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A cidade argentina que está oferecendo terras em troca de moradores

21/05/2017 07h54

Seu filho andava de bicicleta na sala de jantar da casa. A sensação de insegurança o deixava nervoso. Sua renda não era suficiente. Havia muita competição. Estes e outros motivos levaram Víctor López, encanador especialista em tubulações de gás, a desistir de viver em Rosário, terceira maior cidade da Argentina.

Ele se inscreveu então no programa Bienvenidos a mi pueblo (Bem-vindo ao meu vilarejo, em tradução livre para o português), criado pela ONG suíça Es Vicis em parceria com os governos locais da região. Dentre cerca de 20 mil candidatos, López foi um dos 20 selecionados.

Agora, ele se prepara, junto com sua esposa, filho e outras 19 famílias, para assumir o terreno que a cidade de Colonia Belgrano, na província de Santa Fe, destinou para ele construir uma casa, abrir um negócio e ganhar a vida nesta pequena comunidade que precisa ser povoada.

O terreno, os materiais de construção e a mão de obra para erguer a casa serão financiados pela província em empréstimos considerados atrativos, que nem López nem a maioria dos argentinos conseguiria obter em um banco.

Além disso, com o apoio da ONG suíça, López tem estudado o mercado para ver se consegue vender seus serviços para a zona agrícola e industrial do país. A vida dele já começou a mudar. E seu sonho de adotar um estilo de vida campesino está perto de se tornar realidade.

Projeto piloto

Bienvenidos a mi Pueblo é um projeto piloto da Es Vicis, organização sem fins lucrativos que busca melhorar a vida de pessoas não só na Argentina, mas também em outros países. "A ideia é replicar a experiência em outros lugares com problemas semelhantes", diz à BBC Agustina Valverde, uma das coordenadoras do projeto.

"Em cidades da Argentina e de muitas outras partes do mundo, as pessoas vivem entre a preocupação com a falta de segurança e a dificulade de encontrar trabalho, enquanto há milhares de vilarejos que precisam de mais gente para se reerguer", explica.

Colonia Belgrano tem 1,5 mil habitantes, mas sua infraestrutura pode abrigar 2,5 mil pessoas.

"Os sistemas de eletricidade, água, educação e saúde estão subutilizados, porque, nas últimas décadas, muita gente saiu da cidade, e ninguém chegou", diz Javier Bosio, presidente da comuna do povo, uma espécie de prefeito da região. "Então, há menos moradores, menos impostos, mas o custo dos serviços é o mesmo e está havendo uma estagnação."

Os movimentos de "neorruralismo" - fenômeno de retorno ao campo - surgiram na década de 1960 na Europa, como uma expressão da contracultura em resposta aos padrões de consumo capitalistas, concentrados nas cidades industriais.

Mas, na última década, algumas áreas urbanas de países desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos, viram milhares de habitantes - por opção de vida ou necessidade - deixarem as cidades em um processo conhecido como "contraurbanização".

A Argentina é um dos países com maior população urbana na América Latina - 92% de seus habitantes vivem em cidades. Iniciativas como o Bienvenidos a mi Pueblo colaboram - de forma gradual - para que esse percentual mude.

Adeus ao estresse

Embora 20 famílias possa parecer pouco, os gestores do programa esperam que o impacto econômico e social gerado pela introdução de novos residentes em uma comunidade fechada tenha um efeito em cascata reanimando os atuais moradores.

Colonia Belgrano é parte de uma microrregião de 80 mil habitantes em que dezenas de vilarejos formam uma grande rede de troca e convivência. A comunidade está localizada a 120 e 160 quilômetros de Santa Fe e Rosário, respectivamente, duas das cidades mais perigosas e pobres da Argentina. Das 20 famílias, 11 são de Rosário e nove de Santa Fe.

Em um país onde o acesso a moradia é complicado e cada vez mais caro, a maioria destas famílias, de acordo com Bosio, ficou desabrigada e foi morar com os pais.

Bosio, que integra o Partido Socialista, se defende das acusações de populismo. "A seleção das famílias foi feita de forma muito cuidadosa, buscando com que fosse gerado um empreendimento", explica.

"Tem sido divulgado que estamos aqui dando casas e terras, mas não é isso que está acontecendo", diz Bosio, fazendo referência aos empréstimos subsidiados pelo governo de Santa Fe, também administrada por um socialista.

Ele tem sido criticado também de prejudicar os produtores locais, mas alega que convidou os moradores a se capacitarem e "apenas quatro compareceram". "Não queremos afetar nenhum comerciante. Queremos reativar o comércio que já existe", argumenta.

A região recebeu cerca de 40 mil imigrantes suíços entre 1857 e 1924 e foi por décadas berço de empresários agrícolas e industriais. E é exatamente essa vocação que ele diz desejar recuperar.

'Renasci'

Das 20 famílias selecionadas, cinco já estão em Colonia Belgrano, pagando aluguel e preparando o terreno. Dentre os homens, há um especialista em refrigeradores, outro em tubulações e um terceiro em metalurgia. Todos dizem já ter conseguido clientes na região. As mulheres, por sua vez, afirmam ter "recuperado a felicidade" agora que não estão mais na cidade.

"Eu me vejo agora em situação rara: tenho tempo", diz María Fernanda Zapata, que vivia em uma casa emprestada e ficou sabendo, a partir das redes sociais, da seleção para o programa.

"Antes eu estaria correndo, cozinhando, mas agora eu tenho tempo para brincar com as crianças, estou sendo mãe, renasci", acrescenta.

Fernanda diz que quer se dedicar a algo que lhe dê algum retorno, como o artesanato. A felicidade dela contagia. O encanador Víctor López, por exemplo, está animado porque seu filho pode andar de bicicleta fora de casa agora. "Apenas 10 dias após chegar a Colonia Belgrano, Ariel já tinha aprendido a andar de bicicleta sem rodinhas", comemora.

A criança já pedala pelo povoado como se fosse sua casa. E agora é.