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Eike Batista na mira da Lava Jato: ascensão e queda do ex-homem mais rico do Brasil

Felipe Dana/AP
Imagem: Felipe Dana/AP

26/01/2017 10h56

Em cinco anos, o empresário Eike Batista viu seu conglomerado falir, não conseguiu evitar que sua fortuna minguasse e, agora, transformou-se em alvo da Operação Lava Jato, que apura um megaesquema de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo empresas e políticos.

Filho de um ex-ministro de Minas e Energia, ele fez fortuna com mineração. Em março de 2012, Batista foi citado como oitavo homem mais rico do mundo em uma lista da agência financeira Bloomberg, com um patrimônio estimado em US$ 34,5 bilhões (R$ 108,6 bilhões em valores atuais).

Nesta quinta-feira, passou a ser considerado foragido da Justiça - até que se apresente às autoridades ou seja localizado. Batista teve a prisão decretada na segunda fase da Operação Calicute, desdobramento da Lava Jato em solo carioca. A Polícia Federal, contudo, não encontrou o empresário em casa. Foi informada que ele estava viajando.

Batizada de Operação Eficiência, a investigação apura suspeita de crimes de lavagem de dinheiro e ocultação de recursos no exterior. Além de Eike Batista, entre os alvos da operação estão o vice-presidente de futebol do Flamengo Flávio Godinho, ex-braço direito de Eike, e o ex-governador do Rio Sérgio Cabral - que já está preso em Bangu, por suspeitas de desvio de receber propina e desviar recursos públicos reveladas pela Calicute.

Batista e Godinho são suspeitos de terem pago US$ 16,5 milhões (R$ 57 milhões) em propina a Sérgio Cabral e de tentarem obstruir a investigação, segundo o Ministério Público Federal.

Testemunho voluntário

Esta não é a primeira vez que o nome do empresário aparece na Lava Jato.

Oito meses depois de ser citado por um delator como suposto envolvido em propinas para licitações da Petrobras, o empresário procurou voluntariamente o Ministério Público Federal para oferecer seu testemunho.

O resultado da conversa entre Batista, advogados e procuradores veio à tona em setembro do ano passado, na 34ª fase da Operação Lava Jato, batizada de "Arquivo X".

A transcrição do diálogo - um dos documentos que faz parte da investigação do caso e que não está protegido por sigilo - tem 37 páginas e revela detalhes sobre o suposto encontro entre o empresário e Guido Mantega, então ministro da Fazenda, em novembro de 2012. Também mostra o clima de tensão entre Eike e a Petrobras, principal concorrente brasileira de suas empresas de exploração de petróleo e gás.

Segundo o depoimento de Batista, o então ministro Guido Mantega teria pedido, a sós, em seu gabinete em Brasília, o pagamento de R$ 5 milhões para a quitação de dívidas de campanha eleitoral. Os detalhes da negociação teriam sido discutidos posteriormente entre Monica Moura, esposa do marqueteiro João Santana, e advogados de Eike.

"O ministro de Estado me pediu, que que você faz? Eu tenho R$ 40 bilhões investidos no país, como é que você faz?", afirmou Batista na ocasião.

Após o depoimento de Eike, Mantega chegou a ser detido por policiais em um hospital de São Paulo onde se encontrava para acompanhar a esposa numa cirurgia. Mas sua prisão foi revogado no mesmo dia.

Durante o depoimento, Batista classificou o escândalo de corrupção na Petrobras como "um nojo", um "aborto da natureza", e disse que nunca foi bem visto pela companhia.

Ascensão

Mineiro de Governador Valadares, Eike Fuhrken Batista ganhou projeção nacional como o empresário que melhor encarnou a euforia internacional com a economia brasileira, que tinha escapado relativamente incólume da crise financeira global de 2008.

Com um estilo arrojado de fazer negócios e considerado visionário por seus pares, ele se aproveitou do apetite chinês por commodities e da abundância de matérias-primas no Brasil para vender o otimismo com que investidores de todo o mundo viam o país.

O pano de fundo era positivo. O pré-sal havia sido descoberto e milhares de brasileiros ascenderam à classe média.

Ambicioso, Batista apostou alto. Fluente em cinco línguas, o filho de Eliezer Batista, ministro de Minas e Energia no governo João Goulart (1961-1964) e ex-presidente da Vale durante o governo militar, montou um império de empresas em diversos setores, do petróleo ao entretenimento.

Para concretizar sua ideia, no entanto, o empresário precisava de capital novo. O caminho encontrado foi a abertura de suas empresas na bolsa de valores, por meio de IPO's (Oferta inicial de ações, na sigla em inglês), realizados entre 2006 e 2010.

O ponto alto veio com o início da negociação dos papéis da OGX. Foi um dos maiores IPO da história da Bovespa. Até pouco tempo, a OGX era considerada a principal empresa do conglomerado.

Em junho de 2011, ele deu uma entrevista à BBC inglesa em que previa "20 anos de crescimento contínuo para o Brasil".

Amizades

Por muito tempo casado com a ex-modelo Luma de Oliveira, musa do Carnaval carioca, com quem teve dois filhos, Thor e Olin, o empresário aparecia com frequência no noticiário brasileiro e internacional.

Além do dia a dia da administração de seu império, também encontrava tempo para divulgar ações principalmente em prol da cidade que o acolheu, o Rio de Janeiro, como a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, a reforma do tradicional Hotel Glória, e a construção de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs) em comunidades carentes.

Também mantinha estreito contato com políticos. Sempre teve bom trânsito em Brasília, em especial com ministros dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Em setembro de 2012, o empresário emprestou um jato ao então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, para uma festa no Sul da Bahia, promovida pelo dono da construtora Delta, Fernando Cavendish, condenado meses depois por desvio de verba federal.

Queda

As dificuldades de Eike Batista no mundo dos negócios começaram bem antes de a Operação Lava Jato ser deflagrada, em março de 2014.

Para economistas, a crise atravessada pelo império de Batista ganhou força a partir do momento em que investidores perceberam que os resultados de suas empresas não corresponderiam às suas promessas.

Em 2013, a renúncia de Batista da presidência e do conselho de administração da MPX, empresa de energia do conglomerado criado pelo empresário, selou o início da queda de quem um dia foi o homem mais rico do Brasil.

Tirá-lo do comando da empresa representava uma tentativa de interromper a sangria que havia lhe custado grande parte de sua fortuna. Segundo a consultoria Economática, apenas no primeiro trimestre de 2013, as seis companhias de capital aberto (ou seja, negociadas na bolsa) do empresário (OGX, MMX, MPX, OSX, LLX e CCX) registraram um prejuízo total de R$ 1,154 bilhão, alta de 539% em relação ao mesmo período do ano passado.

Em setembro de 2015, Eike Batista foi à CPI do BNDES na condição de testemunha para falar sobre a situação dos R$ 10 bilhões em financiamentos obtidos junto ao banco federal de desenvovimento pelo Grupo EBX, que faliu em 2013. Batista contestou o valor do empréstimo e afirmou que o banco não teve prejuízo com o financiamento.

Na Câmara dos Deputados, Batista atribuiu a falência do conglomerado EBX à baixa produtividade de uma das empresas do grupo, a OGX, criada para explorar petróleo. "Achamos petróleo, mas a produtividade dos poços não correspondeu ao esperado. [...] A falha de não termos produtividade nos campos de petróleo causou uma corrida bancária ao grupo todo", justificou.

Agora Eike Batista será detido por suspeita de pagar propina e de participar de um esquema de lavagem de US$ 100 milhões no exterior. Parte desse valor já teria sido repatriada ao Brasil.

A operação deflagrada nesta quinta é uma parceria da Polícia Federal, Receita e o Ministério Público Federal. Os pedidos de prisão, de condução coercitiva e de busca e apreensão foram fundamentados com base em informações de dois acordos de colaboração, que detalhariam um suposto esquema de desvio e lavagem de dinheiro público.

"De maneira sofisticada e reiterada, Eike Batista utiliza a simulação de negócios jurídicos para o pagamento e posterior ocultação de valores ilícitos, o que comprova a necessidade da sua prisão para a garantia da ordem pública", informa o Ministério Público Federal do Rio.