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Como vai funcionar a jornada de trabalho de 28 horas por semana que será implantada na Alemanha

Clarissa Neher

De Berlim para a BBC Brasil

21/02/2018 14h31

A partir de 2019, os trabalhadores da indústria metalúrgica e eletrônica na Alemanha poderão reduzir temporariamente sua carga horária de trabalho para até 28 horas semanais. Em contrapartida, as empresas poderão aumentar a jornada daqueles que desejam trabalhar além do atual limite de 35 horas por semana.

A flexibilização temporária da carga horária no setor, alcançada por meio de negociações sindicais, está sendo vista no país com um projeto piloto, cujo resultado pode promover uma pequena revolução nas atuais jornadas de trabalho estáticas. O sucesso deste experimento pode ainda impulsionar uma futura reforma trabalhista e servir de modelo para outros países.

"A ideia principal deste modelo, ou seja, a criação de um corredor de variantes de cargas horárias entre 28 horas e 40 horas semanais, é nova e tem um potencial de exportação", avalia o economista Alexander Spermann, especialista em mercado de trabalho e professor associado na Universidade de Freiburg.

Já a socióloga Ursula Stöger, da Universidade de Ausburgo, é mais cautelosa. Segundo ela, como a tendência é que a redução temporária da jornada seja solicitada principalmente por mulheres com filhos, a exportação do modelo dependerá muito das características dos mercados de trabalho de cada país.

"Em países onde há uma grande parcela de mulheres trabalhando em período integral, este pode ser um bom modelo. Também é importante que a renda seja relativamente alta, pois o exemplo alemão implica numa redução salarial", argumenta a especialista em socioeconomia do mercado de trabalho.

O grande diferencial do modelo acordado na Alemanha, em relação aos debatidos em outros países até agora, é a flexibilidade para o ajuste temporário de jornadas com a garantia ao empregado do retorno ao período integral, sem enfrentar restrições do empregador, após o tempo máximo estabelecido para a diminuição da carga horária, que é de dois anos.

Assim, a redução para até 28 horas semanais não é permanente ou imposta a todos. É uma opção oferecida àqueles que desejam trabalhar menos durante um período específico, por no máximo dois anos, e que, para isso, estão também dispostos a receber menos neste tempo.

Já as empresas conquistaram com o acordo a possibilidade de aumentar a jornada de trabalho das 35 horas semanais, em vigor há mais de três décadas no setor, para até 40 horas em casos de funcionários que desejem trabalhar mais.

No Brasil, uma lei de 1965, a 4.923, permite redução da jornada de trabalho com diminuição proporcional dos salários. Apesar de valer para todos os setores, ela é bem mais limitada do que a alemã: precisa ser negociada pelo sindicato e vale para um grupo específico de trabalhadores por um prazo máximo de três meses, prorrogáveis, com redução dos salários de até 25%.

Na prática, é um instrumento para que as empresas tentem evitar demissões em períodos de crise.

Em 2015, o governo Dilma Rousseff ampliou a medida através do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), em que a redução de jornada pode se estender por até um ano, com corte de até 30% e possibilidade de ajuda financeira do governo para complementar a remuneração dos trabalhadores afetados. Em 2016, Temer reeditou a medida por mais dois anos.

Modelo para o futuro?

Para Werner Eichhorst, do Instituto Economia do Trabalho (IZA), o modelo da indústria metalúrgica e eletrônica alemã vai ao encontro do futuro do trabalho, que não estaria na redução geral das atuais jornadas, mas sim na possibilidade de flexibilizações temporárias, com cargas horárias mais curtas ou mais longas, além de suas reduções e aumentos, dependendo das necessidades de funcionários e empresas.

"Não sabemos qual é o melhor modelo de jornadas de trabalho. Essa é uma questão em aberto", diz Spermann. O especialista destaca, no entanto, que no passado reduções gerais das jornadas com manutenção dos níveis salariais se revelaram ineficazes.

A França foi um dos países pioneiros nesta redução. Adotada em 2000, a carga horária de 35 horas semanais prometia criar cerca de 700 mil postos de trabalho, meta que nunca foi alcançada, apesar de altos índices de desemprego no país. A jornada mais curta também não reduziu as horas trabalhadas. Por isso, em 2016, uma reforma trabalhista aprovada pelo governo de François Hollande voltou atrás na mudança e flexibilizou a regra.

Na Alemanha, o modelo 35 horas semanais adotado na indústria metalúrgica e eletrônica também está longe de ser uma realidade, apesar da regra estabelecida em 1984 para os Estados da antiga Alemanha Ocidental - nos Estados da antiga Alemanha Oriental, a carga horária semanal no setor é de 38 horas.

"Isso vale praticamente somente no papel, pois há bastante flexibilidade, com horas extras e outras variações. Ao todo, no período integral, empregados trabalham cerca de 40 ou 41 horas por semana", observa Eichhorst.

Stöger pondera, porém, que o modelo de 28 horas adotado pela indústria metalúrgica e eletrônica pode polarizar ainda mais o mercado de trabalho na Alemanha, devido à possibilidade de aumento da carga horária. "As jornadas vão se diferenciar muito e isso é um desenvolvimento negativo para a sociedade. Essa polarização aumenta a desigualdade social."
Mais atratividade às empresas

Diferente das reduções para 35 horas, a flexibilização atual não está sendo promovida com uma forma de criar mais empregos no setor - até porque a Alemanha enfrenta dificuldade em ocupar vagas que já estão abertas.

Segundo dados da associação patronal do setor, Gesamtmetall, em setembro de 2017, cerca de 290 mil vagas em aéreas de matemática, informática, ciências naturais e técnicas não puderam ser preenchidas.

Essa lacuna atinge de maneira especial a indústria metalúrgica e eletrônica, que emprega 25% destes especialistas. Além disso, com a redução da população no país, esse déficit pode aumentar ainda mais.

Para o sindicato dos trabalhadores da indústria metalúrgica e eletrônica, IG Metall, que promoveu o acordo, a mudança pode contribuir para diminuir esse déficit e ainda atrair mais mulheres para o setor, onde atualmente somente 20% das vagas são ocupadas por mulheres. "As empresas ganharão atratividade ao oferecer modelos de trabalho modernos", ressalta.

Eichhorst também acredita que o modelo flexível adotado pode ser um incentivo a mais para mulheres trabalharem nestes setores.

Possível impasse

O caminho para a conquista da flexibilização no setor foi longo e encontrou resistência entre os empregadores. O acordo neste ano só foi possível depois que o sindicato dos trabalhadores cedeu e permitiu o aumento da jornada de trabalho de 35 horas em outros casos.

"Já temos, com 35 horas, a jornada de trabalho mais curta do mundo. Não conseguiremos defender a prosperidade alemã trabalhando menos. Por isso, foi essencial que a mudança não conduziu a uma nova redução da carga horária, mas sim a uma solução na variante da jornada semanal regular de alguns funcionários, para menos ou para mais", ressalta Sabine Glaser, diretora do departamento de política tarifária da associação Gesamtmetall.

O maior desafio para as empresas implementarem a mudança será organização das reduções de modo que essa diminuição no volume trabalhado não afete os resultados. Entre as possibilidades para alcançar um equilíbrio estão, além do aumento da jornada de funcionários que desejam trabalhar mais, a contratação de mão-de-obra temporária.

A nova regra permite ainda a empregadores negarem a redução, caso não seja encontrado uma solução para essa compensação. Essa autorização prévia pode gerar um impasse no modelo acordado.

Para Eichhorst, grandes empresas não terão muitos problemas em se organizar nesse sentido, mas as de pequeno e médio porte podem ter mais dificuldades. O especialista avalia que a mudança pode gerar conflitos internos, pois é possível que nem todos os funcionários recebam autorização para reduzir as jornadas como desejam.

Quem deve se beneficiar?

O IG Metal, o maior sindicato metalúrgico do mundo, acredita que a mudança deve beneficiar principalmente trabalhadores que têm filhos pequenos e aqueles que possuem pessoas doentes na família ou, ainda, os que desejam trabalhar menos por um período. Estima-se que cerca de 1,5 milhão de pessoas poderiam requerer a redução na carga horária.

Porém, especialistas acreditam que a redução será não será uma opção cogitada por muitos devido ao seu impacto salarial negativo. De acordo com Eichhorst, o abate no salário seria de cerca de 20% no valor bruto.

Stöger acrescenta que a redução será uma opção apenas para aqueles que possuem salários mais altos e melhores condições de vida, pois pessoas de baixa renda não têm como suportar o peso da redução salarial do modelo no orçamento familiar.

A expectativa sobre o modelo flexível que será testado pela indústria metalúrgica e eletrônica na Alemanha nos próximos anos é grande. Os primeiros resultados deste experimento devem ser apresentados somente daqui a cerca de dois anos. Até lá, o debate sobre o futuro do trabalho continua em aberto.