A provocação dos EUA na reordenação do mercado comercial mundial é um momento delicado de relação comercial e diplomática. Entre tantos setores que avaliam o cenário com cautela, o etanol de milho é um deles. Os EUA são o maior produtor do biocombustível no mundo, mas o Brasil vem se esforçando para mostrar que é possível disputar este mercado com mais sustentabilidade. Guilherme Nolasco, presidente da Unem (União Nacional do Etanol de Milho), recebeu o UOL no escritório de Brasília da entidade e conversou sobre os planos para expandir produção e exportação do biocombustível, além de apostar no DDG — coproduto da indústria do etanol utilizado para alimentação animal. Na visão de Nolasco, é importante que a exportação de milho se mantenha, mas será melhor ainda quando o país conseguir exportar cada vez mais produtos com valor agregado além da commodity. UOL — O Brasil tem ampliado a produção de etanol de milho, mas ainda está longe do volume dos EUA. Este momento de rearranjo do comércio global pode estimular o mercado brasileiro para exportação? Nolasco — A produção de etanol de milho no Brasil pode atingir quase 10 bilhões de litros em 2025 e já corresponde a 23% da produção nacional do biocombustível — o restante é etanol de cana. Os EUA produziram 58 bilhões de litros em 2023. Para o exterior, o Brasil já envia 2 bilhões de litros do derivado do milho e o setor mira expandir este volume, além de apostar no DDG. UOL — Quais mercados a UNEM mira, principalmente neste contexto atual da geopolítica? Nolasco — Sabemos que o Brasil enxerga uma oportunidade de exportar mais commodities para a China, incluindo o milho, mas isso não compete com o etanol. Temos produção o suficiente para alimentação, ração e combustível. Dito isso, Canadá e México sendo taxados pelos EUA são destinos interessantes, pois eles importam volumes expressivos de etanol de milho. UOL — Mas os "etanóis" de milho de Brasil e EUA têm características diferentes. Mesmo assim, é possível atender a demanda? Nolasco — A molécula do etanol é a mesma. O que acontece é que a densidade de carbono é muito menor no etanol de milho brasileiro, porque ele é produzido a partir de segunda safra, então há uma pegada de carbono menor. Os EUA fazem a geração do etanol por meio do vapor de gás e no Brasil ele é feito a partir de cavaco de madeira do eucalipto. UOL — E o Brasil consegue receber mais por essa sustentabilidade? Nolasco — O mercado não quer reconhecer esta sustentabilidade, mas essa é uma agenda prioritária da Unem. Queremos mostrar a importância de reconhecer a análise de ciclo de vida do etanol de milho brasileiro, porque, ao termos esse reconhecimento e um possível valor agregado, os estoques globais se movimentam. UOL — Isso poderia gerar um desconforto com os EUA? Nolasco — O que enxergamos é a oportunidade de fazer uma agenda ambiental de etanol em conjunto. Brasil e EUA poderiam estar juntos nessa agenda, mandando blends de etanol para diversas regiões do mundo, contribuindo para o desenvolvimento de políticas públicas para misturar etanol na gasolina. Essa adição seria um apelo para incentivar a descarbonização na matriz de mobilidade e pode ser estimulado em países isoladamente ou nos blocos. UOL — Mas, neste momento, uma parceria com os EUA não poderia estremecer a relação com os chineses? Nolasco — Relações governamentais e institucionais são bastante sensíveis, é preciso saber dosar e manter os mercados que são extremamente importantes para nós. UOL — Fala-se da importância de o Mercosul se unir como bloco neste contexto de guerra tarifária. Como a Unem avalia a relação com os mercados vizinhos? Nolasco — O Brasil tem responsabilidade de liderar a agenda do etanol de milho no Mercosul. Argentina e Paraguai também produzem etanol de milho, Uruguai produz um pouco, enquanto no Chile todo combustível é fóssil e importado. O Brasil tem uma relação comercial com Chile enorme. Por que não adicionar etanol e biodiesel a troco das garrafas de vinho que importamos? É reciprocidade. UOL — O governo brasileiro tem se esforçado para abrir novos mercados. Existe interlocução com a UNEM para que o etanol chegue a mais países? Nolasco — Sim, participamos ativamente dessas discussões, até porque, se o país vai exportar milho para ração, queremos abrir mercado para o DDG. A visita recente do presidente Lula ao Japão também sinaliza mais parcerias com a Ásia. Oriente Médio e Ásia são responsáveis por 20% das exportações do DDG e trabalhamos nessa manutenção da agenda internacional, rumo a conquistar o mercado chinês. Isso não aconteceu no passado, mas acredito que estejamos maduros para atendê-los agora. UOL — Alguma perspectiva de data para que isso aconteça? Nolasco — Temos uma agenda internacional da Unem já prevista para os próximos dois anos. Para a China, esperamos avanços ainda neste primeiro semestre, e queremos mostrar nossa economia vocacionada para os biocombustíveis lá na COP30. |