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Nova lei do trabalho entra em vigor já questionada no STF; veja o que muda

Marcos Santos/USP Imagens
Imagem: Marcos Santos/USP Imagens

Camilla Veras Mota

Da BBC Brasil em São Paulo

13/11/2017 07h38

Três esferas importantes do mundo do trabalho - a negociação de direitos e condições entre empresas e empregados, a representação sindical e o acesso à justiça - passam a funcionar sob regras diferentes a partir de hoje, primeiro dia útil desde que a Lei 13.467 começou a valer.

Foram seis meses entre a proposta enviada ao Congresso, a aprovação do texto com as emendas de deputados e senadores e a sanção presidencial, em julho. No total, mudam 117 dos 900 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A aplicação da nova lei - e, portanto, seu impacto na vida prática dos trabalhadores -, contudo, não é consenso entre juízes, procuradores, fiscais e advogados. Parte dela já é inclusive questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

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Só depois dos primeiros meses de vigência, dizem especialistas consultados pela BBC Brasil, quando os juízes começarem a proferir as primeiras decisões com base na nova lei e for criada uma jurisprudência, será possível entender de fato o que a lei permite ou não. "Ainda não dá para saber o que 'vai pegar'", simplifica Patrícia Pelatieri, coordenadora de pesquisas do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Antes de deixar a Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot pediu à corte a anulação dos efeitos de artigos que preveem que trabalhadores com direito a gratuidade judiciária passem a arcar com uma série de despesas quando moverem processos contra os empregadores.

Os dispositivos, conforme a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada em agosto, dificultariam o acesso à Justiça do Trabalho e feririam direitos fundamentais. O relator do processo é o ministro Luís Roberto Barroso, que ainda não apreciou o mérito.

Principais pontos

As novas regras permitem, por exemplo, que sejam negociadas diretamente entre trabalhadores e empresas condições como banco de horas - que deve ser compensado em até seis meses, em vez do prazo de um ano quando previsto em convenção coletiva - e a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso.

Também não precisariam passar pelos sindicatos os acordos feitos entre a empresa e os funcionários com diploma de nível superior que ganham mais de R$ 11.062,62 - o equivalente a duas vezes o teto do benefício do Regime Geral de Previdência Social - referentes a pontos como jornada de trabalho, benefícios, participação nos lucros, plano de cargos e salários.

Passa a valer a possibilidade de parcelamento de férias em até três períodos, contanto que nenhum seja menor do que cinco dias e um deles seja maior que 14 dias corridos.

A lei cria ainda uma nova modalidade de rescisão de contrato de trabalho. Pela regra atual, quando o trabalhador é demitido sem justa causa, ele recebe do empregador uma multa equivalente a 40% do que foi depositado em seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), pode sacar o valor integral do fundo e tem acesso ao seguro desemprego.

Agora, caso o desligamento seja de comum acordo, o trabalhador recebe metade do valor da indenização, pode sacar 80% dos recursos do FGTS e não tem direito ao seguro desemprego.

Não há consenso entre juristas e operadores do Direito sobre a abrangência dessas negociações diretas - se elas valem para os contratos anteriores ao início da vigência da "nova CLT" ou só para os assinados a partir de hoje.

Para Alexandre de Almeida Cardoso, advogado da área trabalhista do escritório TozziniFreire, as novas regras, "sem fonte de dúvida", passam a ser imediatamente aplicáveis a qualquer trabalhador formalizado.

Sergio Batalha, do Batalha Advogados Associados, por outro lado, afirma que a interpretação será polêmica, já que o artigo 468 da CLT estabelece que não podem ser feitas alterações de contrato em prejuízo do empregado.

É o princípio da condição mais benéfica ao trabalhador, acrescenta o juiz Guilherme Guimarães Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade que vem fazendo uma série de críticas à nova legislação.

É por isso que advogados como Domingos Fortunato, sócio do Mattos Filho, vem recomendando aos clientes cautela nas negociações que possam entrar em conflito com o artigo 468, como a duração da jornada de trabalho.

Cardoso, do TozziniFreire, lembra que os trabalhadores continuam protegidos pela Constituição e pela convenção coletiva da categoria, que muitas vezes garantem condições mínimas de segurança e saúde no ambiente de trabalho.

Negociado sobre legislado

Estão previstas na lei 15 situações em que o que for acertado em acordos e convenções coletivas - ou seja, com a mediação dos sindicatos - tem prevalência sobre a lei, temas como jornada de trabalho, troca de dias de feriado, participação nos lucros, enquadramento do grau de insalubridade e intervalo para almoço, que pode ser reduzido para 30 minutos para quem trabalha mais de seis horas por dia.

O texto coloca outros 30 pontos que esses instrumentos não podem alterar, direitos que não podem ser reduzidos ou suprimidos: salário mínimo, 13º, adicional noturno e de insalubridade, licença maternidade e paternidade.

Patrícia Pelatieri, do Dieese, observa que os sindicatos vêm tentando usar a prevalência do negociado sobre o legislado para reverter artigos da própria lei que eles enxergam como potenciais precarizadores das relações de trabalho.

Em convenção coletiva fechada no último dia 30 de outubro, ela exemplifica, os trabalhadores do ramo químico de São Paulo estabeleceram que as homologações de demissões continuam sendo feitas no sindicato, apesar de a nova lei acabar com essa obrigatoriedade.

"Eles vêm tentando colocar salvaguardas a pontos como terceirização e trabalho temporário", acrescenta.

Home office, jornada parcial e trabalho intermitente

Chamado de "teletrabalho", o home office foi regulamentado. Os contratos devem detalhar as atividades que serão realizadas pelo funcionário e tudo o que será pago pela empresa, entre equipamentos e infraestrutura para o trabalho.

O regime de tempo parcial de trabalho, que antes era válido para as jornadas de até 25 horas semanais, ganhou novos limites, de até 30 horas por semana, sem horas extras, ou de 26, com até seis horas suplementares.

Modalidade mais controvertida, o trabalho intermitente permite a contratação por diária, sem horário fixo. Para muitos juristas, ela é a formalização do bico, de serviços que, até então, não tinham anotação em carteira.

"O trabalho intermitente vai ser altamente polêmico. A lei fala, por exemplo, que o empregador tem que recolher a contribuição previdenciária, mas não fala como. A gente nem está sendo consultado pelas empresas sobre essa modalidade", diz Giancarlo Borba, sócio da área trabalhista do Siqueira Castro Advogados.

Terceirização

A terceirização, por outro lado, tem sido tema de diversas reuniões nos escritórios de advocacia. Apesar da Lei 13.429, de março, regulamentar esse tema, os artigos incluídos na lei trabalhista, para os especialistas, deixam mais clara a possibilidade de terceirizar qualquer atividade. Até então, só era permitida a terceirização de funções que não estivessem ligadas à vocação principal da companhia, como segurança e limpeza.

Assim, a expectativa é que o uso dessa modalidade pelas empresas cresça nos próximos meses.

"Ela deu maior segurança jurídica, mas, na prática, ninguém vai terceirizar tudo", comenta Fortunato, do Mattos Filho.

Isso porque a lei, apesar das mudanças, abre pouco espaço para vínculos fraudulentos de trabalho. A relação da empresa com um autônomo, um PJ ou um terceirizado não pode configurar o que os artigos 2º e 3º da CLT definem como vínculo empregatício, quando há habitualidade, exclusividade e subordinação do funcionário a alguém dentro da companhia.

Ainda que o empregador cumpra a quarentena de 18 meses estipulada pela nova lei para readmitir como terceirizado um funcionário demitido, portanto, ele não pode manter com ele a mesma relação de trabalho que tinha quando era diretamente contratado.

Acesso à justiça

As mudanças nas regras processuais - que reconhecem, por exemplo, uma série de novos custos para quem perde uma ação - dividiram os especialistas. Para alguns, ela vai dificultar o acesso dos empregados à Justiça do Trabalho; para outros, vai inibir os "aventureiros", que movem processos muitas vezes sem fundamentação com a expectativa de retorno financeiro.

Estão entre os temas polêmicos nesse sentido os honorários de sucumbência, figura presente no Direito Civil que, até então, não existia no Direito do Trabalho e que prevê que a parte vencida pague os honorários do advogado da parte vencedora.

A ADI ajuizada por Janot no STF pede que uma liminar suspenda os efeitos deste e dos artigos que preveem pagamento de honorários periciais e das custas do processo em caso de falta à audiência para os trabalhadores beneficiários da justiça gratuita - via de regra, todo aquele que conseguir comprovar insuficiência de recursos para arcar com a ação.

Interpretados como obstáculo ao acesso à justiça gratuita, os dispositivos são inconstitucionais, concorda a Anamatra. Em outubro, a entidade divulgou 125 enunciados a respeito da nova legislação, propostas de interpretação que, em muitos casos, vão no sentido contrário ao que diz o texto que começou a valer no sábado.

"A lei foi discutida de forma açodada, ela é em vários pontos omissa, lacunosa", critica Feliciano, presidente da instituição. Apesar das observações feitas pela entidade, ele esclarece, prevalecerá nos tribunais o princípio da independência técnicas dos juízes - ou seja, eles podem interpretar de maneiras diferentes a nova CLT.

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