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A reforma vai gerar empregos? Por que a questão divide especialistas

Mariana Schreiber

Da BBC Brasil, em Brasília

26/04/2017 08h48Atualizada em 16/11/2017 13h15

Críticos da reforma trabalhista que as mudanças propostas retiram direitos dos trabalhadores, o governo argumenta que a "modernização das leis vai gerar mais empregos" ao melhorar as condições de contratação para as empresas.

A tese divide estudiosos do tema. Opositores da reforma ressaltam que o principal gerador de emprego é o crescimento econômico, obtido com mais investimentos e aumento do consumo.

Já seus defensores consideram que mercados de trabalho com regras mais flexíveis permitem às empresas demitir menos em tempos de crise (por exemplo, ao reduzir jornadas e salários ou terceirizar funções) e a ter menos receio em contratar quando a economia dá sinais de melhora.

O advogado Mauro Menezes, autor do livro Constituição e Reforma Trabalhista no Brasil, diz que "não há evidência que a redução da qualidade dos empregos gera maior empregabilidade".

"Em 1998, o governo Fernando Henrique fez uma minirreforma criando contrato por tempo determinado, banco de horas e jornada parcial e, após algum tempo, não houve qualquer estímulo ao mercado de trabalho", afirmou.

"Já em 2014, com as regras que agora querem mudar, chegou-se a falar em pleno emprego. O que comprovadamente gera maior empregabilidade é a dinâmica da economia, os investimentos", acrescentou.

Cinco milhões de novos postos?

O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, tem afirmado que a nova legislação proposta pelo governo, ao mudar as regras de contratos temporários e de jornada parcial, tem potencial para criar cinco milhões de empregos formais. Ele chegou ao valor ao comparar o uso desses contratos no Brasil (6% do total) com a média de países desenvolvidos (16% entre nações da OCDE) e projetar o potencial de crescimento desses tipos de vínculos empregatícios no país.

A ampliação da duração máxima do contrato temporário, de seis para nove meses, prevista na proposta de reforma enviada ao Congresso em dezembro, acabou já sendo aprovada dentro da nova lei da terceirização, de março deste ano. A extensão da duração máxima desse tipo de contratação se aplica a atividades sazonais, que não exigem contrato permanente, ou à substituição de trabalhadores em licença.

Já o contrato de jornada parcial, que hoje é limitado a 25 horas semanais sem possibilidade de horas extras, poderá ter dois novos formatos: duração máxima de 30 horas semanais sem horas extras ou 26 horas, mas com possibilidade de mais 6. O argumento é que a mudança dessas regras favorece a contratação formal de jovens, idosos e mães.

O professor do departamento de Direito de Cambridge Simon Deakin, especialista no impacto de leis trabalhistas sobre emprego e renda, disse à BBC Brasil não haver evidências de que essas mudanças nas formas de contrato criem empregos.

"Minha pesquisa mostra que, em geral, o afrouxamento dos controles sobre o trabalho temporário e em tempo parcial não leva à criação de emprego. Isso pode ter o efeito de reduzir o emprego na economia formal, porque estes postos de trabalhos ficam menos atraentes aos trabalhadores, que passam então a preferir atuar como autônomos ou no mercado informal", afirmou, ressaltando não ter feito análises específicas sobre o mercado de trabalho brasileiro.

Segundo Deakin, o aumento do trabalho temporário e em tempo parcial reduz os estímulos para que as empresas invistam em qualificação, diminuindo a produtividade. Além disso, ressalta, leis menos rígidas sobre a duração dos contratos e tempo de trabalho também costumam piorar a distribuição de renda entre trabalhadores e empresas, com uma maior parcela da renda nacional concentrada em lucros e dividendos e uma parcela menor convertida em salários.

O relator da reforma na Câmara, deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), incluiu ainda a previsão de mais um tipo de contrato que hoje não existe no Brasil: o trabalho intermitente, conhecido no exterior como "zero hora". Nesse caso, o trabalhador é convocado sob demanda e recebe por hora trabalhada, não tendo garantia de uma jornada mínima.

"A expansão da variedade de contratos para incluir o 'zero hora' no Reino Unido tem tido impactos negativos diminuindo a renda do trabalhador, assim como na produtividade, o que é potencialmente ruim para a economia", afirma Deakin.

Proteção demais pode atrapalhar contratação

Apesar de ver potencial negativo em algumas das mudanças em discussão no Congresso brasileiro, o professor de Cambridge ressalta que seria preciso um estudo amplo, envolvendo muitas variáveis econômicas, para avaliar realmente o impacto dessa reforma na geração de emprego no país.

"Os efeitos (das leis trabalhistas) podem ser 'não lineares', ou seja, proteger os trabalhadores até um certo ponto pode ser bom para a economia, mas além desse ponto pode ser negativo, desencorajando empregadores a contratar. Qual é exatamente este ponto difere de país para país", afirma.

O Banco Mundial tem historicamente destacado esse risco de que uma legislação muito rígida pode, ao invés de proteger os trabalhadores, criar obstáculos para a geração de empregos.

"Esse não é um tema para ser tratado assim no abstrato, no geral", afirma o diretor-executivo do banco Otaviano Canuto, destacando que muitas variáveis influem no nível de emprego.

"A flexibilidade do mercado de trabalho americano é enorme e não é por acaso que os Estados Unidos mostram uma capacidade maior de resposta de geração de emprego depois da crise do que vários europeus", exemplifica.

Ele elogia um dos pontos centrais da reforma defendida pelo governo Temer: a previsão de que alguns parâmetros trabalhistas estabelecidos em lei possam ser negociados entre trabalhadores e empresários, como a duração da jornada de trabalho (que poderá chegar a 12h em um dia, sendo compensada com folgas nos seguintes), os planos de cargos e salário, a participação de lucros, entre outros.

Atualmente, muitos acordos entre trabalhadores e empregados têm sido anulados na Justiça do Trabalho, o que gera insegurança jurídica, segundo o governo. A reforma quer restringir a interferência do judiciário apenas a aspectos formais desses acordos, sem entrar na análise do seu equilíbrio.

Segundo Canuto, "é impossível criar emprego por lei, pois isso não obriga as empresas a contratar". No entanto, diz ele, uma legislação mais flexível, que fortaleça as negociações entre trabalhadores e empresários, pode reduzir os receios das empresas em retomar as contratações quando a economia começar a melhorar.

"Uma legislação mais flexível vai permitir que a recuperação possa ter fôlego porque isso depende da geração de empregos. Ter uma legislação que joga contra a geração de empregos enfraquece a recuperação cíclica em qualquer economia de mercado no mundo", argumenta.

"O timing da reforma é bom porque o país está, enfim, saindo de uma crise em breve e temos que potencializar a capacidade de contratação", concorda a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.

Ela ressalta porém o risco de "frustração" como os resultados no curto e médio prazo.

"Não é só a questão do mercado de trabalho que está torta, o mercado de crédito está fraco, há a dúvida de qual vai ser o próximo presidente e quão conectado ele vai estar com responsabilidade fiscal e reformas. Tem muita coisa que pode realmente atrapalhar o aumento do emprego", diz. "Mas mesmo que no curto prazo (o impacto da reforma) possa frustrar, ela vai na direção certa", diz.

O advogado Mauro Menezes, por sua vez, diz que a o fortalecimento das negociações entre trabalhadores e empresas é positivo desde que os sindicatos sejam fortalecidos, para garantir equilíbrio nos acordos. Para ele, a reforma deixa os empregados vulneráveis e representa um "retrocesso".

"Teria que ter primeiro uma reforma sindical que fortalecesse e habilitasse os sindicatos para resolver extrajudicialmente as questões e assim diminuir o número de causas trabalhistas. Isso seria muito saudável. Mas não se prevê qualquer medida de fortalecimento das entidades sindicais nessa reforma", critica.