O texto da reforma tributária que tramita no Senado (PLP 68/2024) tem fomentado a discussão sobre a isenção de impostos para insumos agrícolas. Nesta semana, o Partido Verde entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7.755) no STF para questionar benefícios aos agrotóxicos. No início de novembro, o ministro Edson Fachin, vice-presidente da corte, já havia realizado uma audiência pública sobre outra ADI (5.553) de desoneração de impostos para produtos como inseticidas, pesticidas e defensivos agrícolas. O PLP 68/2024 se assemelha às regras do Convênio 100/1997 do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária), que reduz em 60% a base de cálculo do ICMS sobre agrotóxicos. Do ponto de vista do Partido Verde, a norma é inconstitucional pois desobedece ao princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Instituições da sociedade civil endossam o raciocínio, a exemplo do Observatório do Clima. "Nos debates legislativos sobre o detalhamento da reforma tributária, é fundamental assegurar atenção para as distorções que estão sendo geradas em termos de fomento para combustíveis fósseis, agrotóxicos e outros produtos que têm impactos socioambientais claramente negativos. Essa situação colide frontalmente com o princípio do poluidor-pagador", diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima. Também foi levantado o questionamento sobre a isenção do tributo para insumos, enquanto produtos da bioeconomia correm o risco de ter elevação de impostos. De acordo com o Observatório do Clima, a concessão de benefícios fiscais a produtos como açaí, castanha-do-Brasil, macaúba e pequi teria um impacto fiscal mínimo de apenas 0,046% sobre a arrecadação nacional, o que representaria R$ 622 milhões, considerando comparativo com dados de 2023. Hoje, por exemplo, os principais estados produtores de açaí têm alíquotas que variam de 3,65% a 9,25%. Com a nova regra da reforma tributária, as alíquotas podem passar para até 27,97%, ou seja, pelo menos o triplo e podendo chegar a até sete vezes. Luís Cláudio Yukio Vatari, mestre em Direito Tributário pela FGV-SP e sócio da Toledo Marchetti Advogados, diz que o debate é de caráter transdisciplinar, pois envolve saúde, economia, direito e comércio internacional. Ainda assim, é equivocado comparar um insumo utilizado no começo da cadeia produtiva, como o pesticida, com outro do final do processo produtivo, como o açaí. "A questão da isenção dos produtos da cesta básica é tratada no Convênio 100, assim como a agropecuária está dentro do Convênio, o que inclui os insumos. Apesar de estar dentro do mesmo diploma legal, no convênio do ICMS, em força de lei, açaí e pesticidas são etapas diferentes da produção e isso faz diferença tributariamente", esclarece Yukio. O impasse é que, por um lado, defende-se que a redução dos tributos para os pesticidas favoreça os produtores rurais e viabilize a produção de commodities e alimentos do dia a dia. Por outro lado, isentar este segmento químico está desalinhado com as políticas públicas nacionais e os tratados internacionais para combater as mudanças climáticas. "Se o imposto aumentar, eu discordo que o Brasil vá diminuir o consumo de pesticida, mas vai se repassar o custo no preço final. O grande [produtor] continuará tendo capacidade de comprar o insumo e os agricultores de menor porte vão ter mais dificuldade e isso pode acarretar um alimento mais caro", avalia o advogado tributarista. A sugestão de movimentos ligados à bioeconomia é a inclusão dos "produtos da floresta" na cesta básica, com isenção fiscal. Isso, inclusive, pode garantir acesso à alimentação saudável que respeite as regionalidades, a exemplo do açaí no Pará. "É fundamental que se assegure tratamento justo aos produtos da sociobiodiversidade, para que sejam desonerados tributariamente, o que está longe de ocorrer nos textos em pauta", enfatiza Suely Araújo. |