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As razões que levam profissionais a não se 'desligarem' do trabalho nos momentos de folga

01/11/2016 19h50

Traci Fiatte gosta de checar seus emails no domingo à noite. Para ela, isso a ajuda a se preparar para a semana à sua frente.

Mas a empresária e presidente da agência de empregados Randstad percebeu há cinco anos que suas tendências workaholic tinham efeitos negativos em seus funcionários.

"Percebi que muitos deles não almejavam uma promoção por medo de comprometer suas vidas pessoais - algo que eu estava fazendo", conta.

Assim como ela, muitos de nós estamos cada vez mais ligados no trabalho em momentos em que deveríamos curtir nossas horas de lazer.

Em uma pesquisa da Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês), realizada em 2013, mais da metade dos entrevistados contou que checa suas mensagens de trabalho pelo menos uma vez por dia durante fins de semana, férias ou até quando estão afastados por licença médica.

Mas para David Ballard, diretor-executivo de excelência organizacional da APA, nem sempre esse hábito é prejudicial.

Muitos dos mesmos entrevistados na sondagem se disseram satisfeitos com a capacidade de combinar a carreira com a vida pessoal. Cerca de 71% revelaram estar em controle sobre suas horas de trabalho, enquanto 56% contaram que a tecnologia os ajuda a cumprir suas tarefas.

"Esse aspecto positivo foi uma surpresa", admite Ballard. "As pessoas relataram uma maior produtividade, mais flexibilidade e uma facilidade maior de concluir seus afazeres."

Importância e valorização

Chris Hale, fundador da empresa de contabilidade Kountable, afirma não se importar em se manter a par dos assuntos do escritório durante as férias porque isso o permite manter o negócio em andamento enquanto ele curte a companhia dos amigos e familiares.

Chris Hale, fundador da empresa de contabilidade Kountable - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Chris Hale se diz satisfeito por tecnologia permitir que ele trabalhe junto à família
Imagem: Arquivo Pessoal

No ano passado, durante férias a bordo de um iate, ele precisou atender a chamada de um investidor. Sem um lugar tranquilo para conversar, acabou se instalando em um dos botes salva-vidas.

"Acho que ficaria louco se tivesse que trabalhar nos 'horários normais'", diz.

Estar disponível a todo momento faz com que algumas pessoas se sintam cruciais para a empresa, segundo o coach de carreiras Craig Dowden, de Toronto, no Canadá.

"Para esses indivíduos, aquela luzinha piscando no celular significa 'sou importante'. É uma massagem no ego", afirma.

Além disso, avalia Fiatte, muitos jovens trabalhadores valorizam o imediatismo e preferem responder às mensagens assim que as recebem.

Uma das diferenças entre sentir-se sobrecarregado ou tranquilo com a cultura do "plantão permanente" pode estar no fato de se sentir responsável pela empresa.

Quando Tom Cridland começou sua grife em Londres, há dois anos, ele sentia que nunca podia desligar. "Eu dava uma enorme atenção a cada email recebido, mesmo que fosse sábado à noite", lembra.

Somente quando sua namorada se juntou ao negócio como sócia, Cridland começou a sentir um equilíbrio maior entre a vida pessoal e o trabalho.

Clareza do chefe

Para outras pessoas, no entanto, estar sempre à disposição é algo que aparentemente todo chefe espera que aconteça.

"Cabe às empresas reforçar ou não a mensagem de que seus funcionários devem estar sempre conectados", afirma Dowden.

Como a tecnologia permite que trabalhemos de qualquer lugar, a qualquer hora do dia, há muitas dúvidas em relação ao que é um dia "típico" de trabalho.

Um problema é aquele chefe que manda emails durante as horas de descanso, sem dizer quando precisa da resposta.

Em situações como essa, tendemos a imitar o comportamento de nossos superiores. E com a pressão por desempenho, o trabalho em colaboração com países de diferentes fusos-horários e uma nova geração de funcionários dispostos a ignorar os limites entre carreira e lazer, a expectativa de que devemos estar em plantão permanente só tende a crescer.

Em 2014, 42% de trabalhadores entrevistados por uma pesquisa da Randstad indicaram que se sentiam na obrigação de verificar seus emails durante as folgas; 45% se disseram compelidos a responder a uma mensagem dentro de poucas horas; 47% não se sentiam culpados de trabalhar mesmo doentes.

Um estudo da mesma empresa realizado um ano depois revelou que cerca de 30% dos trabalhadores tiveram que cancelar suas férias planejadas por causa do trabalho.

Mas a verdade é que estar disponível a todo momento talvez não precise ser algo indispensável.

Quando Fiatte percebeu que seus emails fora de hora assustavam os funcionários, iniciou um esforço com sua equipe de gerentes para que todos fossem mais claros sobre quais mensagens são urgentes.

Ela ainda trabalha nos domingos à noite, mas só manda emails na segunda-feira de manhã. Quando há uma emergência, a empresária simplesmente faz alguns telefonemas.

Além disso, hoje Fiatte incentiva abertamente seus funcionários a se desligarem durante as férias.