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Senado sabatina Ilan Goldfajn: há conflito de interesses em ex-sócio do Itaú presidir BC?

Luciana Whitaker/Folhapress
Imagem: Luciana Whitaker/Folhapress

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil em Brasília

07/06/2016 09h01

O Senado sabatina nesta terça-feira (7) o indicado do presidente interino Michel Temer para o comando do Banco Central, Ilan Goldfajn. Após a sessão de questionamentos feita pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), o plenário da Casa deve votar em seguida se aprova sua nomeação.

A expectativa é de que senadores de oposição o interroguem sobre um possível conflito de interesses na sua nomeação para o comando do BC devido ao seu longo vínculo com um dos maiores bancos do país, o Itaú.

Ao ser indicado para o cargo, Goldfajn era economista-chefe do Itaú e sócio da instituição. Em sete anos à frente do cargo, ele coordenou uma equipe de análise econômica com objetivo de prover cenários para as diversas áreas do banco e também para os grandes clientes da instituição.

Segundo a assessoria do Itaú, Goldfajn já se demitiu do banco e vendeu suas ações, as quais tinha recebido enquanto era funcionário, como forma de remuneração adicional. "Ele não é mais sócio do banco e não tem mais ligação com o Itaú. Não há conflito de interesses aqui", explicou um assessor.

Na semana passada, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) chegou a apresentar requerimento à CAE para que solicitasse à Comissão de Ética Pública da Presidência da República a avaliação de suposto conflito de interesse na nomeação de Ilan Goldfajn. A medida sofreu resistência da maioria de seus colegas, e o petista acabou concordando em retirar o pedido.

"Um representante do maior banco privado do país está sendo indicado para presidir o BC, órgão responsável por fiscalizar todo o sistema financeiro nacional", afirmou Farias, ao apresentar o requerimento.

Na avaliação do senador, mesmo com a venda das ações, a ligação do economista com o banco se mantém. Ele observou ainda que Goldfajn teria acesso a informações "sigilosas e sensíveis" de todos os concorrentes do Itaú.

Economistas ouvidos pela BBC Brasil se dividem sobre o tema. Para alguns, é ruim que o BC seja presidido por uma pessoa com forte ligação com o setor privado, pois isso, acreditam, poderia levar a decisões favoráveis ao setor. Para outros, porém, esse currículo é positivo, na medida em que traz um conhecimento aprofundado do funcionamento do sistema financeiro na prática.

Qualquer decisão do BC tende a ter impacto sobre os bancos brasileiros, entre eles, o Itaú. Além de fiscalizar as instituições financeiras, o Banco Central fixa periodicamente a taxa básica de juros do país (Selic), parâmetro que baliza o custo dos empréstimos e a remuneração de investimentos financeiros. Também faz constantemente intervenções no mercado de câmbio (cotação do dólar) e controla o mercado de crédito.

O atual presidente, Alexandre Tombini, é funcionário de carreira do BC. Antes dele, porém, o banco foi presidido por economistas vindo do setor privado, como Armínio Fraga (1999-2003) e Henrique Meirelles (2003-2011).

Sindicato manifesta 'preocupação'

O presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do BC (Sinal), Daro Piffer, disse à BBC Brasil que vê com preocupação a nomeação de Goldfajn. Segundo ele, a categoria estuda passar a eleger uma lista tríplice de indicados ao cargo para apresentar ao Presidente da República, nos moldes em que o Ministério Público Federal já realiza para escolha do Procurador-Geral da República.

Na avaliação de Piffer, o caso de Goldfajn é diferente do de Fraga e de Meirelles, pois no momento em que eles foram indicados para presidir o BC não estavam ligados a uma instituição financeira brasileira, diretamente sujeita à fiscalização do órgão.

"Temos um certo receio (na indicação de Goldfajn). Já temos um sistema financeiro altamente benéfico aos bancos. Estão sempre entre as empresas com maiores lucros no país", disse Piffer.

O professor do Instituto de Economia da UFRJ Claudio Pinkusfeld tem opinião semelhante, mas ressalta considerar Goldfajn uma pessoa correta. Na sua visão, a taxa básica de juros do país, Selic, é excessivamente alta, o que permite aos bancos ter rendimento elevado com investimentos em títulos públicos, aplicação de baixo risco e custo.

"O problema é colocar um regulador (do sistema financeiro) com óbvias ligações (com um banco privado). Mas não quer dizer que ele (Goldfajn) seja desonesto ou vá fazer algo a favor de um banco ou de outro. Eu até conheço o Ilan pessoalmente e o considero uma pessoa correta", ressaltou.

'Economista preparado'

Já Carlos Thadeu de Freitas, diretor do BC nos anos 80, considera positivo que profissionais do mercado façam parte da direção da autoridade monetária e elogia a indicação de Goldfajn.

"Ele é um economista preparado. Já passou pelo Banco Central como diretor (de Política Econômica entre 2000 e 2003). Tem todas as qualificações possíveis para exercer essa função", afirmou o atual economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio.

Para Freitas, exatamente porque o BC regula e fiscaliza as instituições financeiras, é importante ter profissionais com experiência no mercado.

"É positivo ter pessoas que vêm do mercado, que entendam com mais detalhes seu funcionamento, porque quem está no Banco Central (como funcionário de carreira) às vezes legisla, mas só que não viveu na prática. É importante ter a complementação da experiência pública e da experiência privada", avalia.

Em nota à BBC Brasil, a assessoria do BC também ressaltou a necessidade de o nomeado ter amplo conhecimento sobre o mercado.

"Ter sido acionista, administrador ou empregado de entidades reguladas e fiscalizadas não constitui impedimento à nomeação ao cargo de dirigente do Banco Central; ademais, um dos requisitos legais (Lei nº 4.595/64) para o exercício de tal função é a notória capacidade em assuntos econômico-financeiros", disse o comunicado.

A assessoria do BC informou ainda que Goldfajn iria se desfazer, ainda antes da sabatina, "de quaisquer ativos, participações societárias ou investimentos mantidos na instituição financeira em que vinha atuando como sócio dirigente, em linha com as regras de governança da própria instituição e, em especial, com a legislação de prevenção a conflito de interesses a que se sujeitam os membros da Diretoria do BC".

Legislação e possíveis punições

Há uma série de leis que buscam coibir problemas e ilegalidades nesse campo, como a Lei de Conflito de Interesses, de 2013, e a Conduta da Alta Administração Federal, de 2000.

Elas estabelecem, por exemplo, que ficam proibidos investimentos em bens cujo valor seja influenciado por decisões governamentais sobre as quais a autoridade tenha informação privilegiada.

Preveem também que configura conflito de interesses "divulgar ou fazer uso de informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, obtida em razão das atividades exercidas". Já quando a autoridade deixa o cargo, deve cumprir uma quarentena de seis meses antes que possa voltar a trabalhar no setor privado.

Caso essas leis sejam desrespeitadas, as punições previstas vão desde advertência à demissão do cargo e pagamento de multas.

De acordo com a assessoria do BC, desde a entrada em vigor da Lei de Conflito de Interesses, em 2013, a instituição recebeu 265 consultas ou pedidos de seus funcionários sobre a possibilidade de exercício de atividades privadas. Apenas em 12 casos foi identificado potencial de conflito de interesses.

Já os casos relacionados a diretores e ao presidente do BC são analisados pela Comissão de Ética Pública, "não tendo havido qualquer hipótese de conflito, nem mesmo potencial, detectada por aquele órgão".

Polêmica internacional

A nomeação de profissionais do mercado financeiro é comum em outros países e também costuma gerar polêmica.

No ano passado, por exemplo, quase 150 economistas acadêmicos franceses, entre eles o renomado Thomas Piketty (autor de O Capital no Século XXI), se manifestaram contra a nomeação de Villeroy de Galhau para a presidência do Banco Central da França, devido aos cargos importantes que ocupou no banco BNP Paribas. Apesar disso, ele acabou confirmado no cargo.

Já nos Estados Unidos há frequentes acusações de conflito de interesses no Federal Reserve, o banco central americano.

Em 2012, o senador democrata Bernie Sanders (hoje pré-candidato à presidência) divulgou um relatório que acusava 18 diretores do banco de conflito de interesse por terem participado de decisões que favoreceram organizações privadas onde trabalhavam quando as decisões foram tomadas.

Desde a criação do Fed, em 1913, banqueiros privados integram os conselhos da organização, responsável pela regulação do sistema bancário. O órgão diz que a experiência dos executivos é benéfica e que o código de conduta da instituição impede abusos.

A legislação federal americana proíbe funcionários públicos de participarem de decisões que tenham impacto direto e previsível em sua situação financeira ou na de parentes próximos, sócios ou organizações nas quais tenham algum cargo.

Mas podem ser abertas exceções em situações ou agências específicas - caso do Fed.

Em algumas circunstâncias, o funcionário pode contornar o veto à sua participação em decisões se desfazendo de investimentos que seriam afetados pelas ações.

*Colaborou João Fellet

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