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Pfizer ou Sinopharm? No Oriente Médio, 'diplomacia da vacina' impera

26/01/2021 10h01

Jerusalém, 26 Jan 2021 (AFP) - Pfizer, ou Sinopharm? Estados Unidos, ou China? No Oriente Médio, as compras de vacinas contra o coronavírus levam em conta considerações médicas e técnicas, mas também geoestratégicas, o que mostra a crescente influência de Pequim na região.

Nos últimos dias, o governo israelense divulgou documentos, mostrando a extensão de sua colaboração com a gigante americana Pfizer, no âmbito de sua campanha de vacinação. Com mais de 25% de seus nove milhões de habitantes imunizados, é uma das maiores campanhas do mundo atualmente.

Em troca de uma entrega rápida, Israel fornece à empresa farmacêutica informações sobre o nível de imunidade e sobre os possíveis efeitos colaterais da vacina com base em indicadores como idade, ou histórico médico das pessoas vacinadas.

Essa estreita cooperação não surpreende, já que o Estado hebreu é o principal aliado estratégico dos Estados Unidos na região. Israel também encomendou milhões de doses do laboratório americano Moderna, uma vacina menos apreciada na região.

No Oriente Médio, países como Catar, Kuwait, Arábia Saudita e Omã apostaram na Pfizer. Iraque, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein preferiram diversificar e também compraram a vacina chinesa da Sinopharm.

Abu Dhabi e Bahrein, aliados de Washington que normalizaram suas relações com Israel nos últimos meses, chegaram até a participar da fase 3 dos testes clínicos da vacina chinesa, que os Emirados consideram "totalmente segura".

- "Rota da seda sanitária" -Para Yahia Zoubir, especialista em relações entre a China e o mundo árabe, essa escolha leva em conta considerações técnicas, como o custo das vacinas, ou os requisitos de armazenamento (-70°C para Pfizer, 2°C a 8°C para Sinopharm) -. E também geopolíticas.

Desde o início da pandemia, "tem havido um grande descontentamento com os Estados Unidos. O governo Trump se fechou em si mesmo, enquanto a China implantou toda uma diplomacia da saúde", disse à AFP este professor da Kedge Business School, na França.

"Os chineses têm sido muito mais ativos e cooperativos", afirma, dando o exemplo das máscaras, dos respiradores, ou dos seminários on-line com autoridades médicas de diferentes países.

"Hoje, com a nova rota da seda (um grande projeto comercial que une a China a diferentes economias), existe também uma rota da seda sanitária", sustenta.

Segundo ele, "a saúde está-se tornando um elemento da política externa da China, permitindo-lhe expandir seu círculo de amigos" em uma região onde as influências se misturam e que, para Pequim, responde por metade das importações de petróleo.

Os Estados Unidos exerceram "forte pressão sobre seus aliados para que não cooperassem com a China", disse Jonathan Fulton, especialista em relações China/Oriente Médio da Universidade Zayed, nos Emirados.

Mas, apesar dessas pressões, nessa crise de saúde que se originou em seu território, a China conseguiu se tornar um "ator de credibilidade", acrescenta.

Com seu novo projeto de rota da seda, Pequim busca "aumentar sua influência" no Oriente Médio, mas não substituir os Estados Unidos, diz Fulton.

- "Desvalorização da ciência" -Em outras partes da região, outros aliados leais dos EUA, como Egito e Marrocos, apostaram na Sinopharm.

Buscam, entre outras coisas, aproveitar essa colaboração para herdar eventuais centros chineses de produção de vacinas para o Oriente Médio e a África, segundo analistas.

"Parece claro que o prestígio de Pequim está crescendo cada vez mais", diz Steven Cook, analista do Council on Foreign Relations, um "think tank" em Washington.

"Nessa região, as pessoas consideram os Estados Unidos como a potência tecnológica mundial (...) Mas, até agora, esteve praticamente ausente dessa 'diplomacia da vacina'", afirma, antes de atribuir essa "ausência" ao ex-presidente Donald Trump, que "evitou a cooperação internacional e desvalorizou a ciência".

Nessa luta por influência, o Reino Unido conta com a vacina da AstraZeneca, que foi comprada por meia dúzia de países da região, enquanto a Rússia promove a sua própria, a Sputnik V.

Antiga aliada de Moscou, a Argélia encomendou a vacina chinesa, mas também a russa, mais barata que suas rivais ocidentais, mas cuja confiabilidade os jornais locais duvidam.

"Não aposte a saúde dos argelinos na roleta russa", alertou o jornal El Watan sobre uma vacina que também recebeu encomendas de Marrocos e dos palestinos.

Em Ramallah, sede da Autoridade Palestina, onde a comunicação com os Estados Unidos foi rompida com Trump, muitos aguardam a entrega da Sputnik, enquanto 2,5 milhões de israelenses receberam pelo menos a primeira dose da Pfizer, uma disparidade denunciada pelas ONGs.

Já o Irã, grande inimigo de Israel, rejeita as vacinas ocidentais e espera ser abastecido com imunizantes de Índia, China e Rússia, ou mesmo ter sua própria produção.

Embora a China apareça como a vencedora dessa "diplomacia da vacina", as coisas podem mudar, dependendo da entrega das vacinas e da atitude do governo de Joe Biden em Washington.

"O jogo ainda não acabou", avisa Jonathan Fulton.

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