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Cancelamento de voos por conta da greve dá impulso a 'Ubers' da aviação

Marina Wentzel

Da Suíça para a BBC Brasil

30/05/2018 19h08

Se por um lado a greve dos caminhoneiros teve forte impacto sobre a aviação comercial, chegando a causar o cancelamento de voos e fechamento de aeroportos, por outro representou uma oportunidade inesperada às startups da aviação privada.

Durante a primeira semana da paralisação houve crescimento significativo na demanda por voos baratos fretados em aviões e helicópteros. A procura foi tanta que a demanda chegou a aumentar em mais de 1.000%, segundo dados da ABTAER, Associação Brasileira de Taxi Aéreo e Manutenção de Produtos Aeronáuticos.

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"Observamos uma procura maior nos primeiros dias e conseguimos inicialmente atender, porque somos um segmento com autonomia maior que as linhas comerciais. Se falta combustível em um grande aeroporto, reprogramamos a rota de modo a reabastecer onde ainda há disponibilidade", explicou à BBC Brasil o diretor geral da associação, o comandante Domingos Afonso de Deus.

O cancelamento de voos de carreira levou ao aumento na demanda por aeronaves fretadas e isso desencadeou a popularidade dos novos aplicativos do tipo "Uber" aéreo, que oferecem "carona" em jatinhos e helicópteros. Startups como Voom, Flapper e CloudTaxi são as principais beneficiadas.

"Apenas na semana passada, houve um crescimento de 30% no número de voos realizados e a expectativa é para que essa semana tenha um aumento de mais 30%", comentou Uma Subramanian, executiva chefe da Voom, que oferece voos de helicóptero na capital paulista.

"Tivemos uma procura duas vezes maior. De 1.500 cotações por semana passamos a 3.000 cotações. Para sexta-feira (dia 1º de junho) já temos todos os voos cheios e lançamos mais voos", disse à BBC Brasil Paul Malicki executivo chefe da Flapper.

"Não podemos divulgar números por questões estratégicas, mas confirmamos que houve aumento significativo na procura de voos e os nossos parceiros até o momento não nos reportaram falta de combustível", afirmou à BBC Rafael Faust, fundador da CloudTaxi.

O comandante Domingues, da ABTAER, explicou que a aviação de pequeno porte atende a cerca de três mil pontos no Brasil e essa interconectividade da rede é um dos diferenciais que garantiram resiliência ao segmento, apesar da situação de imprevisibilidade e racionamento de combustível que acometeu os grandes aeroportos do país.

'Uber aéreo'

Apesar de a industria de táxi aéreo como um todo registrar aumento de demanda, são os aplicativos que anunciam para a classe média alta nas redes sociais as empresas que mais ganham notoriedade.

Uma das startups que se beneficiou dessa situação foi a Flapper. Segundo a operadora, o número médio de cotações para assentos livres dobrou desde o começo da greve.

Segundo ele, há muitos novos clientes querendo saber sobre voos compartilhados, principalmente entre Brasília, São Paulo e cidades de interior paulista. Habitualmente, a Flapper atende a 400 passageiros por mês, mas projeta superar com folga essa média em maio e espera continuar crescendo no futuro. Desde que começou a operar em novembro de 2017, o app já atendeu a mais de 60 mil usuários.

"A nossa pesquisa mostra que o Brasil tem mais de 400 mil potenciais clientes de serviços privados que já viajam com frequência. Para chegar nesse número cruzamos os dados da Serasa com dados sobre viajantes frequentes do Facebook. O número é muito preciso. Considerando venda por assento, são 2,7 milhões de pessoas com poder aquisitivo para comprar", avalia Malicki.

Outro aspecto foi a necessidade de contornar o gargalo de logística evidenciado pela greve. "O que mais contribuiu para nosso sucesso nesta crise foi o fato de termos feito transporte de carga. Fechamos uma parceria com uma grande empresa de logística e fizemos voos entre o interior de São Paulo e Sul do país com cargas para não parar a indústria automobilística", comemora Malicki. "As ligações e e-mails sobre fretamento aumentaram muito nestes dias, cerca de 30%", completa.

Ainda na versão Beta, o CloudTaxi vê com o mesmo otimismo o mercado de aviação brasileiro. "Vamos crescer muito, ainda mais com o sistema de pagamento via criptomoedas que pretendemos lançar ainda este ano", promete Faust.

Segundo dados da consultoria Statista, o Brasil é o segundo país nas Américas com a maior frota de aviões privados. Com cerca de 1.525 aeronaves, fica atrás apenas dos Estados Unidos e à frente do México e Canadá.

'Empty Legs and Seats'

Os apps de transporte aéreo conseguem oferecer assentos em jatinhos e aviões de pequeno porte por preços mais em conta do que os operadores normais de taxi aéreo porque aproveitam as chamadas "empty legs" e os "empty seats". As expressões em inglês, que em tradução livre significam "pernas vazias" e "assentos vazios", se referem à disponibilidade que uma aeronave tem ao retornar de um deslocamento, ou ao ser fretada para um grupo de pessoas menor do que a sua capacidade máxima.

Por exemplo, se um jatinho de uma companhia de taxi aéreo é contratado num vôo só de ida no trecho São Paulo-Rio, o retorno Rio-São Paulo pode ser oferecido por preços mais em conta nos apps, para garantir que o avião não voará vazio. Igualmente, se um grupo de executivos aluga uma aeronave de 12 assentos mas só seis profissionais viajam, os outros seis lugares podem cair para venda nos apps.

Os preços da Flapper buscam ampliar o alcance dos serviços. O valor médio por assento das viagens varia. Entre capitais, a média é de R$ 750. Os trechos com destino ao interior ou ao litoral podem sair por R$ 300 a R$ 600. No próximo ano, a empresa pretende lançar uma espécie de passe liberado para fidelizar os clientes. Pagando entre R$ 4.000 e R$ 8.000 por mês, os assinantes vão poder voar à vontade e ter acesso a fretamento de aviões e helicópteros sem taxas.

Com a CloudTaxi os preços são semelhantes. Vôos na ponte aérea Rio-São Paulo saem por valores entre R$ 400 e R$ 800. "Se o passageiro se fidelizar com nosso programa de viagens, ainda damos mais desconto. As reduções extras variam entre R$ 100 e R$ 300", explicou Rafael Faust.

Para decolar em um helicóptero da Voom, os passageiros precisam desembolsar entre R$ 250 e R$ 600, sem considerar descontos promocionais. A rota é o fator que determina o preço.

Regularização na Anac

O comandante Domingos diz que alguns apps, apesar de promissores, ainda não tiveram seu modo de operação regulamentado pela ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil, e há algumas restrições que precisam ser esclarecidas.

Segundo dados de 2015 da ABEAR, Associação Brasileira de Empresas Aéreas, o país tem uma enorme frota privada ociosa que poderia ser colocada à disposição. De todas as aeronaves do país, 22% são de táxi aéreo, enquanto 47% são de proprietários privados. O restante é utilizado para instrução e treinamento.

"Elas só podem vender assentos em voos com atestado de origem de empresa de táxi aéreo. Não podem, por exemplo, colocar uma aeronave de uma frota particular para rodar só para o avião não ficar parado no hangar da família", exemplifica. As autoridades e os operadores marcaram reunião para o dia 21 de junho para discutir a questão.

Até lá, o comandante Domingos espera que a situação se normalize como um todo. "Nos primeiros dias, não faltou combustível para os aviões de pequeno porte, mas agora há aeroportos que já não têm mais", disse em referência à escassez de querosene de aviação no aeroporto Campo de Marte, na zona norte de São Paulo, um dos principais polos de aglomeração de jatinhos no país. "A prioridade é dos transportes médicos e de profissionais que são levados às plataformas em alto mar", ressaltou.

Se depender dos esforços dos apps ao estilo Uber, os clientes não passarão aperto. As empresas confirmaram à reportagem que não sofreram falta de combustível até o momento. Para a sexta-feira, usuários do aplicativo Flapper lotaram assentos em três voos para Angra dos Reis. Num fim de semana típico, eles fecham apenas um avião. "É a primeira vez que a taxa de aproveitamento chega a quase 100%", comemora Malicki.

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