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Como uma modesta reunião de empresários em Davos se tornou um megaencontro de líderes globais

Marina Wentzel

Enviada especial da BBC Brasil a Zurique (Suíça)

23/01/2018 10h57

Emoldurado pela montanha mágica do livro de Thomas Mann, Davos é mais do que um cartão-postal.

O vilarejo no cantão dos Grisões, na Suíça, abriga há 48 anos o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), evento que ocorre todo janeiro e reúne os maiores líderes de governos e da iniciativa privada do mundo.

A edição deste ano, que tem início nesta terça-feira, terá a presença de personalidades variadas e estreladas, indo desde o músico Elton John e a atriz Cate Blanchett a premiês e presidentes de países, como Donald Trump, Michel Temer, Emmanuel Macron, Angela Merkel, Theresa May e Justin Trudeau.

Esse vilarejo aos pés do Parsenn deve muito da sua fama ao fórum badalado. Mas o evento que colocou Davos no mapa global curiosamente teve origens modestas.

Realizado pela primeira vez em 1971 sob o distante nome de Simpósio Europeu de Administração, o encontro era voltado para executivos - e nem de longe remetia ao glamour que transmite hoje. "Ninguém, nem mesmo o fundador Klaus Schwab, poderia prever quão poderosa seria essa plataforma", reconhece o WEF em seu site.

A transformação gradual do pequeno simpósio em megaevento levou alguns anos, mas já na década de 1980 presidentes, nobres e ministros passaram a comparecer com assiduidade à Suíça - o então ministro das Relações Exteriores americano, Henry Kissinger, o príncipe Phillip, marido da rainha Elizabeth, e o líder da Alemanha Ocidental, Helmut Kohl, estavam entre presentes.

Foi no início dessa década, em 1982, que o fórum criou o conceito que viraria sua marca assinada: o IGWEL (no inglês, Informal Gathering of World Leaders, ou encontro informal de líderes mundiais).

Portas fechadas e descontração

A proposta era simples, mas inovadora: um encontro a portas fechadas, sem registros nem compromisso nem comunicados e sob voto de sigilo, onde os agentes do poder poderiam debater livremente ideias e cenários os mais estapafúrdios. Foi um sucesso.

"O que atrai os líderes é o fato de estarem expostos a uma plateia diferente e ser uma plataforma onde algumas ideias podem ser testadas, no contexto político de 'permissividade'", avalia Cedric Dupont, professor de Relações Internacionais no Instituto de Graduação de Genebra.

O que muitos participantes elogiam, e que de fato veio a se tornar o diferencial do evento, foi o ar de descontração.

Diferente dos eventos em que presidentes, primeiros-ministros e empresários se encontram somente para proferir discursos - como nas cúpulas do G-20, ou na Assembleia Geral da ONU - em Davos não existe a seriedade coreografada da diplomacia de protocolo. Entre debates e sessões, pessoas igualmente influentes, mas oriundas de áreas distintas, convivem amistosamente, construindo contatos preciosos. É o famoso networking, no jargão em inglês.

"É um grande evento de networking, um fórum no qual políticos de países em desenvolvimento podem interagir diretamente com políticos de economias avançadas e empresários para gerar oportunidades", avalia o professor Ugo Panizza, professor catedrático de Finanças e Desenvolvimento em Genebra.

"Sim, é importante trocar ideias, mas sempre há o risco de que em tais eventos se gere uma espécie de mentalidade única, onde as pessoas só interagem com o mesmo tipo de pessoas e perdem a noção da realidade, porque todos que estão presentes são iguais", pondera Panizza.

Clubinho

A capacidade de proporcionar essas interações próximas nos mais altos escalões do poder mundial rendeu ao Fórum a pecha de "clubinho" dos ricos capitalistas.

Inúmeras organizações populares já expressaram contraposição ao evento, inclusive com a criação de um encontro antagonista, o Fórum Social Mundial, que nas edições iniciais foi sediado em Porto Alegre.

Ao longo dos anos, porém, o Fórum de Davos tem tentado se desfazer dessa imagem negativa, associada a uma elite fria e indiferente. O lema da edição atual reflete, em parte, essa busca pela solidariedade: "Criando um futuro compartilhado em um mundo fraturado".

Um dos pontos que estará em debate é se apenas dinheiro resume prosperidade.

Será questionado, por exemplo, se o indicador econômico do Produto Interno Bruto (PIB) traduz a verdadeira riqueza de uma nação. Alternativamente, será apresentado o conceito de Índice de Desenvolvimento Inclusivo (IDI, sigla em inglês para Inclusive Development Index). De acordo com essa aferição, os Estados Unidos e a China estão longe do primeiro lugar - nela, Noruega, Islândia e Luxemburgo são os verdadeiros líderes mundiais.

"Parece que o WEF está tentando se tornar mais inclusivo e focar mais em questões relacionadas a problemas sociais, à inclusão social. Está claro que o objetivo do evento é falar de inclusão, então pelo menos há uma tentativa, nem que seja só nas palavras, de tentar ir nessa direção, ao invés de focar somente na eficiência econômica, como ocorreu no passado. Se isso é apenas uma fachada, ou uma tentativa sincera, eu realmente não sei", diz Panizza.

Presença nas redes sociais

A crescente presença nas redes sociais é uma das maneiras pela qual o Fórum tem tentado construir novas pontes com partes da sociedade global que não eram atingidas pela mensagem da organização.

Com vídeos curtos e postagens noticiosas, o Fórum aborda temas como o uso sustentável da água, energias renováveis e igualdade salarial entre os sexos.

Ulrik Brandes, professor de Redes Sociais na Escola Técnica de Zurique, na Suíça, acredita que ainda é cedo para se dar um veredito, mas reconhece que há um esforço do WEF para ampliar as vozes além das elites.

"Não estou tão convencido de que se trata só de querer informar as pessoas, ou acalmá-las ou conquistar o apoio delas", pondera.

"Existe uma marca que precisa se posicionar, e eles usam mídia social. Mas isso não quer dizer automaticamente que querem atingir a um segmento específico da sociedade", acrescenta. "Provavelmente é uma campanha de marketing voltada para garantir que se discutam posições que ainda não foram contempladas e que não estavam acessíveis."

"A presença nas mídias sociais pode ser um instrumento usado para promover um debate verdadeiramente inclusivo, ou só para simplesmente compartilhar as visões do WEF. Pode ser que sim, mas isso não temos como saber ao certo", conclui Panizza.

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