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Pequenas farmácias lutam para sobreviver à escassez de remédios na Venezuela

31/05/2016 15h46

Caracas, 31 Mai 2016 (AFP) - Há seis meses a farmácia Tánamo não recebe remédios para pressão alta, nem antibióticos, mesmo sendo os mais procurados pelos pacientes em meio a uma escassez que afeta oito em cada dez medicamento na Venezuela.

Nas prateleiras permanecem duas das seis caixas de paracetamol que chegaram há quatro dias. Para compensar a queda na oferta de remédios, os donos desta pequena farmácia localizada em Chacao, ao leste de Caracas, enchem as estantes com vitaminas, tintas para cabelo, biscoitos e refrigerantes.

"Só recebo 20% dos produtos que peço. Dizemos às pessoas que elas tenham fé que poderão encontrar o remédio em outra farmácia", conta à AFP Sandra Chiamenti, encarregada pelo estabelecimento.

A Federação Farmacêutica da Venezuela calcula em 85% a escassez de medicamentos, apesar de o governo ter anunciado nos últimos dois meses atribuições milionárias de divisas para importar toneladas de medicamentos e insumos hospitalares de Cuba, Índia, Irã e China.

Mesmo que Chiamenti lide diretamente com as drogarias para estocar remédios, na semana passada teve que recorrer a quatro grandes farmácias para encontrar um medicamento para o colesterol.

Fundada em 1950 pela família Mathison em La Florida, ao norte de Caracas, a farmácia San Bosco fechou há um mês por falta de produtos e para repor o inventário.

"Tivemos que despedir funcionários que já trabalhavam conosco há 30 anos", disse à AFP Luis Mathison, administrador do local.

A ministra de Saúde, Luisiana Melo, atribui ao excesso de consumo o desabastecimento. O ministro de Indústria e Comércio, Miguel Pérez Abad, afirmou à AFP que o setor farmacêutico está requerendo 1.200 milhão de dólares para operar, ao invés dos 3.600 milhões que recebia.

Dependente das importações, o país petroleiro enfrenta um severo desabastecimento de alimentos e medicamentos em meio a uma enorme crise econômica agravada pela queda dos preços do petróleo, que colabora com 96% das divisas.

Pacientes desoladosDo outro lado do balcão, os compradores aparecem desolados quando o vendedor confirma que não tem o medicamento buscado.

María, que pede para reservar sua identidade, leva duas semanas à procura de um analgésico para aliviar a febre e as dores musculares que afetam sua filha, diagnosticada com o vírus do zika aos dois meses de vida.

"A única coisa que posso dar a minha filha é soro fisiológico porque não consigo nada", diz à AFP depois de receber a terceira resposta negativa do dia.

Outro de seus filhos, um adolescente de 15 anos, está com sarna. Vendo que não encontrava o creme prescrito pelo médico, recorreu a um amigo farmacêutico que preparou uma mistura com enxofre, curando o menino em três dias.

Agoniada também com a escassez de alimentos - calculada em 80% pela empresa Datanálisis - María teme que seus filhos adoeçam por falta de nutrientes já que comem somente um prato de batata com feijão por dia.

"Não há corpo que aguente a fome que estamos passando", lamentou esta vendedora de 40 anos que vive em Pinto Salinas, um bairro pobre ao norte de Caracas.

Em contraste, Rosario González, uma aposentada de 67 anos, se abasteceu de medicamentos em abril no Panamá: "Gastei minhas economias em dólares, mas ao menos trouxe os medicamentos", contou à AFP.

Os pacientes que necessitam de medicamentos de alto custo, subsidiados pelo Estado, fazem filas durante horas em Caracas para retirá-los no Seguro Social. Em outros estados quase "não estão recebendo tratamentos", denunciou em uma emissora de televisão local Francisco Valencia, presidente da ONG "Codevida".

Com a hashtag #AceitemAAjuda, Codevida lançou uma campanha pelas redes sociais para exigir que o governo permita o ingresso de medicamento enviados do exterior no país.

O governo nega a existência de uma crise humanitária, em conflito com a maioria de oposição no Parlamento, que discute uma lei para declarar situação de emergência, pedindo à Organização Mundial de Saúde (OMS) que envie suprimentos ao país.

No último 22 de maio, um grupo de ex-ministros de Saúde venezuelanos enviaram uma carta a Margaret Chan, diretora da OMS, onde exigem que ela "alerte sobre a falha crítica em proporcionar medicamentos essenciais e insumos básicos à população" venezuelana.

Vestidos com jalecos brancos, médicos do estado de Táchira (oeste), fronteira com a Colômbia, protestaram na segunda-feira (30) nas ruas com um cartaz: "Sem insumos não podemos trabalhar".