Black Friday: lojistas querem mudar data para não afetar vendas de Natal
Caito Maia, criador da marca de acessórios Chilli Beans, certamente não está entre os brasileiros mais ansiosos pela Black Friday, o dia de descontos do varejo, importado dos Estados Unidos.
Ele é um dos empresários à frente do movimento que tenta mudar a data do evento de novembro para setembro por avaliar que a proximidade dele com o Natal tem um impacto negativo sobre as vendas da temporada de festas.
"A Black Friday é muito prejudicial. O consumidor deixa de comprar no Natal, e isso acaba com as vendas nesta época, que estão caindo há três anos por causa disso", diz Maia.
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A queixa é sintoma de uma tendência que vem se consolidando entre os consumidores brasileiros, mesmo que muitos ainda vejam as promoções com desconfiança. Há três anos consecutivos, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o desempenho do comércio em novembro é melhor do que em dezembro.
O Natal de 2016 foi o segundo pior da série histórica da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), que começa em 2000. As vendas em volume recuaram 1,8% em relação a novembro, mês com crescimento de 1,1% --a primeira alta depois de seis meses seguidos de contração do setor.
Os dados da Serasa Experian, bureau de crédito com ampla base de dados sobre empresas e pessoas físicas, vão no mesmo sentido. Enquanto as vendas no comércio de rua e shoppings centers cresceram 11% no final de semana da Black Friday do ano passado, houve uma queda de 4% na semana do Natal.
"Isso mostra que há uma antecipação das compras. Sem a Black Friday, o Natal teria fechado o ano no zero a zero", diz Luiz Rabi, economista da Serasa.
'Efeito Black Friday'
A migração de uma parcela do consumo do mês de festas para novembro é algo consolidado, diz o economista da Tendências Consultoria João Morais. "A mudança de sazonalidade é clara".
O volume de compras acaba por gerar eventuais distorções estatísticas. Tanto que o IBGE vem estudando adaptações para incorporar o "efeito Black Friday" à Pesquisa Mensal do Comércio. O assunto foi discutido em janeiro em uma reunião no instituto, da qual o economista fez parte, quando foram divulgadas mudanças na metodologia da pesquisa.
"A Black Friday está transformando o Natal em uma data de lembrancinhas", diz Morais.
O evento é tradicionalmente realizado entre os americanos na sexta-feira (24) após o Dia de Ação de Graças. A liquidação ajuda a queimar estoques e a dar lugar nos galpões dos lojistas para os produtos da época de Natal.
"Além de piorar (o resultado das vendas), vicia o consumidor em descontos e faz com que ele só tenha isso na cabeça quando vai comprar os presentes", afirma Maia, da Chilli Beans.
A proposta de descolar as duas datas também é apoiada pela Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop). Para a entidade, a proximidade faz com que o varejo deixe de vender ou que tenha de dar descontos e reduzir suas margens de lucro em dezembro.
Compras por impulso e 13º
O posicionamento, no entanto, não é unanimidade entre quem estuda o mercado do varejo. Economista da FecomercioSP, Fabio Pina rechaça as avaliações de que o evento tem esvaziado o Natal. As principais compras da Black Friday são de produtos de alto valor agregado, afirma ele, especialmente de eletrônicos.
Esse segmento responde por algo entre 2,3% e 3% do faturamento do comércio, de forma geral, percentual que nos últimos anos tem chegado a 4% em meses novembro.
"O Natal acontece não por causa do espírito natalino, mas porque as pessoas recebem o 13º salário", acrescenta Pina, destacando ainda que parte importante das vendas de dezembro vem das compras por impulso.
Rabi, da Serasa, afirma que a Black Friday gera um benefício para o varejista: faz com que um volume de dinheiro originalmente previsto para dezembro chegue ao caixa das empresas.
"A Black Friday não destruiu o Natal, ela antecipou o Natal. As vendas diminuem, mas é porque se vende em dois meses o que antes se vendia pontualmente em um. É melhor ter dinheiro em caixa hoje do que daqui a um mês", diz ele.
Em sua avaliação, a antecipação da data, como deseja parte do comércio, diluiria ainda mais a vendas durante o ano. "A renda do consumidor cresce de 3% a 4% por ano, e sua capacidade de pagamento tem um limite. Ele não vai comprar mais do que pode, a não ser que fique inadimplente".
Primeira compra online
Realizada desde 2010, a Black Friday se consolidou --com resultados mais consistentes nas pesquisas de varejo-- apenas nos últimos três anos.
Para Pina, da FecomercioSP, esse movimento é resultado da combinação entre a "curva de aprendizado" do setor, que cada vez menos pratica os descontos artificiais que renderam ao evento a alcunha de "Black Fraude", e do aumento expressivo do uso da tecnologia pelos brasileiros.
Ricardo Bove, diretor geral do BlackFriday.com.br, que trouxe a data para o Brasil, destaca que ela "é uma porta de entrada de muitos para o comércio eletrônico". "Os descontos vencem a resistência de algumas pessoas, que começam a comprar pela internet assim", diz.
A expectativa, afirma ele, é que as vendas online no dia da Black Friday cresçam 19% neste ano, atingindo R$ 2,2 bilhões, e ultrapassem R$ 2,7 bilhões quando contabilizados também os resultados da quinta-feira (23) à noite e do final de semana seguinte à data.
Black Friday da retomada
O evento chega em um momento de retomada do crescimento das vendas do varejo, que acumulam alta de 1,3% entre janeiro e setembro, conforme os dados do varejo restrito do IBGE, que excluem veículos e material de construção. Parte do resultado positivo vem do setor de supermercados, que responde por 50% no índice.
Depois do tombo do setor de 6,2% em 2016, o pior resultado da série histórica da PMC, a expectativa é que o ano feche no azul. A Tendências Consultoria estima crescimento de 2,4% para o varejo restrito em 2017.
A retomada do consumo, diz o economista João Morais, foi a "grande surpresa" da economia brasileira neste ano. De um lado, a queda mais intensa do que se previa da inflação, ele afirma, fez com que o poder de compra dos salários se recuperasse mais rapidamente. A redução da taxa básica de juros, por sua vez, permitiu uma reação do crédito.
O nível de endividamento das famílias estabilizou, acrescenta Rabi, da Serasa, e o comprometimento da renda para pagamento de obrigações parou de aumentar.
"Temos 61 milhões no negativo, mais do que nesta época do ano passado, quando o número estava abaixo de 60 milhões. Mas o volume das dívidas está caindo, porque o consumidor está conseguindo pagar algumas delas e tirar seu nome do negativo, principalmente junto aos bancos", afirma.
"O brasileiro não está com dinheiro de sobra, mas, ao renegociar dívidas, ele recupera a capacidade de consumir."
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