mais de um ano, a Heineken trouxe para o Brasil a Tiger, uma de suas maiores marcas globais. Quais as lições desse primeiro ano de vida dela aqui? O consumidor quer variedade, e está muito ávido por qualidade. Esse segmento intermediário puro malte é do mesmo tamanho do mercado premium. É um segmento que cresce muito, e existia uma demanda muito grande por mais marcas diferentes. Tiger veio para preencher esse espaço: ela é uma das cinco marcas globais da Heineken. Foi criada em Singapura, nasceu num lugar extremamente quente, em 1932 e, naquela época criou-se uma tecnologia, a produção da cerveja em climas improváveis. Se você pensar, seria muito improvável, naquela época, imaginar que a cerveja fosse ganhar o mundo. Esse primeiro ano foi de lançamento, expansão, conquistando novos pontos de venda. Agora, colocamos a campanha no ar, que desafia o consumidor a sair do piloto automático e que pergunta: quando foi a última vez que você fez uma coisa pela primeira vez? Tiger vem para dar essa provocada: por que não conhecer uma cerveja de Singapura? PUBLICIDADE | | |