Transição para economia verde custará 180 mil empregos no Brasil, mas criará outros 620 mil, afirma OIT
A transição da economia mundial para um modelo mais verde e sustentável deverá criar 24 milhões de empregos, se países adotarem as políticas certas. É o que aponta um relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho), divulgado nesta segunda-feira (14).
No Brasil, a diferença entre fechamento de postos e abertura de novas vagas também é positiva e chega a 440 mil novos empregos, segundo informou a OIT com exclusividade à BBC Brasil.
"Estamos falando de 620 mil novas vagas, o que mais do que compensa os 180 mil empregos que poderão ser perdidos (no Brasil)", resumiu Guillermo Montt especialista da organização e pesquisador. A proporção é de 3,4 novas oportunidades para cada demissão em território nacional.
O documento mostra que seis milhões de trabalhadores devem perder seus empregos no mundo, mas é otimista em relação ao saldo total, que deve ser positivo pela criação de outras 18 milhões de vagas. Uma das chaves será requalificar esses desempregados para ocuparem esses novos postos.
A relação entre geração e extinção de empregos é de quatro para um, revelam os números do órgão da Organização das Nações Unidas.
Acordo climático de Paris
A principal mudança no mercado de trabalho ocorrerá no contexto do cumprimento do acordo climático de Paris 2015 --que prevê restringir o aumento da temperatura global a até 2°C acima de níveis pré-industriais.
Para cumprir a meta, será necessário abandonar energias poluentes, transformar os meios de produção e repensar o modo de consumo como um todo. A abertura de novas vagas resultará da adoção de práticas sustentáveis na geração e no uso de energia nesse contexto.
Será necessário, por exemplo, priorizar fontes energéticas renováveis, desenvolver o uso de veículos elétricos, além de construir e adaptar edifícios a padrões ecológicos. A OIT também prevê que muitas posições se abrirão com a reestruturação do modelo mundial de consumo para o chamado "sistema circular".
Na economia circular, a dinâmica deixa de ser "extração-produção-consumo-descarte" e passa a ser "extração-produção-consumo-reaproveitamento-novo uso". Somente nesse segmento, a OIT estima que seis milhões de novos empregos podem ser criados com a popularização de atividades de reciclagem como reparos, aluguel e remanufatura, exemplifica o documento.
No contexto da sustentabilidade, o relatório elenca diversos modelos de políticas públicas e projetos da iniciativa privada bem-sucedidos que resultam em desenvolvimento sustentável. Entre os casos de sucesso, há dois exemplos brasileiros: o Bolsa Verde e o RenovAção.
Bolsa Verde
O Bolsa Verde é um programa do Ministério do Meio Ambiente do tipo "PES" (Payment for Ecosystem Services, pagamento por serviços de ecossistema, em inglês). Nesse tipo de projeto, beneficiários recebem subsídios para gerir o ecossistema que habitam.
Dependendo do local e da população, podem ser projetos relacionados ao uso do solo, à preservação de mananciais, à produção e autossuficiência de energia, entre outros.
No programa brasileiro, por exemplo, a transferência de renda é principalmente direcionada às famílias que substituem queimadas e desmatamento por atividades de manejo e preservação ambiental. O programa está presente em 22 eEstados, totalizando 904 áreas assistidas e distribuídas por um total de 30 milhões de hectares.
Desde que entrou em funcionamento, em 2011, o Bolsa Verde já beneficiou cerca de 76 mil famílias. A região amazônica concentra o maior número de beneficiários (93%), com destaque para o Estado do Pará.
Para participar é necessário comprovar baixa renda, atuar em área de ecossistema e estar também inscrito no Bolsa Família. Os participantes recebem R$ 300 por trimestre, ou seja, R$ 1.200,00 por ano, para adotar práticas sustentáveis nas suas comunidades.
"Nas áreas abrangidas pelo programa houve visível redução do desmatamento e aumento da qualidade de vida das famílias. O monitoramento demonstrou uma queda de 30% nos desmatamentos", informou à BBC Brasil Juliana Simões, secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente.
"Programas PES são uma forma de promover objetivos sociais e ambientais simultaneamente. Isso é particularmente relevante no caso do Brasil, um dos países mais mega-diversos do mundo", defendeu Montt.
"O Bolsa Verde é um exemplo nesse sentido, porque protege as famílias da pobreza ao mesmo tempo em que preserva as florestas. Os benefícios retornam não apenas para aqueles que são diretamente remunerados, mas para a sociedade como um todo", elogia o especialista da OIT.
Para ilustrar o caso brasileiro em particular, Montt cita a preservação das florestas como estratégia fundamental para "regular o clima e a precipitação de chuva em todo o país". Ou seja, o programa desenvolvido nas matas acaba por gerar benefícios que impactam também as cidades.
Renovação
A OIT destacou também o programa RenovAção, que chamou de "importante iniciativa". O projeto foi iniciado em 2009 com base em uma parceria da Unica (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) com o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e outras instituições de ensino.
Trabalhadores rurais do sudeste que perderam seus empregos por conta da abolição da prática da queima da palha de cana foram treinados para adquirir novas qualificações. Por meio do aprendizado, eles conseguiram se reposicionar na mesma indústria e também em outros setores.
Durante a transição os ex-lavradores receberam uma renda mensal, até obter uma nova posição. O programa inclui 300 horas de cursos e atendeu mais de 6650 trabalhadores entre 2010 e 2015.
"O RenovAção no estado de São Paulo é uma prática modelo que vale a pena. Ajudou a avançar a sustentabilidade na indústria da cana-de-açúcar e melhorou a transição dos trabalhadores para outros setores", destacou Montt.
"É um bom exemplo de como a modernização leva à dispensa, mas também de que é possível encontrar alternativas. As cadeias produtivas necessitam da modernização para avançar no ganho de produtividade e na sustentabilidade", resume o professor e especialista em gerenciamento ambiental da Universidade de São Paulo Sérgio Pacca.
Estresse térmico
O estudo também estima que a mudança climática deverá afetar profundamente o nível de produtividade dos trabalhadores, porque o aumento na temperatura fará com que o estresse térmico desencadeie condições médicas como exaustão e até mesmo derrames com maior frequência.
Esses problemas de saúde ocupacionais relacionados ao aquecimento causarão uma perda global de 2% nas horas trabalhadas até 2030. Empregados da indústria agrícola nos países em desenvolvimento serão especialmente afetados.
O relatório afirma, ainda, que a transição para a economia verde beneficiará a maioria dos setores pesquisados. Em todo o mundo, dos 163 setores produtivos analisados, apenas 14 perderão mais de 10 mil empregos. O fechamento das vagas se concentrará principalmente na indústria do petróleo.
Petróleo
Mundialmente, dois segmentos serão os maiores perdedores, concentrando o fechamento de mais de um milhão de vagas: são os setores de extração e de refino do petróleo.
Em regiões com economias altamente dependentes dessa matéria-prima --como no caso do Oriente Médio-- o saldo líquido será uma queda de 0,48% no nível de emprego em decorrência do abandono dos combustíveis fósseis.
"Fala-se muito em desenvolver o pré-sal no Brasil, mas esse é um modelo ultrapassado. O que deveria estar se pleiteando agora é o futuro. Ainda estamos olhando para o tema do desenvolvimento com um olhar de um século atrás. Não estamos sabendo nos modificar em termos de inovação e adequação", critica o professor Pacca.
Globalmente, 2,5 milhões de novos postos de trabalho serão criados nos setores de eletricidade gerada por fontes renováveis, compensando cerca de 400 mil vagas perdidas na geração de eletricidade baseada em combustíveis fósseis.
Na conclusão, a OIT sintetiza a recomendação de que países adotem uma combinação de políticas que inclua transferências de renda, seguros sociais mais fortes e limites no uso de combustíveis fósseis.
Essa abordagem conjunta levaria a um "crescimento econômico mais rápido, com maior geração de empregos e com uma distribuição de renda mais justa", bem como menores emissões de gases causadores do efeito estufa.
"O Brasil precisa aproveitar que tem uma natureza tão abundante e repensar seu desenvolvimento. Não dá pra ficar vendendo commodities pra sempre. Acredito que a conservação vai ter no futuro um valor muito maior, muito mais relevante, do que a expansão das commodities", profecia Bacca.
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